O senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI da Covid, sugeriu o indiciamento de 70 pessoas e mais duas empresas, que um total de 24 crimes, em seu novo relatório..
Na lista, há políticos, ministros, empresários, empresas e médicos que defendem tratamentos ineficazes. O documento foi entregue em meio a um mal-estar entre os senadores por vazamento de minutas do parecer à imprensa nos últimos dias.
Parte dos senadores, como o presidente Omar Aziz (PSD-AM), discorda desses apontamentos do parecer. Mesmo assim, Renan os deixou em sua versão mais atualizada do texto. Uma reunião do G7, como é chamado o grupo majoritário da comissão, está marcada para a noite desta terça (19).
Há divergências na CPI a respeito de ao menos três crimes elencados pelo relator: o de homicídio qualificado do presidente Jair Bolsonaro, o de genocídio de indígenas e o pedido de indiciamento dos filhos do presidente da República.
O relatório sugere que Bolsonaro, quatro ministros, três ex-ministros, duas empresas, empresários e médicos cometeram crimes na pandemia.
Renan sugeriu 11 crimes ao presidente, entre homicídio qualificado, infração de medida sanitária preventiva, charlatanismo, incitação ao crime, falsificação de documento particular e emprego irregular de verbas públicas.
Além desses, prevaricação, genocídio de indígenas, crime contra a humanidade, violação de direito social e incompatibilidade com dignidade e honra e decoro do cargo.
Já o ex-ministro Eduardo Pazuello (Saúde) foi apontado por Renan pelos crimes de homicídio qualificado, emprego irregular de verbas públicas e prevaricação. Também por comunicação falsa de crime, genocídio de indígenas, crime contra a humanidade.
Para o senador, o atual titular, Marcelo Queiroga (Saúde), deve ser investigado por epidemia culposa com resultado morte e prevaricação.
Renan sugere indiciamento do ministro Onyx Lorenzoni (Trabalho e da Previdência) por incitação ao crime e genocídio de indígenas. Esse último enquadramento divide a CPI.
O relator ainda pede indiciamento de Braga Netto (Defesa) por epidemia culposa com resultado morte. O ministro não chegou a ser ouvido pela CPI. Renan também sugere que o ministro Wagner Rosário (CGU) cometeu o crime de prevaricação.
Em sua versão mais atualizada, o relatório de Renan também aponta que os três filhos mais velhos do presidente cometeram crimes relacionados à pandemia.
Para o relator, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) deve ser indiciado por advocacia administrativa, incitação e improbidade administrativa. Ao deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) foi sugerido incitação ao crime, assim como ao vereador do Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).
No texto preliminar, o relator propõe o indiciamento de oito médicos, um diretor e dos dois donos da Prevent Senior.
O pastor Silas Malafaia, um dos conselheiros mais próximos de Bolsonaro, também está na lista de Renan, no capítulo das fake news. O senador propõe investigação contra o líder religioso pelo crime de incitação ao crime.
Renan afirmou que o texto ainda poderá sofrer ajustes após debates com outros senadores. “O que importa é que o relatório seja produto da maioria”, disse à Folha.
O senador ainda propõe investigar a Precisa Medicamentos e a VTC Log por ato lesivo à administração pública.
O relatório ainda recomenda que o Ministério Público Federal peça condenação e reparos por dano moral coletivo à sociedade brasileira de quem promoveu o uso de medicamentos sem eficácia e a imunidade de rebanho.
Renan sugere que o Ministério Público peça essas reparações na Justiça contra o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), o deputado Osmar Terra (MDB-RS), a médica Nise Yamaguchi, o médico Luciano Dias Azevedo, o virologista Paolo Zanotto, o empresário Carlos Wizard, a associação Médicos pela Vida e o laboratório Vitamedic.
Renan foi isolado por colegas da CPI após ser acusado de vazar trechos e elaborar o documento sem ouvir os demais integrantes da CPI.
O incômodo com Renan foi geral no chamado G7, grupo de sete senadores majoritário da CPI. O relator chegou a ser chamado de traidor pela suspeita de ter feito uma jogada política para expor trechos do texto e encurralar colegas que quisessem mudá-los.
Aziz não quis mais conversas a portas fechadas sobre o relatório e desistiu de uma reunião que faria com o relator.
Nos bastidores, assessores de Omar disseram que não houve surpresa em relação à falta de debate sobre o relatório por parte de Renan. O sentimento é de que o relator não soube trabalhar em grupo desde o início da CPI e, por isso, não seria diferente com o relatório final.
Por isso, Omar disse que não irá propor alterações no texto e vai deixar que o relator assuma a culpa sozinho, caso o relatório fracasse.
Também pesou na decisão de Omar o cuidado de não dar margem para o discurso de que ele estaria aliviando para Bolsonaro, caso propusesse alterações no texto.
Isto porque que os pontos que Omar discorda de Renan são os que propõe penas mais duras contra o presidente, como por genocídio indígena por Covid e a o indicamento dos filhos de Bolsonaro.
Próximo depoimento Comissão ouve Elton da Silva Chaves, representante do Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde), nesta terça (19)
Previsão de leitura do relatório Quarta (20)
Previsão de votação do texto Terça (26)
Principais divergências Um dos pontos, como relatou a coluna Mônica Bergamo, da Folha, é a proposta de indiciamento de Bolsonaro pelo crime de genocídio contra a população indígena.
Os membros do G7, como é conhecido o grupo majoritário da comissão, também divergem sobre a inclusão de membros da família do presidente Bolsonaro entre as propostas de indiciamento
O QUE ACONTECE APÓS A VOTAÇÃO DO RELATÓRIO
A CPI ainda tem algum poder após a apresentação o relatório final? Não, pois a aprovação e o encaminhamento do relatório constituem a etapa final da CPI.
Como estratégia para acompanhar os desdobramentos das investigações da comissão, os senadores Omar Aziz (PSD-AM), que preside a CPI, e o vice-presidente, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), apresentaram a proposta de criação de um grupo permanente, a Frente Parlamentar Observatório da Pandemia.
A iniciativa, porém, depende de aprovação no Senado
A quem o relatório é enviado? Cada uma das conclusões do relatório pode implicar no envio para órgãos distintos. No caso de ilícitos criminais ou civis, por exemplo, a competência para denunciar formalmente os investigados pela CPI ou de requerer mais investigações é do Ministério Público.
No caso de autoridades com foro, caso do presidente, esse papel é desempenhado pela Procuradoria-Geral da República (PGR)
Um relatório entregue pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) à CPI da Covid no Senado faz um relato com extensos argumentos para defender que seja feita uma denúncia contra o presidente Jair Bolsonaro por genocídio contra povos indígenas.
O documento foi entregue no último dia 13, tem 38 páginas e é assinado por Paulo Machado Guimarães, presidente da Comissão Especial de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas do Conselho Federal da OAB.
"O conjunto dos atos comissivos e omissivos implementados pela administração pública da União, por expressa orientação e concepção do presidente da República, que conta com o concurso de seus auxiliares diretos (...), evidencia o núcleo do tipo penal descrito no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, na medida em que submetem ou sujeitam os povos e comunidades indígenas, no Brasil, a condições de vida que tendem a provocar suas destruições físicas, total ou parcialmente", diz o documento.
O relatório afirma ainda que houve uma "sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial", uma das condutas tipificadas do crime de genocídio.
Esse é o segundo relatório que aponta para crime de genocídio praticado pelo governo durante a pandemia. O primeiro foi assinado pelo bacharel em direito e filosofia Álvaro de Azevedo Gonzaga, que tem pós-doutorado em história dos povos indígenas e é professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo.
O uso do termo genocídio indígena no relatório final da CPI é uma das divergências entre o relator Renan Calheiros (MDB-AL) e o presidente do colegiado, Omar Aziz (PSD-AM), que foram explicitadas após vazamento do seu conteúdo à imprensa, adiando a votação final pelos senadores.
Em entrevista à GloboNews, Aziz disse, em princípio, contestar sugestões de indiciamento pelo crime de genocídio contra povos indígenas. Afirmou que não pode "criar uma narrativa sobre uma coisa que [ele] não tem conhecimento". "Todos os índios tiveram, sem exceção, duas doses [de vacina]."
Agora o relatório está previsto para ser lido no dia 20 e votado no dia 26.
O documento da OAB cita, entre seus argumentos, uma reportagem do UOLque revelou a omissão do governo em realizar atos necessários nos processos de demarcação de terras indígenas —o que fez explodir o número de ações civis públicas pelo MPF (Ministério Público Federal) em todo o país.
Reúne também dados sobre o combate à pandemia. Um deles é da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) e cita que, "dos 20 distritos de saúde indígena que receberam cloroquina, 17 receberam significativas quantidades excedentes de cloroquina 250 mg, demonstrando a fragilidade da alegação da Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena] de que a descentralização desse grande volume de cloroquina se destinava ao tratamento da malária".
A cloroquina é ineficaz no tratamento e no combate à covid, como já foi comprovado em diversos estudos. Mas foi recorrentemente defendida por Bolsonaro e seus ministros —o presidente diz, inclusive, ter tomado cloroquina duas vezes.
Outro item ressaltado pela OAB é que o orçamento para a saúde indígena caiu em 2021. "A diferença no valor empenhado, de R$ 50.304.973,44, corresponde a 56% do empenhado em 2020. Deste montante, foram pagos, até 8 de agosto de 2021, somente R$ 28.706.305,63", diz.
E cita ainda que, em relação a povos de pouco ou recente contato, "o risco de extinção é altíssimo" e que não houve a proteção devida a eles.
Também critica o aumento de atividades ilegais em terras indígenas. "No estado de Roraima, extremo norte do Brasil, o povo ianomâmi está submetido às graves consequências do garimpo em terras indígenas, uma atividade ilegal e etnocida em curso na Terra Indígena Ianomâmi."
Em outro trecho, fala sobre outros povos e comunidades indígenas "que se encontram em situações vulneráveis, em especial os guaranis-kaiowás, no estado de Mato Grosso do Sul, além de outros povos vítimas de agressões e invasões de suas terras, que estão sendo expostos".
O documento cita ainda a ação do marco temporal em tramitação no STF(Supremo Tribunal Federal), que é defendido pelo governo e rechaçada por indígenas. Por enquanto, esse processo se encontra parado, após pedido de vista de Alexandre de Moraes.
Para a OAB, tudo isso indica uma "inédita e surpreendente determinação e propósito do chefe do Poder Executivo da União, senhor Jair Messias Bolsonaro, em efetivamente sujeitar ou submeter os povos e comunidades indígenas no Brasil a precárias condições de vida".
[Ele está] favorecendo invasões de madeireiros e garimpeiros, bem como proporcionando a contaminação do coronavírus, que expõem os povos e as comunidades indígenas a circunstâncias comprometedoras de suas integridades físicas, morais, culturais e étnicas."
Trecho de parecer da OAB
Em resposta ao UOL, a Funai (Fundação Nacional do Índio) disse que o documento enviado à CPI traz "assertivas falsas" e que está atuando com "medidas práticas de apoio à população indígena".
Entre as ações, o órgão cita a entrega de mais de 1 milhão de cestas básicas e a distribuição de cerca de 23 mil toneladas de alimentos a mais de 200 mil famílias indígenas.
A Funai afirma ainda que distribuiu mais de 221 mil kits de higiene e limpeza a diferentes populações e já destinou aproximadamente R$ 62 milhões para ações de prevenção à covid-19, "com destaque para o suporte a cerca de 300 barreiras sanitárias, a fim de impedir o ingresso de não indígenas nas aldeias".
No âmbito da proteção territorial, a fundação afirma que atua em ações de fiscalização e monitoramento em Terras Indígenas (TIs) de todo o país, "por meio de suas unidades descentralizadas e em parceria junto a órgãos ambientais e de segurança pública competentes".
"Desde janeiro de 2020, a Funai apoiou cerca de 1.200 ações de proteção territorial, as quais contemplaram 351 TIs no país. Desse total, mais de 500 ações foram voltadas ao enfrentamento da pandemia nas comunidades indígenas", completa.
A Funai afirma ainda que já investiu R$ 30 milhões em "ações de fiscalização nas TIs de todo o país". "Desse valor, quase R$ 17 milhões foram para ações de proteção em áreas onde vivem indígenas isolados e de recente contato", completa.
"As atividades são fundamentais para coibir ilícitos e garantir a segurança das comunidades, prevenindo o contágio dessas populações pela covid-19", finaliza o órgão
- Senador: relatório da CPI parece sentença, mas governo está tranquilo
O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), criticou hoje, em entrevista ao UOL News, o relatório final da CPI da Covid produzido pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL). De acordo com o político, o texto se assemelha com uma sentença judicial, mas o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) está "tranquilo" com a divulgação do documento.
"Estamos com o relatório que está parecendo uma sentença", disparou.
Para o parlamentar, Renan Calheiros cometeu "excessos" ao apontar diversos crimes contra o presidente e seus filhos no documento, de modo que dividiu até o grupo G7 composto por senadores oposicionistas ao governo e independentes. Ele também ressaltou que "só investigaram o presidente" durante a CPI e afirmou que isso "está escancaradamente errado".
"Você pode criticar a atitude dele [Bolsonaro], mas você não pode dizer que isso levou a crime. Você pode fazer a crítica, mas você não pode criminalizar o presidente da República", opinou.
Apesar das críticas ao relatório e pedir equilíbrio à CPI, o senador afirmou que o governo "está absolutamente tranquilo" com a finalização do relatório pela comissão parlamentar. Mais cedo, o presidente Bolsonaro voltou a criticar Calheiros e declarou que não se preocupa com a comissão.
O governo está absolutamente tranquilo. O governo evidentemente não esperava que chegasse a tanto o teor desse relatório, mas é evidente que o governo está tranquilo porque esse relatório vai ser enviado para os órgãos de controle competente e eles terão uma posição muito diferente daquilo que a gente viu na CPI.Fernando Bezerra (MDB-PE) ao UOL News
Bezerra também declarou que a CPI se transformou em "palanque político e eleitoral", porém, acredita que "não irá prosperar nenhuma das imputações criminais" contra o presidente da república apontadas no relatório final da CPI.
O parlamentar afirmou que amanhã, durante a leitura do relatório final da CPI, fará uma fala de 20 a 30 minutos em que irá "avaliar os pontos mais importantes do texto".
Após uma sessão marcada por divergências entre o usualmente hegemônico G7 da CPI da Covid, o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), disse que não pedirá para o relator, Renan Calheiros (MDB-AL), remover nada do relatório gerado pelas investigações da CPI.
"Todos do G7 temos o mesmo discurso: não estamos atrás de vingança, mas de justiça. E, para isso, precisamos embasar as tipificações", ressaltou em entrevista à CNN Brasil. Sobre o episódio de discussão entre o grupo, ele falou: "A gente convive com a divergência. Não há mal-estar".
Apesar disso, uma parte do documento foi vazada para a imprensa, o que recebeu críticas de Aziz. "Joga-se aí para se debater publicamente um relatório quando não se deve fazer esse debate público: primeiro, precisa-se fazer um debate interno, técnico", afirmou.
Para ele, o trabalho feito pela CPI é sério, "não é ego" ou tentativa de "melhorar seu potencial eleitoral" com a aproximação dos pleitos de 2022.
A fim de desfazer a crise recente entre o G7, foi organizado para hoje um encontro em território neutro, oferecido pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).
Fonte: Folha - UOL