Economia

Brasil fica mais arriscado, e estrangeiro prefere outros países





A economia brasileira caiu menos e está saindo mais rapidamente da crise provocada pela pandemia que outros países emergentes graças aos gastos públicos mais elevados em 2020 e 2021. Mas a conta já está chegando, com inflação, juros e dólar mais altos, fatores que vão atrapalhar o crescimento em 2022 e tornar o país menos interessante para investidores estrangeiros. É o que dizem executivos de bancos norte-americanos e europeus e das duas maiores agências de classificação de risco do mundo.

Segundo eles, as eleições presidenciais e o risco de racionamento de energia, aqui dentro, além do aumento de juros nos Estados Unidos e da desaceleração da China, no exterior, são outros fatores que devem segurar o desempenho da economia brasileira. Com tudo isso no radar, a expectativa desses agentes de mercado ouvidos pelo UOL é de que os estrangeiros vão preferir a renda fixa em 2022, por causa dos juros altos. Já grandes apostas na Bolsa ficarão para depois das eleições. E os investimentos na economia real, como infraestrutura, serão pontuais, dependendo dos programas de concessões e da economia.

 

O investimento na economia real vem caindo há quase quatro anos. No acumulado em 12 meses, segundo o Banco Central, ele foi de:

  • US$ 80,7 bilhões (4,25% do PIB), em 2017
  • US$ 77,4 bilhões (4,3% do PIB), em 2019
  • US$ 49,4 bilhões (3,12% do PIB), em agosto de 2021

Para Drausio Giacomelli, estrategista-chefe do alemão Deutsche Bank, quarto maior banco da Europa, o Brasil já vinha perdendo espaço na preferência dos investidores estrangeiros antes da pandemia, junto com outras economias da América Latina, enquanto a Ásia vem ganhando espaço.

Ramon Spano, gestor sênior de carteiras da gestora de recursos italiana Azimut Global, que administra 77 bilhões de euros em 18 países, concorda e destaca que países onde a expansão da classe média e o investimento em infraestrutura tecnológica são fundamentais para o desenvolvimento, como a China, têm a preferência dos investidores, no lugar daqueles que dependem de commodities, como o Brasil.

Contas públicas pioraram mais aqui

O economista sênior para América Latina da S&P Global Ratings, Elijah Oliveros, diz que o Brasil não deveria perder espaço como opção para investidores internacionais por causa da pandemia, já que outras economias emergentes também foram afetadas.

O problema, destaca, é que está claro para os mercados que o Brasil é um dos emergentes onde as contas fiscais se deterioraram mais. Nesse sentido, o país ficou ainda mais atrás, diz o executivo da maior agência de classificação de crédito do mundo.

O Brasil foi um dos que mais rapidamente recuperou o PIB, mas isso teve um alto custo fiscal. O país enfrentará um 2022 muito desafiador, com alta inflação, taxas de juros elevadas, desemprego e altos níveis de incerteza política antes das eleições.
Elijah Oliveros, da S&P Global Ratings

O Brasil gastou mais que outros emergentes, com programas como o auxílio emergencial e linhas de crédito às empresas.

Veja gastos com a pandemia em relação ao PIB, segundo o FMI (Fundo Monetário Internacional):

  • Brasil: 9,2%
  • Chile: 14,2%
  • Argentina: 4,5%
  • México: 0,7%

Isso resultou em queda menor do PIB:

  • Brasil: -4,4%
  • Argentina: -9,9%
  • México: -8,5%
  • Chile: -6%

Mas a dívida pública brasileira em relação ao PIB saltou de 78%, em 2019 para quase 90%, em janeiro deste ano. Em julho, caiu para 83%, mas ainda está acima dos patamares pré-pandemia.

Segundo o economista-chefe para Brasil do banco norte-americano Citi, Leonardo Porto, a dívida em relação ao PIB pode recuar mais um pouco, para 81,5%, graças à maior arrecadação de impostos com a economia aquecida. Mas ela voltará a subir em 2022, com manutenção de gastos públicos nos níveis da pandemia.

Os riscos fiscais de médio e longo prazo estão se agravando, e as contas fiscais devem retomar a trajetória de deterioração em 2022.
Leonardo Porto, do banco Citi

'Voltaremos a padrão anterior de crescimento baixo'

O economista-chefe para o Brasil do banco britânico Barclays, Roberto Secemski, diz que a incerteza fiscal —ou seja, se o governo vai continuar elevando gastos—- afeta negativamente o cenário de crescimento econômico do país porque eleva o prêmio de risco do Brasil. Ou seja, o Brasil precisa pagar mais juros para o investidor colocar aqui.

Quando isso acontece, o dólar sobe. E a alta da moeda norte-americana alimenta a inflação, que, por sua vez, força o Banco Central a aumentar juros.

Passada a recuperação cíclica da economia neste ano, voltaremos ao padrão anterior de crescimento baixo, visto em grande parte da década passada. Projetamos PIB de 1,7% em 2022, que pode ser ainda pior dependendo do desenrolar da crise hídrica e da volatilidade típica de anos eleitorais.
Roberto Secemski, do banco Barclays

E ainda tem EUA e China

Além dos fatores domésticos, há ainda questões externas que ameaçam a economia brasileira, apontam esses profissionais. Os dois principais são a possível retomada dos juros nos Estados Unidos e a desaceleração econômica chinesa.

Na medida em que economias avançadas vão retirando programas de estímulo monetário, a taxa de juros do Brasil pode aumentar ainda mais, para continuar atraindo algum capital para aplicar em nossa renda fixa, destaca Secemski.

Para Giacomelli, a China pode ser ainda mais prejudicial para o Brasil, porque o país é muito mais dependente da economia chinesa do que da norte-americana.

Desafio maior para quem depende do mercado interno

Se a economia vai desacelerar fortemente em 2022, as empresas não devem escapar dessa freada, que afeta o interesse de estrangeiros pela Bolsa.

A Moody's, segunda maior agência de classificação de risco do mundo, diz que o lucro operacional e a geração de caixa das grandes empresas brasileiras acompanhadas pela firma melhoraram durante a pandemia. Elas buscaram linhas de crédito e fizeram novas emissões de ações para reduzir as dívidas e alongar seu prazo de pagamento.

O endividamento do setor corporativo cairá de US$ 288 bilhões, em 2019, para US$ 240 bilhões, este ano, segundo projeções da Moody's. Enquanto o lucro operacional (medido antes de juros, impostos, depreciação e amortização) subirá de US$ 95 bilhões para US$ 126 bilhões no período.

Mas a desvalorização do real e os preços mais altos de alimentos e do petróleo, que já provocaram alta dos juros, vão se tornar ainda mais desafiadores em 2022, diz a agência.

As empresas brasileiras com foco no mercado doméstico serão as que mais sofrerão com os riscos macroeconômicos em 2022.
Carolina Chimenti, vice-presidente da Moody's

Renda fixa em vez de Bolsa

Nesse ambiente, os investidores de fora serão bastante seletivos para colocar dinheiro por aqui. A renda fixa deve ser uma opção mais forte que a Bolsa em 2022, segundo esses profissionais de mercado.

Nos últimos anos, com a queda dos juros, a participação estrangeira na dívida pública federal caiu de 19%, em 2015, para 9% este ano.

Agora esses aplicadores começaram a voltar, e o movimento deve se intensificar em 2022, diz Giacomelli, que projeta para ano que vem Selic de 9,25% e inflação recuando para 4,5%, mas PIB de apenas 1,8%.

Na Bolsa, aponta, não é esperada uma onda de aportes dos estrangeiros, mesmo considerando que os preços das ações estão em patamares baixos em dólar.

Se a inflação for controlada ao longo do ano que vem, que é o que acredito que vai acontecer, uma taxa de juros perto de 9% ao ano não vai ser ignorada pelo aplicador da renda fixa. Na Bolsa, o Brasil está barato, mas tem a questão de risco e retorno, que não é favorável.
Drausio Giacomelli, do Deutsche Bank

Longo prazo na economia real

Já investimentos de longo prazo, na economia real, vão depender de oportunidades pontuais e da retomada da economia, mais adiante, destaca a vice-presidente da Moody's, Carolina Chimenti.

Após 2022, o investimento corporativo e a atividade de construção dependerão das perspectivas econômicas do Brasil.
Carolina Chimenti, da Moody's

Commodities podem ajudar

Spano, da italiana Azimut Global, destaca que a recuperação global, que aumentou a demanda por commodities, tem aspecto positivo para o Brasil, já que o valor e o volume das exportações da agricultura e mineração do país representam cerca de 40% das exportações do país.

E a economia brasileira ainda é percebida pela comunidade financeira internacional como um país estreitamente ligado à exportação de commodities.
Ramon Spano, da Azimut Global

 

Confira outras notícias:
- Inflação deve ficar acima do centro da meta pelo 3º ano consecutivo

O Brasil deve fechar 2021 com a inflação acima do centro da meta pelo 3º ano consecutivo. A inflação de 2021 deve fechar em 8,5%, segundo divulgou o BC (Banco Central) em 30 de setembro. Economistas ouvidos pelo Poder360 trabalham com a hipótese de 8,6% a 9% para o IPCA (índice de Preços ao Consumidor Amplo). Não descartam também a possibilidade de fechar em 2 dígitos. Mas dizem que a chance é menor.

O economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, assim como o BC, tem a aposta no arrefecimento do índice no acumulado de 12 meses até o fim do ano, mas reconhece que é possível que 2021 feche com a inflação em 2 dígitos.

“Com a inflação a 10% no acumulado de 12 meses, e com a expectativa de convergência de fechar o ano abaixo disso, em 8,5%, existe sim a possibilidade de ela permanecer acima dos 10%“, disse.

A inflação de setembro chegou a 1,16%, maior taxa desde setembro de 1994 e alcançou os 2 dígitos no acumulado de 12 meses, 10,25%. Étore Sanchez diz que é cedo para falar em “melhora da dinâmica inflacionária“, mas afirmou que resultados surpreenderam positivamente o mercado, que previa uma inflação ainda maior para setembro. Combustíveis e energia devem continuar impactando nos índices inflacionários.

Para a economista da XP Investimentos, Tatiana Nogueira, o que explica a alta do IPCA é o choque de oferta muito forte. De acordo com ela, houve uma pressão muito forte que coincidiu com a reabertura mundial por conta do arrefecimento da pandemia e do avanço da vacinação.

TAXA SELIC A 9,25% EM 2022

De acordo com ambos os economistas, o valor da Selic deve ser fixado em 9,25% na 1ª reunião do BC de 2022. O objetivo é controlar a inflação. Resultado deve ser visto só a partir do 2º semestre.

“Mesmo levando os juros a 9,25, não é suficiente. A Selic teria que ir a perto de 11% no início do ano, para que tivéssemos a inflação na meta. Grande parte das altas que enxergamos para o ano que vem não são sensíveis, não são passíveis da política monetária mais contracionista“, destaca Tatiana Nogueira.

Para a economista, o BC não deve elevar a taxa acima dos 9,25% porque isso impacta no valor do PIB.

“O BC não eleva a inflação para mais, porque acabaria levando o PIB ainda mais para baixo, causando um trabalho muito grande na atividade, para entregar a inflação na meta“, explica.

IMPACTO PRÁTICO NA POPULAÇÃO

Étore Sanchez diz que a alta inflacionária impacta diretamente no poder de compra das pessoas. Com a alta, o poder de consumo cai e consequentemente a desigualdade entre mais ricos e mais pobres cresce.

“A gente não consome preço, consumimos bens e serviços em quantidade. Eu consumo uma unidade de água, uma unidade de refrigerante. Se o preço subiu eu vou deixar de consumir tantas unidades, então isso corrói o nosso poder de compra. No final das contas há um impacto assimétrico da inflação entre ricos e pobres, aumentando ainda mais essa disparidade”, afirmou.

CENÁRIO EXTERNO PESA

Os economistas elencam os principais fatores externos que pressionam diretamente  sobre a alta do IPCA:

  • crise energética mundial;
  • falta de semicondutores;
  • elevação do preço do frete;
  • alta no valor das commodities;
  • crise dos contêineres;
  • descompasso entre oferta e demanda global.

Na opinião de Sanchez diz que a tendência é que se inicie uma desaceleração desses fatores.

“Se o choque internacional de commodities e outros continuar em forte avanço, teremos mais pressão inflacionária. Ao que tudo indica isso não deve se concretizar por muito mais tempo, na minha opinião“, avalia o economista.

Fonte: UOL - Poder360