Política

Cármen Lúcia autoriza diretor de empresa a ficar em silêncio na CPI





A ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) Cármen Lúcia concedeu ontem um habeas corpus para o executivo Roberto Pereira Ramos Júnior, diretor do FIB Bank Garantias S.A, que lhe dá o direito de permanecer em silêncio e não produzir provas contra si mesmo em seu depoimento à CPI da CovidA oitiva está marcada para hoje.

Embora tenha permitido que Ramos Júnior fique em silêncio e não seja obrigado a responder as perguntas que possam lhe incriminar, a ministra ressaltou que ele fica proibido de "faltar com a verdade relativamente a todos os demais questionamentos".

Convocado que foi nesta condição, pode ele se manter em silêncio se questionado sobre fatos e atos que possam conduzir a seu comprometimento criminal. Contudo, como testemunha não pode eximir-se do dever de dizer a verdade, por exemplo. Pode silenciar-se afirmando o direito constitucional de não produzir provas contra si. Mas não pode, testemunha que seja, negar-se a dizer a verdade se questionado e se vier a optar por não silenciar, apenas afirmando, nesta situação, o seu direito de não se autoincriminar Trecho de decisão da ministra Cármen Lúcia

"Assim, o convocado não pode se eximir de responder questões sobre sua identificação, por exemplo, ou qualquer outra sem relação com o que possa incriminá-lo, negando respeito às atividades legítimas e necessárias de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que presta serviço necessário ao esclarecimento de questões de interesse público", acrescentou ela.

FIB Bank Garantias S.A é empresa que apresentou uma carta de fiança de R$ 80,7 milhões a fim de tentar avalizar a aquisição da vacina Covaxin por parte da Precisa Medicamentos, intermediária da negociação entre o Ministério da Saúde e a Bharat Biotech.

A CPI da Covid também aprovou a quebra de sigilos telefônico, bancário, fiscal e telemático do FIB Bank desde janeiro de 2020 até o momento.

Fonte: UOL 

Alvo de CPI, garantidora da Covaxin foi usada por igreja de pastor bolsonarista para arrastar dívida

FIB Bank atuou para Igreja Mundial, do pastor Valdemiro Santiago, e foi colocada sob suspeita antes de ser utilizada em contrato de vacina

Empresa responsável por garantir o contrato bilionário da vacina Covaxin no governo Jair Bolsonaro, a FIB Bank Garantias foi usada pela Igreja Mundial do Poder de Deus, do pastor Valdemiro Santiago, para arrastar uma dívida de R$ 12 milhões cobrada na Justiça em São Paulo.

Uma ação judicial chegou a afirmar que a carta de fiança emitida pela garantidora —e usada pela igreja— era inidônea e sem lastro para o pagamento da dívida, perpetrando uma prática de fraudar credores já detectada pela Justiça e remetida ao MPF (Ministério Público Federal) para investigação.

À Folha a FIB Bank afirmou que a carta acabou rejeitada pela Justiça e que, por isso, o documento emitido para a igreja foi cancelado pela empresa. "A negativa de um juiz não altera nem invalida a lei que a estabelece", disse.

Santiago é um dos pastores de igrejas evangélicas neopentecostais que apoiam Bolsonaro. Em 18 de julho, por exemplo, o líder da Igreja Mundial do Poder de Deus acompanhou o presidente após a alta médica em hospital de São Paulo, onde o chefe do Executivo tratou uma obstrução intestinal.

A igreja tem uma parceria com a Rede Brasil de Televisão para veiculação de conteúdo religioso durante 12 horas da programação diária.

O dono da emissora é o empresário Marcos Tolentino da Silva, apontado em ações na Justiça de São Paulo como sócio oculto da FIB Bank, como a Folharevelou em reportagem publicada em 23 de julho.

Depois de o jornal revelar a suspeita de sociedade oculta e irregularidades na oferta da garantia para viabilizar o contrato da Covaxin, em reportagens publicadas em 14 e 16 julho, a FIB Bank entrou de vez no escopo de investigações da CPI da Covid no Senado.

A comissão quebrou sigilos da empresa e aprovou a convocação de Tolentino para depor aos senadores. Também foi convocado o presidente formal da FIB Bank, Roberto Pereira Ramos Júnior.

O depoimento de Ramos Júnior está agendado para esta quarta-feira (25). A CPI suspeita que ele seja apenas um preposto no cargo.

Tolentino é amigo próximo do deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo Bolsonaro na Câmara. Os dois estiveram com o presidente no Palácio do Planalto em 13 de julho. Barros também é investigado pela CPI, por suspeita de participação em negociações irregulares de vacina.

A Igreja Mundial do Poder de Deus assinou um instrumento particular de confissão de dívida, em maio de 2017, em que reconheceu dever R$ 12,2 milhões à empresa SM Comunicações. O serviço consistia em veiculação de programas televisivos da igreja do pastor Valdemiro.

Por meio dos advogados Paco Manolo Alcalde e Rafael Gunkel, a SM ingressou na Justiça em São Paulo com uma ação de execução da dívida. No momento da ação, em outubro de 2018, a dívida estimada era de R$ 15,2 milhões.

No curso do processo, a Igreja Mundial do Poder de Deus apresentou uma carta de fiança emitida pela FIB Bank para postergar e cobrir o pagamento da dívida. Primeiro, o documento não cobria o valor da dívida. Uma segunda carta foi apresentada, com valor ampliado para R$ 23,5 milhões.

O ofício à Justiça que cita a nova carta de fiança foi apresentado por dois escritórios de advocacia, como consta no cabeçalho do documento. Um tem como sócio Marcos Tolentino. O outro, o advogado Felício Valarelli Júnior.

Tolentino é apontado como sócio oculto da FIB Bank. Valarelli assinou o estatuto social da constituição da empresa em 2016.

"O mero aumento de valor [da 'carta de fiança'] em nada afasta a nítida ausência de lastro para que a instituição fiadora FIB Bank garanta o cumprimento da obrigação sub júdice", afirmam os advogados da empresa credora em uma das petições na Justiça.

Eles dizem existir um "esquema ardiloso, orquestrado pelos prepostos da executada [a igreja] e personificado na pessoa jurídica FIB Bank, com o nítido intento de fraudar credores".

A ação lembra que a FIB Bank, apesar de ter "banco" no nome, não é uma instituição financeira cadastrada no Banco Central.

Em decisão num recurso apresentado pela Igreja Mundial do Poder de Deus, que se manifestou contra o bloqueio de contas bancárias, a Justiça considerou que "o inadimplemento é incontroverso".

O embargo foi rejeitado em junho de 2020. O juiz responsável enviou documentos ao MPF e à Procuradoria-Geral do Banco Central para investigação sobre a FIB Bank, pelo fato de a empresa exercer atividades típicas de instituição financeira sem ser uma instituição financeira.

Dois anos antes, a Justiça em São Paulo já havia remetido cópia de outra ação cível à esfera criminal, em razão das suspeitas de crimes envolvendo a FIB Bank Garantias.

O juiz afirmou existir "evidente fraude à execução" e encaminhou os autos ao MPF "para providências que entender pertinentes".

"A FIB Bank se vale de seu patrimônio e expertise, para prestar serviços de fiança e garantia fidejussória para terceiros", afirmou a empresa, em nota. "Dezenas de empresas atuam nesse segmento de mercado no Brasil e, com a FIB Bank, têm centenas de setenças judiciais favoráveis à utilização de suas garantias."

Sobre Valarelli, a empresa disse que ele é "um dos criadores" da FIB Bank. E que o escritório de Tolentino tem como cliente a empresa que é uma das sócias da empresa.

Mesmo diante das suspeitas, uma carta de fiança da FIB Bank foi usada pela Precisa Medicamentos, a intermediária do negócio da Covaxin, como garantia do contrato de R$ 1,61 bilhão, referente a 20 milhões de doses –nenhuma dose foi entregue nem o valor foi pago, apesar da autorização para o gasto ter sido emitida pelo governo Bolsonaro em 22 de fevereiro.

O Ministério da Saúde aceitou uma garantia irregular no negócio.

A fiança oferecida, equivalente a 5% do valor do contrato –R$ 80,7 milhões–, era do tipo fidejussória, pessoal, não prevista nem na lei nem no contrato assinado. Deveria ser ofertada uma fiança bancária, um seguro-garantia ou caução em dinheiro ou títulos da dívida pública.

Além disso, o ministério aceitou a garantia fora do prazo. A carta de fiança foi apresentada dez dias após o fim do prazo contratual e foi incluída no sistema de pagamentos do governo federal.

O Ministério da Saúde chegou a planejar a dispensa de garantia no contrato da Covaxin. Depois de mudar esse plano, aceitou a fiança irregular.

A FIB Bank também garantiu um contrato da Precisa de venda de preservativos femininos à pasta. A Precisa, um dos alvos centrais da CPI da Covid, já recebeu R$ 102,3 milhões do governo federal pelo fornecimento dos preservativos.

O contrato para a Covaxin foi suspenso e será cancelado em definitivo, como já anunciou o governo Bolsonaro.

As fraudes detectadas, irregularidades e suspeitas de corrupção são investigadas por CPI, Polícia Federal, MPF (Ministério Público Federal), TCU (Tribunal de Contas da União) e CGU (Controladoria-Geral da União).

Folha enviou questionamentos a Marcos Tolentino, à Igreja Mundial do Poder de Deus e ao escritório de advocacia que aparece como defensor da igreja na ação de execução. Não houve respostas. A reportagem também tentou contato por telefone com os advogados defensores da igreja, sem êxito.

Fonte: Folha