Política

Comitê da ONU condena Bolsonaro por uso de criança fardada e sugere sanção





O Comitê da ONU (Organização das Nações Unidas) dos Direitos da Criança quer o fim imediato do uso de crianças vestidas como militares ou portando armas de eventos políticos realizados pelo presidente Jair Bolsonaro.

Numa declaração feita nesta terça-feira em Genebra em resposta a um questionamento enviado pela reportagem do UOL ainda na semana passada, o mecanismo especial da ONU condenou o comportamento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e alertou que tal uso viola os compromissos internacionais assumidos pelo país e deve ser criminalizado.

O Comitê "condena com veemência o uso de crianças pelo presidente Bolsonaro, vestidas com trajes militares e com o que parece ser uma arma de fogo, para promover sua agenda política, mais recentemente em 30 de setembro de 2021".

A reação do Comitê ocorreu depois que Bolsonaro, na semana passada, usou uma criança fardada com o uniforme da Polícia Militar em um evento público em Belo Horizonte. Uma arma de brinquedo também foi usada.

Essa, porém, não havia sido a primeira vez que o presidente recorreu a crianças para fazer ou ensinar gestos de armas. No final de semana, 80 entidades brasileiras indicaram que iriam levar o caso para as instâncias internacionais.

A declaração não implica a imposição de medidas contra o Brasil, algo que o Comitê e nem a ONU tem qualquer condição e nem mandato para aplicar. Mas amplia o constrangimento internacional do presidente, já com sua reputação amplamente corroída no cenário mundial.

"O Brasil é um Estado parte tanto da Convenção sobre o Direito das Crianças quanto de seu Protocolo Opcional sobre o envolvimento de crianças em conflitos armados, e tem a obrigação de garantir que as crianças não participem de hostilidades ou de qualquer atividade relacionada a conflitos", disse.

"A circulação de imagens de tais crianças perpetua ainda mais os danos a elas causados e corre o risco de contribuir para a falsa percepção de que o uso de crianças em hostilidades é aceitável", alertou.

No comunicado, o Comitê ainda sugere que tais práticas precisam ser processadas e sancionadas, sempre a partir das leis locais e do sistema judiciário nacional.

"A participação de crianças em hostilidades é explicitamente proibida pela Convenção sobre os Direitos da Criança (Artigo 38) e seu Protocolo Opcional sobre o envolvimento de crianças em conflitos armados (Artigos 1 e 4)", explicou.

"Isso inclui o uso de crianças em quaisquer atividades relacionadas com conflitos e a produção e disseminação de imagens de crianças envolvidas em hostilidades reais ou simuladas", disse.

"Tais práticas devem ser proibidas e criminalizadas e aquelas que envolvem crianças em hostilidades devem ser investigadas, processadas e sancionadas", completou.

O Comitê, portanto, pede ao governo a "suspensão imediata e urgentemente o uso de crianças vestidas com trajes militares para qualquer finalidade, remover tais imagens de todos os meios de comunicação e impedir sua posterior distribuição".

O Comitê ainda "solicita ao Brasil que se abstenha de cometer no futuro tais práticas que violam os direitos da criança e que divulgue amplamente informações sobre a Convenção e seus Protocolos Opcionais aos profissionais relevantes, bem como ao público em geral".

- Bolsonaro pode concorrer à reeleição sem estar filiado a nenhum partido?

Depois de romper com o PSL, em novembro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro não se ligou a nenhum partido. Com as eleições presidenciais de 2022 cada vez mais próximas, ele poderia concorrer mesmo sem estar filiado a alguma sigla?

Segundo a Constituição, a resposta é não.

No artigo 14, parágrafo 3º, uma das condições de elegibilidade é a filiação partidária, além de nacionalidade brasileira, pleno exercício dos direitos políticos, alistamento eleitoral, domicílio eleitoral na circunscrição e idade mínima de acordo com cada cargo político.

Fernando Neisser, presidente da comissão de direito eleitoral do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo), explica que a exigência de filiação partidária está no mesmo nível de força de todos os outros requisitos presentes no mesmo parágrafo da Constituição.

Segundo ele, alguém se candidatar sem partido "seria a mesma coisa que um chileno de 22 anos querer ser candidato a presidente da República do Brasil, do ponto de vista jurídico", exemplificando com as outras características que impossibilitam uma candidatura.

Ele lembra que as siglas recebem recursos públicos do Fundo Eleitoral e, assim, conseguem bancar as campanhas dos postulantes. Com a candidatura avulsa, não haveria acesso a esse dinheiro nem ao tempo de propaganda gratuita de rádio e TV.

Segundo Neisser, a divisão partidária torna mais fácil para o eleitor identificar e analisar os posicionamentos e ideologias dos candidatos de cada partido.

Novo partido ainda só no desejo

Ao deixar o PSL, Bolsonaro anunciou a criação de um partido próprio, o Aliança pelo Brasil, o que seria uma saída para a candidatura de 2022, mas o projeto ainda não saiu do papel.

Para ter o registro reconhecido pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), é necessário que sejam reunidas 492 mil assinaturas, mas, desde 2019, pouco mais de 138 mil (138.743) foram registradas, segundo informações consultadas no site do TSE nesta segunda-feira (4).

Na última sexta-feira (1º), o presidente admitiu a um apoiador no Palácio do Planalto que a chance de o Aliança pelo Brasil sair do papel é "zero".

Hoje, Bolsonaro mantém conversas com o PP (Partido Popular) e com o PTB(Partido Trabalhista Brasileiro), presidido por Roberto Jefferson. Ele tem até abril do ano que vem para se filiar a um partido, caso queira entrar na disputa à Presidência.

Recurso no STF sobre o tema

STF (Supremo Tribunal Federal) tem um recurso extraordinário sobre candidaturas avulsas parado, sem julgamento.

Segundo Alberto Rollo, advogado especialista em direito eleitoral, Bolsonaro até poderia se aproveitar do processo para tentar se candidatar sem um partido, pedindo individualmente para ele o direito da candidatura avulsa por meio de liminar, que poderá ser concedida ou não pelo relator.

Apesar de possível, Rollo questiona a viabilidade e efetividade da situação. "Vamos imaginar que lá na frente o STF não referende essa liminar ou não julgue o pedido principal em favor do Bolsonaro. Como é que fica alguém que já terá sido o candidato? Se perdeu, tudo bem, não tem problema, mas e se ganhou? Como é que alguém pode ter ganhado uma eleição pedindo para ter candidatura avulsa e teve isso com liminar e a liminar caiu, foi derrubada?", diz.

Neisser defende que, caso essa modalidade venha a existir, deverá ser por meio de uma reforma constitucional. "Não dá para dizer que as pessoas têm esse direito inerente a ser candidato avulso e forçar a mão para obter uma mudança de jurisprudência. Tudo isso sem lei fica muito capenga", afirma.

O recurso citado inicialmente foi protocolado por um advogado que não se filiou a um partido e queria se candidatar à Prefeitura do Rio de Janeiro de forma avulsa em 2016, mas foi barrado pela Justiça Eleitoral em todas as instâncias. Rodrigo Mezzomo protocolou uma ação no Supremo, mas não conseguiu disputar as eleições.

O tema é objeto de recurso extraordinário e a repercussão geral foi reconhecida, ou seja, o que for decidido deverá ser aplicado a todo o país. O relator é o ministro Luís Roberto Barroso.

Além desse caso, desde 2008, uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) sobre o tema espera para ser votada. Outras três já se somaram a ela, também aguardando por decisões.

Desejo de comandar o partido

Segundo Alberto Rollo, advogado especialista em direito eleitoral, o motivo dessa demora para se filiar novamente é que, depois de todas as disputas para dominar o PSL, ele tem medo de "ficar refém do partido". "Ele aprendeu que tem que escolher bem um novo partido, um partido onde ele tenha a chance de dominar, de comandar", explica.

Fernando Neisser concorda. Diz que o presidente ainda não se filiou a nenhum partido porque não encontrou algum que ofereça o poder que ele quer ter.

"Bolsonaro percebeu que estar em um partido que tem outro dono —que não ele— não é agradável, porque ele não tem o poder de tomar as decisões", diz.

Fonte: UOL