Política

Bolsonaro completa um mês de trégua com o STF, mas tropeça no Congresso





No dia sete de setembro de 2021, em cima de um trio elétrico parado na Esplanada dos Ministérios em frente ao Congresso Nacional, o presidente Jair Bolsonaro fez ameaças inéditas à República desde a redemocratização. O pedido para que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, enquadrasse o ministro Alexandre de Moraes, só não foi tão surpreendente quanto o seu cavalo de pau, dois dias depois, quando publicou uma carta, escrita com o apoio de Michel Temer, em que defendia o diálogo com os outros poderes.

No Congresso, a avaliação é de que a relação do presidente com a Câmara e o Senado pouco ou nada mudou desde aquele sete de setembro. Algumas das pautas mais caras ao presidente e ao governo continuam paradas nas duas Casas. Projetos que são essenciais para que o Executivo evite dar um calote nas contas públicas ainda engatinham na Câmara, e mesmo um projeto de Bolsonaro para sua base acabou recebendo uma rejeição pelo Legislativo.

Se as brigas com o Judiciário cessaram no último mês, o saldo no Congresso não foi positivo para o presidente. Após um pico dos ataques de Bolsonaro à suprema corte nos atos do Dia da Independência, a carta que publicou no dia 9 de setembro selou o que até o momento é uma trégua bolsonarista: desde então, Bolsonaro tem evitado críticas públicas ao STF e a ministros da corte.

Após as bravatas golpistas de Bolsonaro no sete de setembro, o ímpeto pelo impeachment do presidente diminuiu, mas sua pauta teve dificuldades de andar desde então no Congresso Nacional: a reforma administrativa foi aprovada com dificuldade na comissão especial, e deputados da oposição acreditam que ela não terá os 308 votos necessários para ser aprovada em Plenário. As várias propostas da reforma tributária, seja a do Imposto de Renda, seja a que unifica os impostos de consumo, ainda não foram votadas.

Algumas pressões sobre Bolsonaro foram mantidas: a CPI da Covid seguiu com a rotina de depoimentos que buscaram expor esquemas de corrupção dentro do governo, avançando sobre temas caros ao presidente durante a pandemia, como a defesa do chamado "tratamento precoce". O país sofre com a sombra da inflação galopante, em cerca de 10% ao ano, e o risco de "apagão" no final do ano é real.

A maior derrota de Bolsonaro neste período, no entanto, foi assinada pelo presidente Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG): em 14 de setembro, uma semana depois dos atos golpistas, Pacheco - que também preside o Congresso - devolveu a MP 1068, que dificultava a remoção de conteúdo nas plataformas digitais. O texto, gestado durante meses pelo gabinete de Bolsonaro, foi unanimemente criticado por membros do Legislativo, Judiciário e de setores especializados.

Apesar de todos os percalços, na visão do deputado General Peternelli (PSL-SP), a comunicação do presidente Jair Bolsonaro com o Congresso melhorou no último mês. "Há uma vontade de comunicação do presidente neste sentido", resumiu o aliado do presidente, logo após a sessão do Congresso da última quinta. O parlamentar apontou que o envio dos projetos de lei discutidos naquela sessão, que abriam R$ 2 bilhões no Orçamento, eram sinal desta comunicação.

Peternelli ainda ressaltou que os atos de sete de setembro - assim como as manifestações seguintes de oposição - não poderiam ser desprezados -, apesar de deixar claro que os atos em prol do presidente foram maiores.

Uma liderança de uma legenda partidária de centro na Câmara - que pediu para se manter anônima - também analisou o ato de sete de setembro como um momento de vitória do presidente. "No frigir dos ovos, ele se saiu fortalecido", analisou.

Na sua visão, no entanto, a relação do governo na Câmara continua de balcão de negócios. "A tendência é piorar então, por isso, o foco a partir de agora é evitar que Bolsonaro se reeleja", ponderou, sem no entanto indicar apoio a nenhum dos nomes que se apresentam como oposição a Bolsonaro.

Já o senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que participa da chamada "ala governista" na CPI da Covid, diz que participou dos atos de sete de setembro ("no povo, sem subir no palanque", ressaltou), mas que mantém um distanciamento do presidente. Para o senador cearense, este é um momento em que se faz necessário baixar a fervura: "Eu lhe digo que, nesse momento, é importante deixar a política de lado e buscar votar o que é importante para o país - e isso não está acontecendo", afirmou. "O cenário eleitoral do ano que vem já chegou e está contaminando [o Congresso]."

Questionado se este seria um erro de cálculo do presidente ou da oposição, Girão coçou a cabeça e pensou por alguns segundos "É dos dois. Quando o presidente fica viajando, ele já está antecipando também esse discurso. E a oposição aqui também, nesta CPI que é eleitoreira, faz a mesma coisa", disse.

- Exposição por Bolsonaro de criança com arma 'é retrocesso de 20 anos', diz membro de comitê da ONU

A atitude do presidente Jair Bolsonaro de expor uma criança fardada e portando a réplica de uma arma em um ato político na semana passada "significa um retrocesso de vinte anos" nos direitos das crianças, disse à BBC News Brasil o uruguaio Luis Ernesto Pedernera, membro do Comitê de Direitos das Crianças das Nações Unidas (ONU) e ex-presidente do órgão entre maio de 2019 e maio de 2021. 

O marco a que ele se refere é o ano de 2002, quando entrou em vigor um protocolo da Convenção de Direitos das Crianças sobre envolvimento de crianças em conflitos armados. O Brasil é signatário tanto da convenção quanto do protocolo, tratados internacionais em que o país se comprometeu com a promoção da dignidade das crianças e com políticas para evitar o recrutamento de menores em guerras e outros conflitos violentos. 

"É extremamente sensível difundir imagens ou promover atitudes que retrocedem muitos anos... O protocolo facultativo entrou em vigor em 2002, e mostrar uma imagem dessa significa um retrocesso de quase vinte anos", criticou, em referência à fotografia de Bolsonaro com a criança. 

No dia 30 de setembro, o presidente colocou sentado ao seu lado um menino de seis anos fardado e portando a réplica de uma arma durante cerimônia em Belo Horizonte de lançamento da pedra fundamental do Centro Nacional de Vacinas. Chegou a erguer o garoto sobre os ombros e cumprimentou seus pais como exemplo de "civilidade, patriotismo e respeito".

Para Pedernera, a atitude do presidente na verdade "não ajuda a promover uma cultura de respeito aos direitos humanos, fundamentalmente de não violência e paz", conforme os princípios da convenção e do protocolo ratificados pelo Brasil. 

Ele lembra que em 2015, ano da última avaliação do comitê sobre como o país estava avançando na implementação desses tratados, o Brasil foi elogiado por suas políticas de desarmamento. Na sua visão, a atitude do presidente brasileiro agora vai na direção contrária desses avanços. O governo Bolsonaro tem também adotado uma série de medidas administrativas para facilitar e estimular o acesso a armas.

Uma nova avaliação sobre como o Brasil tem implementado a Convenção de Direitos das Crianças está em andamento neste momento. 

"É importante que os chefes de Estado deem uma mensagem de que as principais vítimas das guerras são as crianças. E não é se deve utilizar as crianças para reafirmar uma imagem de que a guerra é algo bom para elas", disse também.

Na terça-feira (05/10), o Comitê de Direitos das Crianças das Nações Unidas repudiou a atitude de Bolsonaro em um comunicado oficial, após questionamentos da imprensa brasileira. Segundo o ex-presidente do órgão, esse tipo de manifestação é algo raro. 

"Ponderamos muito as manifestações públicas mediante comunicados desse estilo porque tampouco queremos nos converter em um órgão que apenas divulga comunicados de imprensa. Mas, diante de feitos que comovem a opinião pública, como o da fotografia (da criança armada com Bolsonaro), o comitê deve aclarar (o descumprimento dos tratados), e fundamentalmente porque Brasil é um Estado que ratificou a convenção", explicou o uruguaio. 

"O comitê, em seu exame (da aplicação da convenção) nos Estados, tem 30 anos de existência e viu o que significa os conflitos armados na vida das crianças. Destruição de famílias, de lares, de escolas", disse ainda. 

ONU cobrou punição a Bolsonaro

Na sua manifestação oficial, o comitê disse que "condena nos termos mais veementes o uso de crianças pelo presidente Bolsonaro, vestidas com traje militar e segurando o que parece ser uma arma de fogo, para promover sua agenda política". 

O comunicado lembrou ainda que "a participação de crianças nas hostilidades é explicitamente proibida" nos tratados assinado pelo Brasil e que "isso inclui o uso de crianças em quaisquer atividades relacionadas a conflitos e a produção e disseminação de imagens de crianças envolvidas em hostilidades reais ou simuladas". 

O órgão diz ainda que "tais práticas devem ser proibidas e criminalizadas, e aqueles que envolvem crianças nas hostilidades devem ser investigados, processados e sancionados".

À BBC News Brasil, Pedernera explicou que a adesão do Brasil aos tratados internacionais não dá poderes à ONU para punir Bolsonaro. Para o comitê, isso deve ser feito pelas instituições brasileiras competentes.

No entanto, apenas a Procuradoria-Geral da República (PGR) pode investigar e processar o presidente e hoje o órgão é comandado por Augusto Aras, visto como aliado de Bolsonaro. Em outro episódio envolvendo menores, a PGR defendeu o arquivamento de uma notícia-crime apresentada por PT e PSOL contra o presidente após ele ter retirado a máscara de crianças em atos políticos.

Não foi a primeira vez, inclusive, que Bolsonaro expôs uma criança armada e fardada. O mesmo já havia ocorrido em julho de 2019, em um evento que ele participou da Polícia Militar de São Paulo. 

Questionado sobre os desafios para impedir que Bolsonaro repita essas atitudes, Pedernera defendeu a importância de o Brasil criar um órgão independente de avaliação da implementação da Convenção de Direitos das Crianças e do protocolo sobre conflitos armados. Essa recomendação foi feita ao país na avaliação de 2015, mas não avançou. 

"Não posso dizer que seja a solução para o problema, mas nos países que criaram esses mecanismos de monitoramento esses problemas tendem a se reduzir", disse.

"O Brasil deu um passo importante ratificando o protocolo, mas ratificá-lo implica em termos institucionais no desenvolvimento de legislação, políticas e instrumentos que aprofundem a aplicação do protocolo e acompanhem sua implementação", acrescentou.

A BBC News Brasil questionou a Secretaria de Comunicação da Presidência da República sobre as críticas do comitê a Bolsonaro mas não obteve retorno.

 
Fonte: Congresso em Foco - BBC News Brasil