Política

CPI convoca ex de Bolsonaro para explicar relação com suposto lobista





CPI da Covid aprovou hoje a convocação de Ana Cristina Valle, uma das ex-mulheres do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), para que preste depoimento sobre indícios de relação dela com o suposto lobista Marconny Albernaz de Faria.

Marconny é ouvido em oitiva hoje pelos senadores da Comissão Parlamentar de Inquérito. Ele negou ter negócios com Ana Cristina e disse conhecê-la por meio de Jair Renan, filho dela com Bolsonaro. No entanto, os parlamentares afirmam ter em mãos troca de mensagens que apontam suposta atuação dela a pedido de Marconny.

"Mensagens eletrônicas extraídas de aparelho celular, em posse desta Comissão Parlamentar de Inquérito, indicam que, a pedido do lobista Marconny Faria, a senhora Ana Cristina Siqueira Valle, ex-mulher do atual presidente da República, entrou em contato com o Palácio do Planalto para exercer influência no processo de escolha do Defensor Público-Geral Federal junto ao então ministro da Secretaria Geral da Presidência e atual ministro do TCU, Jorge Oliveira", diz trecho do requerimento de convocação de Ana Cristina, apresentado pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).

O senador afirma que as mensagens fazem parte de material sob sigilo enviado pelo Ministério Público Federal no Pará obtidas em investigação sobre o desvio de recursos públicos em órgão ligado à pasta da Saúde.

Questionado se Ana Cristina interveio em favor dele para mudanças ou indicações de cargos no governo federal, Marconny optou por ficar em silêncio sobre o assunto, amparado em decisão do STF (Supremo Tribunal Federal).

Para Alessandro Vieira, a "relação próxima [de Marconny] com a ex-esposa do senhor Jair Bolsonaro deve ser amplamente esclarecida, com vistas a examinar potencial atuação ilícita de ambos no contexto da pandemia".

Inicialmente, não havia previsão de que o requerimento de convocação de Ana Cristina fosse votado hoje. Porém, ao longo do depoimento de Marconny, o assunto voltou à tona e parte dos senadores aceitou pautá-lo, sob protesto do governista Marcos Rogério (DEM-RO).

O senador Humberto Costa (PT-PE) não se colocou contra a convocação de Ana Cristina no momento da votação. Porém, após a reunião, disse não ter certeza se ela tem vínculos diretos com suspeitas de irregularidades que a CPI da Covid investiga. O senador ainda disse que a aprovação de uma convocação não se reflete já em uma data certa de depoimento.

Marconny afirmou ter conhecido Ana Cristina por meio do filho dela e de Bolsonaro, Jair Renan. "O Jair [Renan], como já tinha falado, eu conheci por amigos em comum, logo que ele chegou a Brasília [há cerca de dois anos]", disse Marconny. O suposto lobista afirmou que ajudou Jair Renan a "criar uma empresa de influencer" e o apresentou a um colega tributarista que poderia auxiliá-lo.

Marconny ainda confirmou ter comparecido ao aniversário de Jair Renan em um camarote em Brasília, durante a pandemia. A comemoração ocorreu no Estádio Nacional Mané Garrincha.

Lobista da Precisa

Marconny Faria é tido por senadores da CPI como lobista da Precisa Medicamentos, empresa que intermediou negociação da compra da vacina indiana Covaxin com o Ministério da Saúde. Após denúncias de uma série de supostas irregularidades, o contrato acabou cancelado pelo governo federal.

Mensagens em posse da CPI também apontam que Marconny supostamente teria participação em eventual esquema de corrupção para favorecer a Precisa Medicamentos em processo de compra de testes de detecção de covid-19 pelo Ministério da Saúde, com citações a uma pessoa indicada como "Bob", quem os senadores acreditam se tratar de Roberto Dias, ex-diretor de logística da pasta.

Ana Cristina trabalha com deputada e vive em mansão

Atualmente, Ana Cristina Siqueira Valle trabalha no gabinete da deputada federal Celina Leão (PP-DF), com salário bruto de R$ 8.116,08 mais auxílio de quase R$ 1 mil.

O ex-assessor de Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) e ex-funcionário de Ana Cristina, Marcelo Luiz Nogueira dos Santos, contou que no período em que foi funcionário do filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio) era obrigado a devolver mensalmente 80% de seu salário —mecanismo conhecido como rachadinha. De acordo com Nogueira, ele precisava entregar esses valores em dinheiro vivo nas mãos de Ana Cristina. Isso ocorreu todos os meses ao longo de mais de quatro anos, disse.

Conforme mostrado pelo UOLAna Cristina e Jair Renan moram em uma mansão de R$ 3,2 milhões no Lago Sul, área nobre de Brasília. De acordo com Nogueira, o imóvel foi comprado por Ana Cristina, que se utilizou de laranjas para ocultar a aquisição.

O senador Alessandro Vieira declarou hoje que, em princípio, ambos não têm renda compatível para morarem em um local assim.

- CPI da Covid vai denunciar Bolsonaro ao Tribunal Penal Internacional

CPI da Covid vai encaminhar ao Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, na Holanda, cópia do seu relatório final, denunciando o presidente Jair Bolsonaro por crime contra a humanidade. A decisão foi acertada entre o relator, Renan Calheiros (MDB-AL), e o grupo majoritário da comissão, o chamado G7. A denúncia se sustentará em dois pontos: a crise com o desabastecimento de oxigênio em Manaus e a falta de políticas de proteção para os povos indígenas durante a pandemia.

“No estado do Amazonas teve implantação clara da imunidade de rebanho. Chegou a ter mais de 200 mortes em apenas um dia. A população clama por oxigênio, em vez de mandarem oxigênio, mandaram 120 mil comprimidos de cloroquina”, disse ao Congresso em Foco a senadora Eliziane Gama(Cidadania-MA). “Isso é crime contra a humanidade, isso é crime grave. O relatório deverá ser enviado ao Tribunal de Haia”, acrescentou. 

Crime contra a humanidade é um termo de direito internacional que se refere a atos deliberadamente cometidos como parte de um ataque generalizado ou sistemático contra qualquer população civil. Em funcionamento desde 2002, o Tribunal Penal Internacional é uma corte permanente e independente que julga pessoas acusadas de crimes como genocídio, de agressão, contra a humanidade e de guerra. “São processos muito longos. Mas há elementos para a denúncia”, considera o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), integrante do G7.

Alguns desses elementos estão presentes no parecer entregue nessa terça-feira (14) à CPI por um grupo de juristas a pedido de Alessandro Vieira. O grupo liderado por Miguel Reale Junior atribuiu ao presidente a prática de crimescontra a saúde pública, contra a administração pública, contra a paz pública e contra a humanidade. Também acusa Bolsonaro de ter cometido infração de medidas sanitárias preventivas, charlatanismo, incitação ao crime e prevaricação. Uma das signatárias do documento é a juíza aposentada Sylvia H. Steiner, que atuou no Tribunal Penal Internacional entre 2003 e 2016 e conhece como poucos os meandros da corte.

O parecer dos juristas deve ser incorporado pelo relator, Renan Calheiros, em suas conclusões. O texto também recomenda que o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e a ex-secretária do ministério Mayra Pinheiro, apelidada de “Capitã Cloroquina”, também sejam denunciados ao tribunal internacional.

O documento ressalta que Manaus foi palco de “experiências e projetos absolutamente desastrosos e maléficos à saúde da população, conduzidos pelo governo federal, ao arrepio das evidências científicas e das recomendações dos pesquisadores e profissionais da saúde”. O documento faz referência às teses de imunidade de rebanho e de tratamento precoce, defendidas por Bolsonaro.

“O desprezo pela saúde e pela vida dos brasileiros amazonenses está claramente caracterizado. A adoção de um tratamento precoce ineficaz como política de saúde pública pelo governo federal, em detrimento da implementação de medidas de prevenção e da garantia de fornecimento de equipamentos e insumos necessários à assistência dos doentes, contribuiu para o colapso do sistema de saúde presenciado no estado”, diz o parecer.

“A participação do sr. Presidente da República Jair Messias Bolsonaro na condução de atos que resultou nesse cenário caótico também está comprovada pelas provas produzidas na CPI. Em depoimento, o Ministro da Saúde Eduardo Pazuello admitiu a participação de Jair Bolsonaro na reunião ministerial que decidiu pela não intervenção federal no Amazonas, não obstante a crise da falta de oxigênio no estado, em janeiro deste ano.” Para o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da comissão parlamentar de inquérito, a população de Manaus foi usada como “cobaia”. “A CPI apontará para essas responsabilidades", afirmou Randolfe.

O parecer também aponta vários momentos em que o presidente ignorou a adoção de medidas de proteção aos povos indígenas. "Demonstrou-se estatisticamente que o percentual de mortes em consequência da Covid-19, entre povos indígenas, tem sido bem superior ao número de mortos entre populações urbanas", diz trecho do texto. Segundo os juristas, Bolsonaro ignora a deliberadamente a vulnerabilidade dos povos indígenas.

De acordo com o documento, Bolsonaro, por meio da estrutura organizada e hierárquica de poder, "deliberadamente planejou, incentivou, autorizou e permitiu que a epidemia invadisse e se alastrasse nas comunidades indígenas, em especial nos territórios do Amazonas, Pará, Roraima, Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Ceará e Pernambuco, causando um número inaceitável de mortes, lesões graves, desnutrição, deslocamentos forçados, ataques por grupos armados, contaminação por mercúrio, entre outros atos desumanos de igual gravidade".

Para a advogada internacional Joyce Dias, que atuou na Promotoria do Tribunal de Haia, em 2005, são pequenas as chances de a corte abrir uma investigação para apurar a conduta do presidente brasileiro a partir de uma eventual denúncia da CPI.

Segundo ela, há dois dificultadores para que o processo internacional se deslanche. “O TPI só exerce jurisdição quando o Estado não quer ou não pode agir. O tribunal não vai agir se o Estado já tomou medidas. É uma comprovação difícil de fazer a de que o Brasil é incapaz ou foi omisso em condenar Bolsonaro. Muitas vezes o TPI lida com países com sistema judiciário muito mais precário que o nosso”, explica.

O segundo obstáculo, aponta Joyce Dias, está nos tipos de crime que a corte julga. “O tribunal foca nos crimes mais graves que a gente possa imaginar. Não é tirar a gravidade do que estamos vivendo. É absurdo o que vivemos. Mas costumam tratar de casos de guerra, como os do Sudão e da Nigéria. É uma questão de logística e limitação do próprio tribunal”, observa.

Na prática, de acordo com a advogada, a Procuradoria do Tribunal Penal Internacional deve comparar a gravidade dos crimes cometidos no Brasil e a capacidade ou omissão do país em julgar Bolsonaro com outras centenas de casos.

Um processo em Haia costuma se arrastar por longos anos. Para virar objeto do tribunal, o caso precisa atender a pelo menos quatro pré-condições: tratar de genocídio, crimes contra a humanidade, de guerra ou de agressão, conforme o Tratado de Roma; comprovar que não há vontade ou possibilidade de o Estado investigar os crimes; ter gravidade que justifique a investigação, e atender a interesses da Justiça. Em 2019, 95% das denúncias levadas ao tribunal morreram no nascedouro.

Caso se confirme o envio, o relatório da CPI da Covid será analisado pela Procuradoria do tribunal, que analisará se há indícios de crime contra a humanidade na denúncia. A partir daí, a Procuradoria poderá abrir ou não uma investigação. Só depois dessa fase, com a coleta de provas, é que caberia ao procurador, hoje o britânico Karim Kahn, denunciar ou não o presidente brasileiro. “É aí que o processo começaria. Mas é muito difícil por conta da atuação do tribunal. É uma dificuldade enorme, não pela gravidade dos casos, mas pela forma com que o tribunal atua”, afirma Joyce Dias.

O parecer dos juristas, que deverá ser usado pela CPI, aponta Bolsonaro como o “mandante”, o “organizador” e o “dirigente” da conduta de seus subordinados na condução da pandemia. “Para além da prática dos crimes comuns que foi longamente tratada neste parecer, a nosso ver, também está demonstrada responsabilidade penal individual do sr. Presidente da República Jair Messias Bolsonaro, do Ministro da Saúde Eduardo Pazuello e, pelo menos, da médica Dra. Mayra Pinheiro Correia, pelos crimes contra a humanidade aqui analisados”, diz o texto.

O Tribunal Penal Internacional foi estabelecido pelo Estatuto de Roma, em 1998, e entrou em vigor em julho de 2002, com a adesão de 60 países. O Estatuto de Roma é um tratado internacional, obrigatório somente aos Estados que expressaram formalmente seu consentimento, caso do Brasil.

Em reunião por videoconferência realizada no último domingo (12), a CPI da Covid decidiu marcar para os dias 28 e 29 de setembro a votação do relatório final de Renan, estendendo os trabalhos por mais uma semana. O senador deverá apresentar seu relatório entre os dias 23 e 24. Será concedido o prazo de uma semana, então, para os integrantes da comissão analisarem as conclusões do emedebista. Nessa terça-feira, no entanto, o presidente da CPI, Omar Aziz(PSD-AM), afirmou que não está descartada a possibilidade de prorrogação dos trabalhos. Em tese, a CPI pode funcionar até o início de novembro.

- Lobista confirma à CPI relação próxima com Renan Bolsonaro em depoimento tenso com ameaça de prisão

O lobista Marconny Albernaz de Faria reconheceu em depoimento à CPI da Covid nesta quarta-feira (15) que mantém uma relação muito próxima e de amizade com Jair Renan, filho do presidente Jair Bolsonaro.

Marconny afirmou que chegou a comemorar o seu aniversário em um camarote de propriedade do filho "04" e que o ajudou na abertura de sua empresa. Em um depoimento tenso, Marconny irritou diversas vezes os senadores da CPI ao dar respostas confusas e atrapalhadas.

Também foi ameaçado de prisão ao afirmar não se recordar quem era o senador a quem se referiu em mensagem, na qual afirma que esse parlamentar ajudaria a “desatar o nó” da negociação de testes para detectar Covid-19.

Reportagem da Folha mostrou mensagens trocadas entre Marconny e Jair Renan em que o lobista oferece auxílio para a abertura da empresa do filho do presidente da República.

As informações constam de conversas no WhatsApp obtidas pela Folha, após quebra judicial de sigilo do lobista a pedido do Ministério Público Federal no Pará, e de análise de documentos da Receita Federal. Os dados foram compartilhados com a CPI.

Marconny confirmou em seu depoimento a proximidade com Jair Renan, amizade que teve início assim que o filho do presidente chegou a Brasília. “Ele [Renan] queria criar uma empresa de influencer, e aí eu só apresentei ele para um colega tributarista que poderia auxiliar na abertura dessa empresa."

O lobista também reconheceu que comemorou o seu aniversário em um camarote de Jair Renan, localizado no estádio Mané Garrincha, em Brasília. Em sua defesa, Marconny afirmou que a festa não infringiu regras sanitárias da pandemia.

“Mas não estou dizendo que o seu evento foi realizado de forma ilegal não. A ilegalidade não está na festa, a ilegalidade está no que se consegue nas festas, porque se elucida, com muita clareza, por que vale a pena contratar um Marconny”, reagiu o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).

“Porque o Marconny diz que não conhece senador, o Marconny não é advogado, o Marconny não entende de contrato, o Marconny não entende da administração pública, mas o Marconny é um cara que vai para o churrasco com a advogada do presidente [Bolsonaro] e que faz sua festa de aniversário no camarote de propriedade ou de aluguel, não sei, do filho do presidente”, completou.

Em outro momento, o lobista usou o direito concedido por um habeas corpus para permanecer em silêncio e não responder sobre a atuação da ex-mulher de Bolsonaro Ana Cristina Valle na indicação de pessoas para o governo.

O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), ressaltou a proximidade do lobista com pessoas do núcleo duro de Bolsonaro, incluindo a advogada Karina Kufa, e disse na sequência que não seria necessária a resposta do depoente, uma vez que a comissão já detém mensagens que comprovam a atuação.

"A senhora Ana Cristina Bolsonaro, que acredito que tem que ser trazida à CPI, encaminha currículos de pessoas indicadas pelo senhor Marconny para ocupar cargos no governo federal", afirmou Randolfe.

Marconny é apontado pelos membros da CPI como um lobista que atua para a Precisa Medicamentos, empresa que se tornou alvo por conta da negociação suspeita para a venda da vacina indiana Covaxin. O contrato de R$ 1,6 bilhão com o Ministério da Saúde acabou cancelado.

Mais especificamente, Marconny teria atuado na intermediação da venda de testes de detecção da Covid-19 para o Ministério da Saúde, o que ele nega. Disse que foi apenas sondado pela empresa para prestar assessoramento político, mas que não chegou a haver tratativas e nem mesmo foi pago pelo serviço. Disse que a relação durou aproximadamente 30 dias e se resumiu a conversas por aplicativos de mensagem.

“Como a concorrência já estava em andamento, não participei da análise do edital, habilitação ou apresentação de proposta da Precisa", afirmou, acrescentando que a compra acabou cancelada pelo ministério. "Não fui contactado para nenhum outro serviço relacionado à Precisa ou ao Ministério da Saúde e muito menos à vacina", afirmou.

O relator Renan Calheiros (MDB-AL) então rebateu e disse que Marconny fazia parte de um grupo que atuava para fraudar as licitações no Ministério da Saúde. Acrescentou que ele, o sócio-diretor da Precisa, Francisco Maximiano, o diretor da empresa Danilo Trento e o ex-diretor de logística do ministério Roberto Ferreira Dias atuavam de maneira conjunta, para prejudicar concorrentes no processo.

“Essa arquitetura [para fraudar licitação] é da sua cabeça, da cabeça do Maximiano ou da cabeça do Roberto Dias?”, questionou Renan.

“Isso foi enviado pela parte técnica da Precisa, senhor senador”, respondeu Marconny.

Em um dos momentos de maior tensão do depoimento, Marconny foi questionado sobre quem seria um parlamentar a quem ele se referiu em uma conversa por WhatsApp obtida pela CPI. O lobista trata da venda de testes de Covid e teria afirmado que haveria um senador que “desataria o nó” da contratação.

Marconny foi questionado diversas vezes sobre quem seria o parlamentar, mas afirmou não se lembrar. A resposta irritou os senadores, que chegaram a aprovar um requerimento para que a Polícia Legislativa levantasse todas as idas do lobista ao Senado.

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que poderia consultar o STF (Supremo Tribunal Federal) para ver quais procedimentos poderiam ser adotados contra o depoente. “O senhor está faltando com a verdade. O senhor não se comprometer numa resposta é uma coisa. Entre o senhor omitir e faltar com a verdade, está muito longe [uma coisa da outra]."

Jean Paul Prates (PT-RN) chegou a mencionar que Marconny poderia ser preso, afirmando que poderia “dormir” no Senado.

Marconny também teve dificuldades para descrever a sua atuação. Disse que não era um lobista e que não havia contradição "na figura de agente privado promover tratativas privadas, análise de cenário político e eventualmente interlocuções institucionais com agentes públicos desde que não esteja configurado nenhum ato de corrupção ativa".

"Ao contrário do que dizem por aí, se eu fosse um lobista, eu seria um péssimo lobista. Porque eu jamais fui capaz de transformar minhas relações sociais em contratos e resultados econômicos milionários, conforme falsamente divulgado pela imprensa", afirmou.

Marconny deveria ter prestado depoimento no início deste mês, mas alegou motivos de saúde e não compareceu. A cúpula da CPI chegou a determinar a condução sob vara, mas o depoente não foi encontrado. Para essa oitiva, a comissão detinha uma autorização judicial para proceder com condução coercitiva, caso ele não comparecesse novamente.

- Os crimes atribuídos a Bolsonaro por juristas em relatório à CPI da Covid

Bolsonaro com remedio

Reuters

Jair Bolsonaro pode ter cometido crime de charlatanismo, segundo relatório dos juristas, por promover remédios ineficazes contra covid-19

A CPI da Covid recebeu esta semana um relatório elaborado por juristas brasileiros que afirma que o presidente Jair Bolsonaro pode ter cometido diversos crimes na gestão da pandemia de coronavírus, inclusive crimes de responsabilidade, que podem desencadear processos de impeachment.

O documento chega às mãos dos senadores em um momento em que a comissão — instaurada no começo deste ano para apurar responsabilidades de autoridades na gestão da pandemia de coronavírus no Brasil — se prepara para encaminhar seu relatório final com o resultado dos trabalhos.

A CPI tem sido marcada por fortes críticas a Bolsonaro na gestão da crise, e espera-se que o relatório final da comissão impulsione pedidos de impeachment contra o presidente. No entanto, qualquer pedido de impeachment precisa ser aprovador pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), que é aliado de Bolsonaro.

O documento, elaborado pelos juristas ao longo de três meses, afirma que "não são poucas as situações que, ao ver da comissão de especialistas, merecem o aprofundamento das investigações pelos órgãos de controle do Estado brasileiro, assim como são bastante evidentes as hipóteses reais de justa causa para diversas ações penais".

"O que restou evidente até o momento da conclusão dos trabalhos da comissão de especialistas é a ocorrência de uma gestão governamental deliberadamente irresponsável e que infringe a lei penal, devendo haver pronta responsabilização. Não se trata, apenas, de descumprimento de deveres por parte dos gestores públicos, mas, também, da recusa constante do conhecimento científico produzido ao longo do enfrentamento da pandemia do covid-19", diz o texto.

O relatório de 226 páginas foi feito em junho deste ano a pedido do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE). No requerimento número 826 deste ano, o senador pedia um "estudo por renomados juristas e pesquisadores de diferentes universidades brasileiras, liderados pelo Professor Salo de Carvalho, acerca da imputação penal potencialmente cabível aos responsáveis por ações e omissões no combate à pandemia".

O professor Carvalho envolveu-se com o início dos trabalhos, mas acabou deixando o relatório, que ficou a cargo de Miguel Reale Júnior — o mesmo jurista cuja denúncia em 2015 deu início ao processo que culminou no impeachment da então presidente do Brasil, Dilma Rousseff.

Miguel Reale Junior

Agência Brasil

Documento é assinado por Miguel Reale Júnior, que coordenou o trabalho

Assinam o documento outros três juristas: Sylvia H. Steiner, Helena Regina Lobo da Costa e Alexandre Wünderlich.

Bolsonaro e seu governo rebateram ao longo dos meses os indícios levantados pela CPI, que agora estão reunidos e analisados do ponto de vista legal no documento dos juristas.

Confira abaixo os cinco crimes que o governo de Jair Bolsonaro teria cometido, segundo as conclusões do relatório.

1. Crimes de responsabilidade

O documento lista sete áreas de atuação onde o presidente Jair Bolsonaro e autoridades de saúde do governo federal teriam cometido crimes de responsabilidade.

Entre as áreas estão o projeto de imunização de rebanho, atos contrários à precaução contra covid, promoção de medicamentos sem eficácia comprovada, a atuação do governo federal em Manaus e erros no processo de compra de vacinas da Pfizer e do Butantan.

"O Presidente da República foi ao longo de fevereiro e março de 2020 reiteradamente colocado a par dos graves problemas decorrentes da pandemia que levara à decretação da Emergência Nacional, a se ver pelas reuniões ministeriais ocorridas com sua presença no Palácio do Planalto", dizem os juristas.

Medica chorando em Manaus

Reuters

Juristas dizem que governo Bolsonaro pode ter cometido crimes na gestão da crise de covid em Manaus, em janeiro deste ano

"(…) Não houve de sua parte senão obstáculos ao cumprimento das medidas indicadas como imprescindíveis para proteção da vida da população e de defesa de sua saúde em face da disseminação do vírus da covid-19"

"O Presidente da República colocou a garantia da continuidade da plena atividade econômica acima da adoção das medidas preconizadas pelos especialistas e pela OMS, manifestando insensível indiferença às mortes que ocorreriam, 'pois todos vamos mesmo morrer um dia', tomando decisões planejadas de minimizar a prevenção obstaculizando o uso de máscaras; ampliando o rol de atividades essenciais não sujeitas à limitação de trabalho; participando de aglomeração em espaços fechados ou abertos e autorizando atividades em templos e escolas; propagando todos os dias a adoção de tratamento precoce não cientificamente constatado e, por vezes, prejudicial à saúde."

"Por fim, conspirando contra as vacinas, seja ao não adquiri-las, seja instalando no espírito da população desconfiança acerca de sua eficácia e mesmo sugerindo serem prejudiciais."

Os juristas também citam a suposta formação de um "ministério sombra" formado por assessores informais em reuniões no Palácio do Planalto que tinham como objetivo promover a ideia de imunização de rebanho.

O relatório afirma que Bolsonaro poderia ser enquadrado no Artigo 85 da Constituição Federal, por crime de responsabilidade por "atentar contra o exercício de direito individual e social, no caso o direito à vida e à saúde".

"A Lei 1.079/50, relativa aos crimes de responsabilidade, dispõe no seu art. 7º, número 9, que constitui crime 'violar patentemente qualquer direito ou garantia individual constante do art. 141 e bem assim os direitos sociais assegurados no art. 157 da Constituição'. (A lei referia-se a artigos da Constituição de 1.946, correspondentes aos arts. 5 e 6 da Constituição atual). "

2. Crimes contra a saúde pública

Neste item, os juristas desdobram o argumento contra a gestão feita pelo governo federal em três crimes: crime de epidemia, crime de infração de medida sanitária preventiva e crimes de charlatanismo.

O Artigo 267 do Código Penal prevê punições para quem "causa epidemia".

"Causar epidemia significa, aqui, contribuir de forma relevante para o resultado verificado in concreto, como é amplamente corrente em direito penal", escrevem os juristas.

"Como visto, o sr. Presidente da República Jair Messias Bolsonaro praticou atos de manifestação pública e atos normativos claramente no sentido de causar a propagação da epidemia, seja para buscar a imunidade de rebanho, seja para supostamente privilegiar a economia em detrimento da vida e da saúde da população brasileira."

Motociata de Bolsonaro

Reuters

Documento cita aglomerações promovidas por Bolsonaro, como as 'motociatas'

Na infração de medidas sanitárias, os juristas citam as diversas aglomerações promovidas por Bolsonaro e o não-uso de máscara do presidente e outras autoridades. O crimes está previsto no artigo 268 do Código Penal: "Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa".

Também é citada a Lei 14.019/20 que prevê a possibilidade de imposição de sanção pelos órgãos federais àqueles que descumprirem o uso de máscaras obrigatório.

Na parte sobre charlatanismo, o relatório cita a promoção que Bolsonaro fez de medicamentos sem eficácia comprovada ou comprovadamente ineficazes, como ivermectina e hidroxicloroquina, no combate à covid. Esse crime está previsto no artigo 283, de "inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível".

3. Crime contra a paz pública

Esse crime estaria previsto no Artigo 286: "de incitar, publicamente, a prática de crime" ao estimular o desrespeito a quarentenas e uso de máscaras.

"O Presidente reiteradamente incitou as pessoas a não cumprirem com estas obrigações, até mesmo delas fazendo chacota e as apodando de limitadoras da liberdade de ir e vir e não protetivas da saúde e da vida como efetivamente são."

"De outra parte, provocou pessoas, que efetivamente o fizeram, a invadir hospitais com a falsa desconfiança de ser mentira a alta ocupação de leitos da UTI."

No dia 10 de junho, Bolsonaro disse durante uma transmissão ao vivo no seu Facebook: "Pode ser que eu esteja equivocado, mas, na totalidade ou em grande parte, ninguém perdeu a vida por falta de respirador ou leito de UTI. Pode ser que tenha acontecido um caso ou outro. Seria bom você, na ponta da linha, tem um hospital de campanha aí perto de você, um hospital público, arranja uma maneira de entrar e filmar. Muita gente tá fazendo isso, mas mais gente tem que fazer para mostrar se os leitos estão ocupados ou não".

4. Crimes contra a administração pública

Nesta parte, os juristas listam as negociações entre o governo federal e empresas e órgãos para aquisição das vacinas Coronavac e Covaxin. Além disso, os juristas falam no caso da empresa Davati, em que doses de vacinas foram oferecidas por um preço mais caro ao governo federal.

No caso da compra da Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan, o texto afirma não haver prova de "qualquer ilícito penal".

Sobre o caso da Davati, em que as investigações da CPI mostraram que a empresa sediada nos Estados Unidos ofereceu 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca, a serem adquiridas no mercado secundário, os juristas acreditam que houve crime de corrupção passiva.

Nesse caso, os crimes não são imputados pelos juristas a Bolsonaro, mas sim a diretores do Ministério da Saúde e executivos da empresa. Esses crimes estão previstos no Artigo 317 do Código Penal: "Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem".

No caso da vacina indiana Covaxin, o Ministério da Saúde firmou contrato com a Precisa Medicamentos, que representava a farmacêutica indiana Bharat Biotech. No entanto, descobriu-se que problemas nos documentos e no preço da vacina, e o contato acabou sendo cancelado.

Os juristas listam estelionato e falsificação de documentos como crimes supostamente provocados por empresas privadas. No caso de agentes públicos, o relatório afirma que podem ter sido cometidos os crimes de advocacia administrativa e prevaricação.

5. Crimes contra a humanidade

Por fim, o relatório diz que Bolsonaro teria cometido crimes contra a humanidade, na desassistência a povos indígenas e na crise do abastecimento de oxigênio durante o surto de coronavírus em Manaus, em janeiro deste ano.

Ex-ministro Eduardo Pazuello

Agência Senado

Ex-ministro Eduardo Pazuello é citado no relatório em item sobre crimes contra a humanidade

Os juristas citam crimes que estão previstos no Estatuto de Roma, criado em 1998 e ao qual o Brasil aderiu em 2002, que cria o Tribunal Penal Internacional.

"Presentes, portanto, os elementos que autorizam a conclusão de que os atos e omissões deliberados da Presidência da República, diretamente ou por seus órgãos, em especial o Ministro da Saúde Eduardo Pazuello, traduzem a existência dos elementos contextuais de crimes contra a humanidade previstos no artigo 7º (1)(k) do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, consistentes na inflição de atos desumanos de extrema gravidade e que causaram, e continuam a causar, grande sofrimento, mortes, lesões corporais graves, danos duradouros à saúde física e mental de pacientes, e danos materiais e psicológicos às famílias e aos profissionais de saúde", afirma o texto.

Fonte: UOL - Congresso em Foco - Folha -  BBC News Brasil