Política

CPI: Prevent era especialista em números, não em pessoas, diz ex-médico





O médico Walter Correa de Souza Neto, ex-funcionário da Prevent Senior, disse hoje na CPI da Covid que a operadora era especialista em números, não em pessoas. Ele também afirmou ter sido repreendido por se recusar a prescrever o "kit covid", composto por medicamentos sem eficácia contra a covid-19.

A Prevent, até pouco tempo, usava no comercial deles que são especialistas em pessoas, mas eu sempre via a Prevent especialista em números.Médico Walter Correa de Souza Neto, ex-funcionário da operadora

Ele disse que não são exclusivos da pandemia casos como o do paciente Tadeu Frederico de Andrade, que diz ter recebido orientação de médicos da Prevent para tomar cloroquina antes de receber o diagnóstico positivo para covid-19. O paciente também relata que a Prevent tentou convencer sua família, usando o prontuário de outra pessoa, a autorizar o tratamento paliativo após 30 dias de internação.

"Eu não concordava, na maioria das vezes, com a política [da empresa]. Além da inadequação crônica, a Prevent tinha um modelo que era basicamente voltado para custos e não para o bem-estar. Essas condições, como o caso do senhor Tadeu, não são exclusivas da pandemia, estão inseridas na cultura da empresa."

- Família acusa Prevent Senior de cessar tratamento de idoso sem autorização

Alvaro Bossa foi fundador de um colégio na capital paulista junto de sua esposa Neyva, com quem ficou casado por 62 anos antes de morrer. Ele foi pai de cinco mulheres e, desde jovem, bastante teimoso, generoso e independente —características que não perdeu quando chegou à velhice.

No começo de setembro, aos 82 anos, Alvaro sofreu uma queda enquanto tomava sol em frente a sua casa. Quebrou o fêmur e precisou ser operado. Recorreu ao seu plano de saúde e a cirurgia foi realizada em um dos hospitais da Prevent Senior, no bairro de Santa Cecília, em São Paulo.

Alvaro recebeu alta após dois dias. Em casa, teve uma hemorragia intensa. As filhas, assustadas com o sangue escuro, levaram o pai às pressas de volta ao hospital, dessa vez um pronto-socorro da Prevent Senior mais perto da casa da família, que mora no bairro da Mooca. A unidade, conforme mostrou a Folha de S.Paulo, funciona sem alvará para esse tipo de atendimento, assim como outros 13 hospitais da rede que atendem sem licença.

Ele precisava de um leito de UTI (unidade de tratamento intensivo), mas como não havia vagas, foi transferido para outra unidade, localizada no Morumbi, chamada de "Dubai".

Cuidados paliativos exclusivos

Chegando na unidade Dubai, Nadia Bossa, uma das filhas de Alvaro, estranhou o fato de o pai ser levado ao 18º andar, já que a UTI, de acordo com as informações exibidas em materiais oficiais do hospital, fica no 13º.

Mas, em resposta à reportagem, a Prevent Senior afirma que "os 130 leitos do Hospital Sancta Maggiore do Morumbi são todos conversíveis em UTIs para permitir a assistência e manejo seguro aos pacientes de alta complexidade. Portanto, não houve qualquer improviso [para a acomodação nele na UTI)."

De acordo com Nadia e sua irmã Rosa —que se revezaram para ficar ao lado do pai no hospital durante a internação—, Alvaro, intubado, nunca ficou sem a companhia de uma das filhas. No fim do segundo dia de internação, quando questionaram sobre o estado de saúde do pai e os cuidados que ele estava recebendo, as duas ouviram do médico responsável que "um familiar havia autorizado que ele fosse colocado no conforto [cuidados paliativos]". As filhas negam que essa autorização tenha sido concedida por qualquer familiar —seja por escrito ou numa conversa com a equipe médica.

O prontuário —compartilhado com a reportagem e analisado por um médico de fora do hospital a pedido da família— indica que o paciente estava recebendo antibióticos e outras drogas, como medicamentos vasoativos, mas não o principal suporte necessário, a hemodiálise (um procedimento em que uma máquina limpa e filtra o sangue, ou seja, faz parte do trabalho que o rim doente não pode fazer).

Quando foi encaminhado para a UTI, além da hemorragia, o paciente tinha embolia pulmonar e os exames demonstravam que o nível da sua creatinina (uma substância que é produto da degradação da fosfocreatina no músculo e eliminada pelos rins) estava alterada.

De acordo com a SBN (Sociedade Brasileira de Nefrologia), se os rins não estão conseguindo eliminar a creatinina produzida diariamente pelos músculos, eles provavelmente também estarão tendo problemas para expulsar diversas outras substâncias metabólicas, incluindo toxinas. Portanto, o aumento da concentração de creatinina no sangue indica insuficiência renal, quadro que, de acordo com o prontuário de Alvaro, foi se agravando com o passar dos dias.

"Meu pai queria viver e nunca sequer foi discutido retirar o tratamento que ele necessitava para isso. Pedimos para ver essa autorização [dele ter sido colocado em cuidado paliativo] e perguntamos o nome de quem tinha autorizado. O médico não soube responder", conta Rosa Bossa.

De acordo com Daniel Dourado, médico, advogado e pesquisador associado do Núcleo de Pesquisa em Direito Sanitário da USP (Universidade de São Paulo), o cuidado paliativo com a retirada de tratamento de suporte não pode ser feito sem que se avise a família.

"A autonomia do médico é limitada pela autonomia do paciente, o que está previsto no código de ética médica do CFM (Conselho Federal de Medicina). O cuidado do paciente é decidido por sua própria vontade, e se ele não puder manifestá-la, pela sua família. A decisão deve ser sempre para o beneficio da saúde e do bem-estar do paciente."

Dourado explica também que é necessário ter essa autorização documentada. "O ideal é que a pessoa ou o familiar, inclusive, assine um documento. Em situações excepcionais, escreve-se no prontuário algo como 'Conversei com tal familiar, no horário tal, que autorizou determinado procedimento'."

Essa autorização não consta no prontuário compartilhado pela família com VivaBem —apenas a frase de que "um familiar autorizou" um dia após a internação e a negativa de Rosa Bossa ao cuidado paliativo exclusivo a partir do fim do segundo dia de internação.

Um pedido de compartilhamento dessa autorização familiar que o médico afirma ter recebido, ou de ao menos o nome do familiar, foi enviado à Prevent Senior, junto com a autorização de Rosa Bossa. Em nota, a assessoria de imprensa respondeu que "o prontuário é sigiloso e não pode ser divulgado ou comentado pela Prevent, que nada tem a esconder", diz a nota, afirmando que o documento só pode ser mostrado a ou pela família do paciente.

Análise externa

No terceiro dia de internação, ainda sem ver o pai receber a hemodiálise de que precisava e preocupadas em reverter seu quadro de saúde, Rosa e Nadia contataram um médico pneumologista de confiança da família, que já havia cuidado de Alvaro ao longo dos anos.

Como esse médico estava com covid-19, uma nefrologista de sua equipe visitaria o paciente dentro da unidade Dubai da Prevent Senior no dia seguinte —um procedimento, explica esse especialista, que não é muito comum, mas que foi concedido pelo hospital.

O pneumologista, que pediu para não ser identificado na reportagem, conversou com VivaBem e afirmou que, a pedido de uma das filhas, conversou com um nefrologista da Prevent Senior e deu sua opinião médica, com base nos resultados de exames que foram compartilhados com ele, sugerindo que o paciente recebesse o tratamento de hemodiálise lenta, já que sua pressão arterial estava baixa e a hemodiálise comum poderia baixá-la ainda mais. O médico do hospital, recorda ele, concordou com o diagnóstico.

A nefrologista que fez a visita pessoalmente no dia seguinte passou então todas as informações sobre o estado do paciente para o especialista conhecido da família, afirmando que a diálise aplicada era a comum, e não a lenta.

À reportagem, o pneumologista afirma que "a princípio, o caso de Alvaro não era para ser levado aos cuidados paliativos sem suporte, mas era, sim, um quadro agudo", e que, na avaliação dele, "não haveria nenhuma justificativa plausível para não dar a hemodiálise ao paciente" nos primeiros dois dias de internação —o que segundo o prontuário e a família não ocorreu.

Alvaro foi levado para a UTI do 13º andar no dia 10 de setembro à noite, onde começou a receber a hemodiálise lenta. Ele faleceu na madrugada do dia 12, e as filhas consideram que o atraso no início do tratamento prejudicou a possível recuperação do pai.

Em resposta a VivaBem, a Prevent Senior afirmou que "o senhor AlvaroAntônio Bossa recebeu todo o tratamento necessário durante o período de internação, dentre eles a hemodiálise."

"Queremos deixar claro que o que buscamos não é receber qualquer benefício do hospital, apenas queremos que isso não aconteça com mais ninguém. Infelizmente meu pai não volta mais", diz Rosa.

A reportagem tentou contato com dois médicos nefrologistas não envolvidos com o caso para ajudar a entender o quadro clínico de Alvaro lendo o prontuário, mas eles se recusaram a fazer isso alegando que não poderiam analisar o trabalho de colegas.

O que são cuidados paliativos

É importante esclarecer que cuidados paliativos não significam deixar o paciente morrer ou mantê-lo confortável enquanto espera a morte. "É possível dar cuidados paliativos para cessar a dor, sem retirar o suporte de tratamento", explica Rodolfo Moraes Silva, médico paliativista.

No caso de Alvaro, os cuidados paliativos mantidos foram apenas sedação e um medicamento antibiótico —de acordo com o prontuário médico—, mas o principal tratamento necessário para seu quadro, a hemodiálise, não foi realizada nos dois primeiros dias de internação.

Acusações contra a Prevent Senior

A Prevent Senior vem sendo alvo de uma série de acusações. Algumas delas são em relação à negligência de tratamentos, como o caso de um homem que não estava em estado terminal e recebeu cuidados paliativos sem suporte de tratamento, assim como denuncia a família de Alvaro Bossa, e outro que afirma que o hospital tentou tirá-lo da UTI quando ele ainda estava com covid-19, somente para reduzir custos.

No dia 30 de setembro, a CPI da Covid aprovou quatro requerimentos para aprofundar as investigações sobre a operadora.

Outras acusações são sobre o "kit covid", drogas sem comprovação científica distribuídas pela operadora para tratar covid-19. Médicos têm denunciado que, aqueles que se recusavam a entregar os remédios, sofriam ameaças ou eram demitidos.

A Folha de S.Paulo mostrou que, segundo um dossiê assinado por 15 médicos, além de os profissionais serem coagidos a prescrever remédios como hidroxicloroquina sem consentimento de parentes dos pacientes, eles eram obrigados a trabalhar mesmo quando infectados com o coronavírus.

O documento também afirma que a Prevent teria omitido sete mortes durante um estudo clínico sobre a eficácia dos remédios, algo que a operadora nega.

- Paciente diz ter recebido cloroquina da Prevent antes de testar para covid

O paciente da Prevent Senior, Tadeu Frederico de Andrade, disse hoje que recebeu o "kit covid" da operadora antes mesmo de testar positivo para covid-19. Em depoimento na CPI da Covid, Tadeu relata uma consulta por telemedicina e diz ter recebido os medicamentos em casa, por motoboy.

Ele conta que tomou a cloroquina por cinco dias, seguindo orientações da médica, mas que seu estado de saúde piorou. Tadeu foi internado na madrugada do dia 31 de dezembro e ficou internado por 120 dias.

O paciente emocionou os senadores ao contar que, 30 dias após a internação, a filha recebeu o telefonema de uma médica sugerindo a retirada de Tadeu da UTI para cuidados paliativos em um leito híbrido. A família não concordou com a mudança, mas, mesmo assim, a médica autorizou, em prontuário, que ele recebesse o tratamento.

Em sua orientação, a médica também recomendava que não fosse feita a reanimação, caso necessário. Ela também escreve que a filha aceitou o procedimento. "Isso é mentira, minha família não concordou", diz Tadeu, que, naquele momento, já estava entubado.

No mesmo dia, narra Tadeu, a família participou de uma reunião com três médicos da Prevent Senior. Segundo ele, os funcionários apresentaram o prontuário de outra pessoa para convencer a família de que ele não tinha chances de sobrevivência.

Eles tentam convencer minha família de que, pelo prontuário, eu tinha marcapasso, tinha sérias comorbidades, problemas arteriais e que eu tinha idade muito avançada. Mas o prontuário não era meu, era de uma senhora de 75 anos. Eu não tenho marcapasso, tenho pressão alta, é a única coisa que sempre tive.Paciente da Prevent Senior, Tadeu Frederico de Andrade

Questionado por senadores sobre o argumento usado pelos médicos, Tadeu contou que eles diziam que o caso não tinha mais solução. "Que eu estava com rins e pulmões comprometidos e que, eventualmente, se eu sobrevivesse, seria um paciente com problemas renais crônicos e respiratórios também. No entanto, meus últimos exames mostram que os pulmões e rins estão ótimos".

Tadeu também diz que os médicos afirmaram que era mais "digno" que ele morresse com uma bomba de morfina.

"Minha família se insurge, ameaça ir à Justiça para buscar uma liminar para impedir que eu saia da UTI e ameaça procurar a mídia. Nesse momento, a Prevent recua e cancela o início do tratamento paliativo. Ou seja, em poucos dias eu estaria vindo a óbito. Hoje estou aqui, eu vim de São Paulo para Brasília sozinho, sem acompanhamento."

Tadeu diz que a família procurou um médico particular para fiscalizar as ações da Prevent Senior. "Mesmo eu estando na UTI, minha família não confiava mais. Esse médico foi um verdadeiro fiscal. Acho que estou vivo também por causa dele".

A Prevent Senior é investigada pela CPI da Covid por supostas irregularidades cometidas durante a pandemia.

Um grupo de 12 médicos e ex-médicos da Prevent apresentou um dossiê com informações que apontam infrações cometidas pela empresa. A advogada dos denunciantes, Bruna Morato, já foi ouvida na CPI. Segundo ela, a Prevent implementou uma política interna de "coerção", e os profissionais de saúde acabaram receitando o chamado "kit covid" por medo de sofrerem retaliações, inclusive demissão.

Em depoimento na CPI, Bruna também contou que a Prevent se aproximou do governo federal para defender o tratamento com medicamentos ineficazes contra a covid.

- 'Disseram que meu óbito viria em dias', diz paciente da Prevent

 

Tadeu Frederico de Andrade, que ficou internado com covid-19 em um hospital da Prevent Senior, contou hoje em depoimento na CPI da Covid que, depois de 30 dias de internação, médicos da operadora de saúde informaram sua família que ele morreria em poucos dias e, por isso, seria colocado em cuidados paliativos.

 

Esse período de UTI durou praticamente, mais ou menos, uns 30 dias, quando uma das minhas filhas recebe um telefonema da Dra. Daniella de Aguiar Moreira da Silva, informando, comunicando que eu passaria a ter os cuidados paliativos, ou seja, eu sairia da UTI, iria para um chamado leito híbrido e lá teria, segundo as palavras da Dra. Daniella, maior dignidade e conforto, e meu óbito ocorreria em poucos dias."Tadeu Frederico de Andrade, paciente da Prevent SeniorA paliação é uma abordagem que visa colocar o paciente com uma doença incurável no cerne do cuidado e diminuir o seu sofrimento, respeitando até o último momento os seus desejos e a sua individualidade. Ou seja, é um conjunto de práticas de assistência recomendada a pessoas que se encontram em fase terminal e irreversível.

 

Segundo Tadeu, neste novo regime de tratamento, ele receberia morfina e todos os equipamentos que o mantinham vivos seriam desligados. Além disso, haveria uma recomendação para que, em caso de parada cardíaca, ele não fosse reanimado. A família de Tadeu, no entanto, não concordou com os procedimentos.

 

O paciente reportou ainda que a médica responsável por seu tratamento incluiu os cuidados paliativos no prontuário, mesmo após a filha de Tadeu ter discordado do procedimento em uma ligação telefônica. "Ela escreve: 'Em contato com a filha Mayra, a mesma entendeu e concorda'. Isso é mentira, minha família não concordou."

 

Depois disso, a família de Tadeu se reuniu com uma equipe de médicos que argumentaram a favor dos cuidados paliativos, afirmando que ele era do grupo de risco por ter marca-passo. Porém, Tadeu explicou que ele não tem marca-passo ou outras comorbidades. Segundo ele, os médicos estavam com o prontuário de outra paciente.

 

Eles tentam convencer minha família de que, pelo prontuário, eu tinha marcapasso, tinha sérias comorbidades, problemas arteriais e que eu tinha idade muito avançada. Mas o prontuário não era meu, era de uma senhora de 75 anos. Eu não tenho marcapasso, tenho pressão alta, é a única coisa que sempre tive."Tadeu Frederico Andrade, paciente da Prevent Senior

 

Caso Andrade tivesse passado a um leito híbrido a fim de receber cuidados paliativos, ele deixaria de fazer hemodiálise —fundamental para manter a atividade renal— e não receberia mais antibióticos, entre outros procedimentos. Sem a assistência intensiva, de fato, ele teria morrido, na avaliação de senadores da CPI que são formados em medicina.

 

"Teria sido assassinado", concluiu Rogério Carvalho (PT-SE), médico sanitarista e membro do bloco de oposição ao governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

 

Andrade contou que a equipe do hospital da Prevent recuou depois que a família ameaçou levar o caso à Justiça e à imprensa.

 

Bom, e finalizando, minha família não concorda nessa reunião com o início dos cuidados paliativos, se insurge, ameaça ir à Justiça para buscar uma liminar para impedir que eu saia da UTI e ameaça procurar a mídia. Nesse momento, a Prevent recua e cancela o início do tratamento paliativo, ou seja, eu, em poucos dias, estaria... Eu estaria vindo a óbito e hoje eu estou aqui."Tadeu Frederico de Andrade, paciente da Prevent Senior

 

O depoente afirmou que seus filhos precisaram contratar um médico particular a fim de oferecer uma segunda análise e mostrar que ele não se encaixava no quadro de paciente em fase terminal. Disse ainda que, após deixar a UTI, em abril de 2021, recuperou-se normalmente em casa e não apresenta sequelas pós-contaminação.

 

Questionado por senadores sobre o argumento usado pelos médicos, Tadeu contou que eles diziam que o caso não tinha mais solução. "Que eu estava com rins e pulmões comprometidos e que, eventualmente, se eu sobrevivesse, seria um paciente com problemas renais crônicos e respiratórios também. No entanto, meus últimos exames mostram que os pulmões e rins estão ótimos".

 

O que diz a Prevent Senior

 

Em nota, a operadora de saúde refutou ter iniciado tratamento paliativo em Tadeu Frederico de Andrade sem o consentimento da família. Segundo a Prevent, a médica apenas sugeriu os cuidados paliativos e o paciente recebeu todo o suporte necessário. Veja a íntegra da nota:

 

"A Prevent Senior refuta ter iniciado tratamento paliativo ao paciente Tadeu Frederico de Andrade sem autorização da família. Já tornado público via imprensa, o prontuário do paciente é taxativo: uma médica sugeriu, dada a piora do paciente, a adoção de cuidados paliativos. Conversou com uma de suas filhas por volta de meio-dia do dia 30 de janeiro. No entanto, ele não foi iniciado, por discordância da família, diferentemente do que o sr. Tadeu afirmou à CPI. Frise-se: a médica fez uma sugestão, não determinação. O paciente recebeu e continua recebendo todo o suporte necessário para superar a doença e sequelas."

 

Denúncias contra a Prevent

 

A Prevent Senior é investigada pela CPI da Covid por supostas irregularidades cometidas durante a pandemia.

 

Um grupo de 12 médicos e ex-médicos da Prevent apresentou um dossiê com informações que apontam infrações cometidas pela empresa.

 

Tadeu Frederico de Andrade foi chamado a depor na comissão para relatar o que viveu na empresa ao lado do médico ex-funcionário Walter Correa de Souza Neto, que confirmou ter ajudado a compor o material.

 

A advogada dos médicos denunciantes, Bruna Morato, já foi ouvida na CPI. Segundo ela, a Prevent implementou uma política interna de "coerção", e os profissionais de saúde acabaram receitando o chamado "kit covid" por medo de sofrerem retaliações, inclusive demissão.

 

Em depoimento na CPI, Bruna também contou que a Prevent se aproximou do governo federal para defender o tratamento com medicamentos ineficazes contra a covid.

 

- Ex-médico da Prevent relata à CPI fraudes e pressão para prescrever 'kit Covid' e tratamento paliativo

 

Segundo depoimento de paciente que sobreviveu à doença, médicos sugeriram morfina e disseram que ele morreria em alguns dias

 

Em depoimento à CPI da Covid nesta quinta-feira (7), o ex-médico da Prevent Senior Walter Correa de Souza Neto relatou que havia ordens e pressão na operadora para prescrever os medicamentos do "kit Covid", mesmo com os profissionais tendo conhecimento de que se tratava de uma fraude.

 

O médico também relatou pressão pela adoção do tratamento paliativo —para aliviar o sofrimento do paciente até a morte— mesmo quando se julgava haver condições de o paciente ser tratado.

 

As informações se completam com a fala de outro depoente. Paciente da Prevent, o advogado Tadeu Frederico Andrade relatou que médicos da operadora quiseram e chegaram a determinar o tratamento paliativo, só voltando atrás após grande resistência da sua família, que ameaçou recorrer à Justiça.

 

“Eu teria meus equipamentos desligados, aplicariam uma bomba de morfina e eu viria a óbito. Minha família se insurgiu, ameaçou buscar a Justiça [para] uma liminar, ameaçou chamar a mídia. E hoje estou vivo", afirmou. “Sou testemunha viva da política criminosa dessa corporação."

 

A CPI destinou a sessão desta quinta para tentar encerrar o caso Prevent Senior. As denúncias chegaram por meio de um dossiê elaborado por médicos da operadora, segundo o qual hospitais da rede eram usados como laboratório para estudos envolvendo a hidroxicloroquina e outros medicamentos sem eficácia comprovada para o tratamento da Covid-19.

 

A Prevent também é acusada de omitir mortes nesses estudos e de obrigar seus funcionários a trabalharem sem máscaras.

 

Em depoimento à CPI, o diretor-executivo Pedro Benedito Batista Júnior também reconheceu que havia um protocolo para mudar o código da doença, de forma que a Covid-19 deixasse de constar nos prontuários após determinados dias de internação.

 

Walter Correa de Souza Neto, um dos elaboradores do dossiê, confirmou as denúncias à CPI. O médico relatou que todos sabiam que era uma fraude a narrativa de que o tratamento precoce funcionava e que os pacientes medicados dessa forma não morriam.

 

“Essa coisa que foi citada de que os pacientes ‘ninguém vai a óbito, ninguém intuba’. Isso já era muito claro, a gente sabia que era fraude”, afirmou.

 

Souza Neto relatou que há na Prevent uma hierarquia muito rígida que limita a autonomia dos médicos, uma cultura que existe na operadora desde antes da pandemia.

 

“Eu fui bombeiro militar por quatro meses, experimentei o militarismo, fui policial civil por dez anos. Não havia nessas instituições, mesmo numa instituição militar, uma hierarquia tão rígida quanto acontecia na Prevent”, afirmou o médico, acrescentando que muitas vezes a relação se baseava no assédio moral.

 

“Então, você se voltar contra qualquer orientação do seu superior significaria represálias importantes, talvez perder o seu trabalho. A gente vivia num ambiente assim em que todas as pessoas ficavam muito receosas de contrariar qualquer orientação."

 

Foi nesse ambiente que se deu a determinação para seguir um novo protocolo, que obrigava a prescrição do "kit Covid". Souza Neto afirma que muitos médicos, como ele, diziam aos próprios pacientes que eram obrigados a prescrevê-los, embora sem acreditar na eficácia.

 

“Eu não fazia isso [receitar o kit] fora da Prevent, mas, na Prevent, eu chegava a fazer e dizia e avisava sempre os pacientes de que não havia evidência, que aquele era um protocolo institucional”, afirmou. “A recomendação, muitas vezes, era para não utilizar a medicação. Muitas vezes [eu dizia]: ‘utiliza só as vitaminas’. Porque vinham as vitaminas junto com o kit."

 

O ex-médico da Prevent também apontou que a cultura da empresa dava mais atenção aos custos do que ao bem-estar do paciente, modelo que sempre foi adotado.

 

"Algumas condições não são exclusivas da pandemia. São coisas que acontecem na Prevent de forma crônica e que estão inseridas na cultura da empresa. A Prevent Senior, até pouco tempo, acho que usava no comercial deles que eles são especialistas em pessoas, mas eu sempre via a Prevent especialista em números", afirmou.

 

Souza Neto disse aos senadores que também havia pressão para a adoção do tratamento paliativo, mesmo quando se notava que o paciente tinha chances reais de sobreviver.

 

"Muitas vezes no pronto-atendimento, quando você estava internando um paciente, você já era pressionado por aquele médico, que era o guardião, o chefe do plantão: 'E aí, você já paliou esse paciente? Não, eu não acho que ele é viável. Você não vai pedir UTI, é enfermaria porque já vamos paliar, conversa com a família'."

 

O médico relatou um caso pessoal de uma paciente que chegou com uma infecção.

 

"Eu estava uma vez com uma senhora, que tinha quase 90 anos, estava com uma condição mais grave, mas tinha um estado geral que era bom. Precisava fazer um procedimento relativamente simples, era uma infecção urinária", afirmou.

 

Segundo Souza Neto, a paciente foi encaminhada para observação com um pedido seu de internação. Os superiores desse setor, os guardiões, determinam o tratamento paliativo. Os familiares então voltaram ao médico para tentar reverter a situação.

 

"Esses colegas não eram pessoas malvadas que estavam lá para paliar, mas estavam com uma observação lotada, em uma medicina de guerra, onde o que importa é mais a gestão de recursos e não o paciente, onde a cultura da empresa tem uma leniência muito grande com paliativo", explicou.

 

"Eu disse: 'olha, não aceita, diz que a senhora quer que se faça tudo. Vai lá e diz que a senhora quer que faça tudo'. Essa paciente respondeu super bem e teve alta três dias depois" disse.

 

Souza Neto destacou que poucos profissionais estava dispostos a denunciar as irregularidades por medo de represálias —as reclamações não poderiam ser anônimas e havia a percepção de que “denúncias contra a Prevent não prosperam”.

 

Na mesma sessão, o advogado Tadeu Frederico de Andrade, 65, relatou uma grande pressão para que ele recebesse o tratamento paliativo quando esteve internado em um hospital da rede com Covid-19.

 

O paciente relatou uma série de pressões e irregularidades, como o fato de que um prontuário de outra pessoa foi usado como base para determinar o paliativo a ele.

 

"Nessa reunião, eles convencem, tentam convencer a minha família de que, pelo prontuário na mão, que eu tinha marcapasso, que eu tinha sérias comorbidades arteriais e que, enfim, eu tinha uma idade muito avançada. Só que esse prontuário não era meu, era de uma senhora de 75 anos. Eu não tenho marcapasso, a única coisa que eu tenho hoje é pressão alta, sempre tive pressão alta", afirmou.

 

Andrade disse que teve febre às vésperas do Natal e procurou atendimento. Passou por uma teleconsulta e recebeu em sua casa, por meio de um motoboy, os remédios do tratamento precoce.

 

“No caso fiz uma teleconsulta, a médica indicou. Ela não chamou de 'kit Covid'. Ela chamou de tratamento precoce. Eu, como leigo, fiquei cinco dias tomando. Ao invés de melhorar, piorei. Acho que isso é que foi o erro", afirmou.

 

O paciente disse acreditar que o período de uso desses medicamentos poderia ter sido usado para um tratamento mais eficaz, uma internação antecipada. Segundo Andrade, ele já chegou ao hospital dias depois com uma pneumonia bacteriana e foi imediatamente intubado.

 

Ele afirmou que recebeu flutamida, usada para tratamento de câncer de próstata, sem autorização da sua família.

 

Nesse período, segundo Andrade, sua família foi pressionada a adotar o tratamento paliativo. Os médicos disseram que sua morte aconteceria em alguns poucos dias.

 

“Esse período de UTI durou praticamente, mais ou menos, uns 30 dias, quando uma das minhas filhas recebe um telefonema da médica informando, comunicando que eu passaria a ter os cuidados paliativos, ou seja, eu sairia da UTI, iria para um chamado leito híbrido e lá teria, segundo as palavras dela, maior dignidade e conforto, e meu óbito ocorreria em poucos dias”, relatou o paciente à CPI.

 

Foi então que a família de Andrade ameaçou entrar na Justiça e denunciar o caso para a mídia, provocando o recuo da equipe médica. "Era a prática da Prevent Senior para eliminar pacientes de alto custo."

 

“Minha família, desconfiando da estrutura da Prevent Senior, contratou um médico particular para fazer a fiscalização de procedimentos internos", acrescentou Andrade. "Esse médico foi um verdadeiro fiscal dos procedimentos."

 

A Prevent Senior, em nota divulgada nesta quinta-feira, negou que tenha iniciado o tratamento paliativo a Tadeu Frederico Andrade sem autorização da família dele.

 

"Já tornado público via imprensa, o prontuário do paciente é taxativo: uma médica sugeriu, dada a piora do paciente, a adoção de cuidados paliativos. Conversou com uma de suas filhas por volta de meio-dia do dia 30 de janeiro. No entanto, ele não foi iniciado, por discordância da família, diferentemente do que o senhor Tadeu afirmou à CPI."

 

"Frise-se: a médica fez uma sugestão, não determinação. O paciente recebeu e continua recebendo todo o suporte necessário para superar a doença e sequelas", conclui a nota.

 

Também nesta quinta-feira, os senadores da CPI aprovaram uma nova convocação do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. A oitiva será no próximo dia 18.

 

A convocação se deu porque o ministro não respondeu dentro do prazo de 48 horas as questões que foram enviadas por escrito pela comissão.

 

Além disso, foi apontada interferência de Queiroga na alteração da pauta da reunião da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS), que não vai mais analisar um parecer sobre o uso da cloroquina para o tratamento da Covid-19.

 

Antes da sessão, Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI, afirmou que vai propor em seu relatório final o indiciamento de Queiroga.

- Quatro senadores elaboram relatórios paralelos para CPI da Covid-19

Além do relatório elaborado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI da Covid-19, ao menos outros quatro senadores confirmaram estar trabalhando na redação de relatórios alternativos para serem apresentados no dia 19, data prevista para entrega do relatório original. São eles os senadores Eduardo Girão (Podemos-CE), Alessandro Vieira (Cidadania-SE) Marcos Rogério (DEM-RO) e Luis Carlos Heinze (PP-RS)

De acordo com as respectivas assessorias de gabinetes, os três relatórios passam pelos ajustes finais para que possam ser apresentados. Marcos Rogério, Luis Carlos Heinze e Eduardo Girão, membros da base governista do Senado, mantêm postura crítica ao senador Renan Calheiros desde o início das atividades da comissão, e consideram parcial a posição do relator, motivando a elaboração de relatórios paralelos.

“Nós estamos, junto com a equipe, trabalhando em outro relatório que possa apontar exatamente o que houve de problemas, e tentar apresentar na próxima semana”, declarou Eduardo Girão. O parlamentar afirma que, além de não confiar na imparcialidade do relator, a redação individual de sua versão do relatório também se deve a falta de apoio em suas orientações para o andamento da CPI. “Eu quis trazer o diretor-geral da Polícia Federal, e os governistas e oposicionistas se juntaram e me derrotaram. (...) Então acho que devemos ir por esse caminho porque estamos com independência e precisamos saber toda a verdade”.

Outro ponto defendido por Girão para elaborar um relatório alternativo se deve ao seu interesse em investigar ações de governadores, especialmente nos estados que compõem o Consórcio Nordeste, autarquia que conta com a participação de Renan Filho, filho de Renan Calheiros. A investigação é um ponto comum com os demais da base governista.

Luis Carlos Heinze já segue outro caminho, onde considera que o governo assumiu uma postura proativa no enfrentamento da pandemia, conforme explicado ao Congresso em Foco. "Estamos escrevendo sobre as vacinas novas que estão em elaboração no Brasil, por 15 universidades bem como sobre os 16 laboratórios que vieram fabricar vacinas, somando ao Instituto Butantan e a Fiocruz pelo trabalho. Também falaremos sobre o tratamento precoce e as vacinas que já foram aplicadas no Brasil, com mais de 300 milhões distribuídas para todo o povo brasileiro".

As motivações de Alessandro Vieira já dizem respeito à forma do relatório. Para o senador, os tipos penais adotados no relatório de Calheiros não condizem com as investigações. Enquanto Renan Calheiros considera que houve prática de charlatanismo e de genocídio pelo presidente Jair Bolsonaro, Alessandro Vieira acredita que a conduta mais precisa seria de crime contra a humanidade.

Ao contrário dos demais, Alessandro Vieira é membro do  grupo de opositores de Jair Bolsonaro no colegiado. Seu relatório não busca tirar a responsabilidade do governo em relação às mortes oriundas da pandemia, mas sim oferecer um texto de teor mais técnico, com, na sua avaliação, maior segurança jurídica para que se alcance o resultado desejado.

 

Fonte: UOL - Congresso em Foco