Política

Como o jogo dos partidos mexe com a busca por candidato de terceira via em 2022





Mesmo que não consigam chegar ao segundo turno, partidos têm a chance de ganhar poder e fortalecimento ao marcar seu território na corrida, dizem analistas

Desde que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se tornou elegível e passou a despontar como líder das pesquisas para a corrida eleitoral de 2022, antagonizando com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o termo “terceira via” se popularizou para denominar o candidato que represente uma alternativa a esses dois lados.

Nesse contexto, partidos e aspirantes à cadeira presidencial se movimentam para ganhar força e se estabelecerem como essa opção, em uma disputa com ares de prévias.

De acordo com cientistas políticos e historiadores, no entanto, o cenário pré-2022 apresenta uma versão “repaginada” desse conceito, distante de sua origem.

Mesmo assim, na opinião dos analistas, essa disputa é fundamental para a definição do cenário político a partir do ano que vem e tem potencial de fortalecer aqueles que saírem do pleito com bons resultados, ainda que derrotados na disputa pelos votos.

A origem do conceito

Segundo Fernando Guarnieri, cientista político do Instituto de Estudos Sociais e Político da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), a origem do conceito de terceira via na política remete à fase final da Guerra Fria e aos dois sistemas socioeconômicos dominantes à época: o capitalismo dos Estados Unidos e o socialismo da União Soviética.

A terceira via, associada a partidos de centro esquerda e sociais-democratas da Europa, surgiu como um meio termo, reunindo elementos de direita – políticas mais liberais e um estado menos centralizado, por exemplo – com bandeiras tradicionais da esquerda, como a justiça social e a igualdade de oportunidades.

No Brasil pré-Bolsonaro, esse mesmo termo já aparecia para classificar os candidatos que tentavam romper a polarização entre PT e PSDB nas eleições para presidente desde 1994. Mas essa polarização brasileira, diz Guarnieri, já se mostrava mais política do que ideológica, diferentemente do contexto internacional do fim da Guerra Fria. “No governo Lula, o PT acabou se movendo para o centro, onde o PSDB já ocupava”, afirma.

O histórico eleitoral brasileiro aponta a continuação de uma polarização que pode representar um obstáculo para qualquer candidato que tente chegar como terceira força na disputa com dois nomes predominantes na campanha eleitoral.

Desde 1994, o resultado do primeiro turno das eleições nunca registrou um terceiro colocado que tenha ameaçado ir ao segundo turno. O melhor desempenho foi de Marina Silva (então no PSB), em 2014, com 21% dos votos – distantes dos 41% de Dilma Rousseff (PT) e dos 33% de Aécio Neves (PSDB).

Até aquela eleição, o cenário foi sempre o mesmo: PT e PSDB protagonizando a disputa entre seus candidatos. Em 2018, Bolsonaro assumiu o papel de antagonista dos petistas, mas a polarização entre dois nomes permaneceu a mesma.

Os obstáculos que dificultam a terceira via

Mas por que é tão difícil um terceiro candidato chegar forte à eleição presidencial no Brasil?

O sistema político-eleitoral do país, o comportamento do eleitor e a dificuldade de se encontrar nomes conhecidos nacionalmente são algumas das explicações que os especialistas apontam.

“Há uma fragmentação muito grande de partidos no Brasil, e a política é multidimensional: envolve valores, costumes e políticas diversas. Se o eleitor sentir que o seu candidato preferido não tem muitas chances, ele costuma procurar um nome mais viável. É o famoso voto estratégico, ou voto útil”, diz Guarnieri.

Para o historiador Nelson Ferreira Marques Júnior, professor do Instituto de Educação Superior do Vale do Parnaíba (Piauí), outros fatores podem, em tese, fortalecer a concentração de votos entre Lula e Bolsonaro em um eventual primeiro turno de 2022.

“O Bolsonaro tem a máquina do Estado nas mãos, e o Brasil é um país com tradição de reeleger seus presidentes. Do outro lado está o PT, o maior partido de esquerda da América Latina e que mais se organizou, historicamente, para fazer coalizões políticas”, afirma. “Além disso, Lula e Bolsonaro são dois estadistas muito personalizados. Diferentemente de outros pleitos, a eleição presidencial é muito personalista”, afirma.

A terceira via é uma alternativa?

Apesar de concentrada em Lula e Bolsonaro, a polarização entre direita e esquerda não transforma automaticamente os outros pré-candidatos de 2022 em uma alternativa clássica de terceira via, centrista, segundo a visão dos especialistas.

“Se um terceiro candidato se mostrar competitivo em 2022, isso não quer dizer que ele seja uma ‘terceira via’. Ele é apenas uma alternativa a Lula e Bolsonaro, que hoje aparecem como principais”, diz Fernando Guarnieri.

Para Marques Júnior, “não existe uma terceira via em termos de projeto de nação”. “O projeto do Ciro Gomes e do PDT se aproxima ao do Lula, mais de centro-esquerda. No outro bloco, partidos como o DEM-PSL [em fusão para formar o União Brasil], por exemplo, apresentam ideias neoliberais, que não mudam muito em relação ao projeto do [ministro da Economia] Paulo Guedes: estado mínimo, privatização de setores estratégicos, incentivo ao empreendedorismo”, aponta o historiador.

“O apoio do empresariado a uma terceira via, por exemplo, não se refere a um projeto novo, autônomo, mas sim a um candidato que aproveite a agenda econômica do Paulo Guedes com um discurso mais polido”, acrescenta.

Vera Chaia, professora de política e pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), enxerga no cenário atual uma possibilidade de projeto próximo ao de uma terceira via clássica caso o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, vença as prévias do PSDB contra João Doria. A votação, marcada para 21 de novembro, contará também com o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio Neto na disputa.

“Essa seria uma alternativa social-democrata, ainda que de centro-direita, caso ela seja bem construída. O PSDB deu uma ‘endireitada’ nos últimos anos, mas poderia retomar uma posição mais de centro com o Eduardo Leite, que é bem avaliado como governador e obteve apoio, no partido, de parlamentares importantes como o [senador] Tasso Jereissati“, comenta a professora.

Chaia cita Doria e também Ciro Gomes como figuras polarizadoras que dificilmente emplacariam esse perfil de alternativa ao bolsonarismo e ao petismo. “O Doria não tem unanimidade nem no próprio partido, e o Ciro se porta de maneira agressiva, desagregadora”, analisa.

A professora enumerou outros políticos apontados como pré-candidatos, como o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e os senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Simone Tebet (MDB-MS). Segundo ela, o maior obstáculo para esses potenciais candidatos é a falta de capital político de seus nomes na comparação com Lula ou Bolsonaro.

Os ganhos da terceira via mesmo com a derrota na eleição

A marcação de território da “terceira via”, no entanto, vai além de uma eventual ida ao segundo turno e da vitória na eleição: ela pode render a partidos e candidatos recursos em dinheiro, poder de barganha e força política.

“Esse bloco da terceira via pode não ter uma força personalizada em alguém, mas, se houver união, ele pode se sentar na mesa de negociação com o próximo presidente e ganhar ministérios, cargos e recursos. Seja Lula ou Bolsonaro, é assim que a terceira via conseguirá se fortalecer no cenário legislativo”, diz Nelson Marques Júnior.

Para Vera Chaia, um dos grandes exemplos desse tipo de movimento é o do PSD, do ex-ministro Gilberto Kassab, que, no momento, não tem um nome óbvio como pré-candidato – há especulações sobre uma eventual migração de Rodrigo Pacheco ao partido para se tornar essa opção.

“Acho que o movimento do PSD é de conseguir espaço em futuros governos. Ele não tem um programa partidário nem uma força política por si só. Seu poder está na capacidade de articulação do Kassab”, afirma Chaia, citando a negociação do partido com Geraldo Alckmin (PSDB) e Márcio França (PSB) para a disputa pelo governo de São Paulo em 2022.

Fernando Guarnieri lembra que essa formação de palanques estaduais fortes fará com que o PSD seja cortejado pelos eventuais candidatos à Presidência. “Essa estratégia dá força aos partidos e permite um grande poder de barganha para a formação de uma coalizão. Isso pode reverter em participação no governo e no controle de políticas importantes para o partido.”

Para o cientista político, o movimento que mais chama a atenção fora dos polos da eleição presidencial é a fusão entre duas legendas de direita, o DEM e o PSL. Segundo Guarnieri, o novo partido “será um filhote robusto, um partido nacional com grande força no Congresso e nas regiões”.

“Uma grande bancada na Câmara decide, entre outras coisas, os recursos dos fundos eleitorais e partidários. A partir do momento em que um partido se fortalece, ele também atrai novos candidatos e aumenta suas chances de aumentar ainda mais suas cadeiras no Congresso. A corrida presidencial pode até ser uma ambição, mas DEM e PSL não vão tê-la como objetivo principal”, observa.

- "Vamos colocar a terceira via no segundo turno", assegura Eduardo Leite

Na disputa das prévias do PSDB para definir o candidato tucano ao Planalto, gestor gaúcho acredita que alta rejeição a Bolsonaro e a Lula fará com que um nome alternativo avance à rodada final das eleições de 2022

Concorrente na disputa interna do PSDB que vai definir o candidato tucano na corrida pelo Planalto, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, assegura que haverá representante da terceira via no segundo turno das eleições de 2022. Embora o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) liderem as pesquisas de intenção de voto com ampla vantagem, o gestor gaúcho acredita que os altos índices de rejeição de ambos farão com que um deles não avance à rodada final de votação. “Isso (a rejeição) vai, no momento apropriado, fazer com que a população esteja aberta a procurar alternativas. Vamos colocar a terceira via no segundo turno”, enfatiza, em entrevista exclusiva ao Estado de Minas. Nas prévias do PSDB, o governador de São Paulo, João Doria, é o principal oponente. Arthur Virgílio, ex-prefeito de Manaus, também concorre. A eleição será em 21 de novembro.

Caso vença a disputa no PSDB, quais serão as estratégias para se colocar como opção a Bolsonaro e Lula?
O que a gente tem claro é que o Brasil se colocou em uma divisão política que gera um clima de enfrentamento entre as pessoas e ataques de uns contra os outros, quando o que precisa é atacar os problemas. A alternativa que o Brasil precisa, essa terceira via, não é um terceiro polo de radicalização. Deve ser, efetivamente, um caminho que se preocupe em apresentar uma alternativa de projeto para que o país volte a crescer, tenha condições de se desenvolver, gerar emprego e renda, atender os que mais precisam e ter um governo que funcione e entregue os resultados. É por isso que estou me mobilizando, dentro do PSDB, com o apoio de muita gente, para vencer as prévias e ajudar a construir a alternativa de um centro democrático que boa parte da população está ansiosa para ver no processo eleitoral.

Além de um nome tucano, há outros possíveis postulantes ao Planalto, como Henrique Mandetta, Rodrigo Pacheco, José Luiz Datena e Sergio Moro. O senhor não teme pulverização de votos? 
Percebo que a gente tem, em muitos desses nomes, uma disposição de conversar e dialogar que me faz ter muita confiança de que, no momento certo, vamos promover um entendimento, se não entre todos, entre boa parte desses nomes do centro, para construir uma alternativa com força e fôlego eleitoral. Antes de um projeto pessoal, estamos tratando de um projeto para o país, para o Brasil do futuro, que a gente deseja ver saindo desta guerra que aí está colocada. No momento certo, vai acontecer essa convergência para que a alternativa se viabilize e se tenha a menor dispersão de nomes no centro da política.

Quais são os pilares da sua ideia para o país?
O Brasil tem imensa desigualdade social. O carro-chefe de qualquer governo precisa ser o combate à desigualdade e a geração de oportunidades. Para isso, precisa de um país que tenha condições de crescer. E, para que ele possa crescer economicamente — e sustentar esse crescimento —, tem de ser mais simples, ter credibilidade e confiabilidade por parte de quem empreende, para que ocorram investimentos e empreendimentos. O Brasil que a gente vai receber em 2023 precisará dar clara demonstração de buscar ajustar suas contas — e que tenha equilíbrio entre receitas e despesas. Isso vai demandar reformas estruturantes para modernizar a máquina pública. Para reconquistar credibilidade e confiabilidade, as reformas tributária e administrativa são fundamentais, mas não são o fim em si mesmo. São meios importantes para que o país possa ter condições de promover, de maneira mais efetiva, esse combate à desigualdade e a geração de oportunidades. Temos de aperfeiçoar os programas sociais para que atendam os que mais precisam. E, também, a sustentabilidade ambiental, o respeito à diversidade e o respeito ao meio ambiente como alavancas para o desenvolvimento econômico. O respeito ao meio ambiente (é importante) não apenas como respeito ao planeta, mas também como oportunidade econômica: o Brasil tem capacidade de geração de energia limpa e de se destacar no mundo para receber investimentos profundos nesse setor e ser sede de empresas que demandam acesso pesado à energia. Estamos desperdiçando isso à medida que o país não se mostra sintonizado com as preocupações climáticas e com o meio ambiente.

A Câmara aprovou projeto que fixa o ICMS dos combustíveis. Bolsonaro tem colocado esse imposto como vilão da alta da gasolina. O que pensa disso?
Basta ver os fatos: no início do ano, a gasolina no Rio Grande do Sul estava em R$ 4,50. Agora, está em R$ 6,50, sem que se tenha feito qualquer alteração de ICMS. É exatamente o mesmo percentual. E o combustível não parou de subir. Em março, o presidente Bolsonaro anunciou que ia zerar o PIS/Cofins do diesel para segurar a alta dos preços. E o diesel não parou de subir depois disso. Não é, de maneira nenhuma, verdadeiro que o ICMS seja o vilão. Isso só joga uma cortina de fumaça para tentar terceirizar culpas pelo aumento de preços e pela inflação a que o país está assistindo. Além disso, vai gerar frustração de expectativas, porque não vai reduzir o preço e vai impactar nas contas dos estados. E não são contas dos governadores ou dos governos estaduais: é o dinheiro que sustenta a educação, a segurança e a saúde. Tem de discutir o assunto em uma reforma tributária ampla e profunda. Esse é o caminho. Mas o governo não coloca sua energia em resolver os problemas estruturais do Brasil. São arremedos, remendos, que não resolvem o problema, apenas para sustentar uma narrativa que sempre terceiriza a culpa. Está sempre jogando a culpa para o colo de alguém, quando, na verdade, são a incapacidade administrativa, a falta de projeto do governo e o ambiente de crise constante criado pelo presidente que pressionam o dólar, por exemplo.

Se houver segundo turno entre Lula e Bolsonaro, como se posicionará?
Não dá para trabalhar sob hipóteses. A gente estará no segundo turno. Tenho convicção disso. Muito se fala da polarização na intenção de voto, mas pouco se fala da polarização na rejeição. A rejeição que esses dois candidatos têm é gigante. Isso vai, certamente, no momento apropriado, fazer com que a população esteja aberta a procurar alternativas. Vamos colocar a terceira via no segundo turno.

Fonte: CNN Brasil - Correio Braziliense