Política

COP26: em clima de urgência e pressão crescentes, cúpula começa neste domingo





Países reúnem-se na Escócia cobrados a estabelecer metas mais ambiciosas contra mudanças climáticas. Brasil tenta melhorar imagem perante o mundo

Tem início neste domingo (31) mais uma COP (sigla para Conferência das Partes), a cúpula climática da Organização das Nações Unidas (ONU) que, em sua 26ª edição e sob contexto pandêmico, acontece com um tom de urgência ainda mais incisivo do que nos anos anteriores.

Sediada neste ano em Glasgow, na Escócia, após ter sido cancelada em 2020 por conta da pandemia, a conferência volta com diversos painéis de debate, espalhados até o dia 12 de novembro, como parte das negociações entre os 197 países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), que viabiliza a elaboração anual das COPs desde 1995.

Na conferência, os países reúnem-se com o propósito de debater a redução de emissão de gases poluentes na atmosfera, embasados nos mais recentes dados científicos que monitoram os impactos atuais e futuros do aquecimento global.

Até o fim do evento, há desde encontros técnicos entre os “negociadores” de cada país, que apresentam os últimos dados, metas e ambições em reuniões de portas fechadas entre ministros da Economia e diplomatas, até workshops com a sociedade civil e declarações de compromissos públicos por parte dos presidentes e primeiros-ministros – o que ocorrerá, na COP26, ao longo dos três primeiros dias de evento.

Nesse contexto, os diferentes papéis históricos de cada nação signatária da UNFCCC sobre a emissão de gases estufa na atmosfera são centrais ao longo de todo o debate. O produto e as conclusões finais, como um novo acordo ou novas metas, são anunciados no último dia de evento.

Até o momento, está prevista a presença de líderes como Joe Biden (Estados Unidos), Emmanuel Macron (França), Narendra Modi (Índia), Boris Johnson(Reino Unido), Naftali Bennet (Israel), Moon Jae-In (Coreia do Sul), Iván Duque(Colômbia), Alberto Fernández (Argentina), entre outros.

presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não irá comparecer, assim como Xi Jinping (China), Vladimir Putin (Rússia) e Fumio Kishida (Japão). O Brasil será representado por uma comitiva do governo federal chefiada pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite.

Além disso, ao menos 13 governadores estaduais participarão presencialmente da COP26, segundo levantamento feito pela CNN. Nas agendas divulgadas, estão encontros com investidores de diferentes países e a presença em debates sobre adaptação das cidades aos “extremos climáticos”, como secas prolongadas ou ondas de frio intensas, por exemplo.

“COP da Ação”

Apesar da agenda atribulada e das incertezas sobre o que será acordado ao fim, os países integrantes da COP26 devem ser cobrados por mobilização mais contundente contra as mudanças climáticas e por colocar em prática estratégias desenhadas no histórico Acordo de Paris, de 2015.

Nele, foi definido como imperativo limitar o aumento de temperatura do planeta em 1,5 ºC em relação aos níveis pré-industriais. Para isso, todos os países voluntariamente definiram metas, chamadas de Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, da sigla em inglês), com suas ambições envolvendo o corte de emissões de carbono.

O Acordo de Paris também tratou da desigualdade global: ele visou estabelecer um fundo anual de US$ 100 bilhões para nações pobres e em desenvolvimento conseguirem desenvolver políticas de redução das emissões e adaptação às consequências das alterações no clima, como o aumento do nível dos oceanos.

Protestos antes do início da COP26, em Glasgow, na EscóciaProtestos antes do início da COP26, em Glasgow, na Escócia / Foto: Ian Forsyth/Getty Images (30.out.2021)

O fundo, porém, não foi regulamentado até hoje e, por isso, deve ser um dos focos da COP26.

Com todas as discrepâncias entre os perfis dos países postas à mesa, as conclusões da ciência sobre o que deve ser feito para evitar uma catástrofe climática são diretas: apenas zerando a emissão de carbono na atmosfera que o planeta poderá ter uma chance, diz o relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), órgão que compila estudos sobre o tema para a ONU.

A COP26 terá como grande balizador o último relatório do IPCC, publicado em julho de 2021. Segundo ele, os esforços para não ultrapassar o aquecimento médio do planeta em 1,5 ºC se tornaram impossíveis.

“Em todos os cenários, a marca de 1,5 ºC, limite mais ambicioso do Acordo de Paris, deve ser ultrapassada entre 2021 e 2040. Cada meio grau a mais de aquecimento aumenta a frequência de ondas de calor, tempestades e secas que afetam a agricultura. Mesmo com o aquecimento global estabilizado em 1,5 ºC, eventos extremos sem precedentes no registro histórico deverão acontecer”, registrou o IPCC.

Os efeitos do aquecimento vão do derretimento de calotas polares até impactos permanentes na produção de comida dentro do Brasil, uma abrangência tamanha que já desassociou as alterações climáticas de um determinado “nicho” temático, avalia Mercedes Bustamante, ecologista e professora da Universidade de Brasília.

“As mudanças climáticas vão afetar muitos setores estratégicos do Brasil. É preciso ter a discussão de como a gente vai lidar com esses impactos econômicos e sociais e qual será a alocação de recursos para resolver as deficiências que o Brasil já tem, como a segurança energética, hídrica e alimentar. São todas discussões de médio a longo prazo.”

As consequências mapeadas pelo IPCC

Além disso, pela primeira vez, o IPCC traçou um mapa geográfico de riscos com os efeitos extremos, e apontou o Nordeste brasileiro como alvo de tais alterações.

“Algumas regiões semiáridas e a chamada Região da Monção da América do Sul, que compreende parte do Centro-Oeste brasileiro, da Amazônia, da Bolívia e do Peru, deverão ter os maiores aumentos de temperatura nos dias mais quentes do ano – até duas vezes mais que a taxa de aquecimento global”, alertaram os cientistas.

“Com uma estação mais prolongada e maior demora para entrada do período chuvoso, há um impacto direto sobre a atividade econômica principal na região [Centro-Oeste] que é a agricultura”, diz Mercedes.

De acordo com a ecologista, o relatório do ICC mostra que, nos piores cenários, a plantação de milho e soja ficará inviabilizada em estados como Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

Para Thelma Krug, ex-diretora do departamento de Políticas para Controle do Desmatamento e pesquisadora aposentada do Inpe, o relatório é um dos mais robustos já produzidos até hoje em termos técnicos. Isso, diz ela, corrobora para que os países sejam mais ambiciosos.

Thelma defende que a ambição vale especialmente para o Brasil, que deve visar sua viabilidade enquanto potência ambiental.

Nos últimos anos, o Brasil tem sido cobrado publicamente por líderes mundiais, empresas e até fundos de investimento acerca do aumento no desmatamento e queimadas na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal.

O governo federal, no entanto, rebate as críticas e recorre a argumentos como a matriz energética do país – baseada principalmente em hidrelétricas, mais limpas do que alternativas como as termelétricas –, cobrando as nações desenvolvidas a pagarem sua fatia do que havia sido estabelecido no Acordo de Paris.

O tema foi abordado pelo presidente Bolsonaro na última Assembleia-Geral da ONU. “O Brasil já é um exemplo na geração de energia, com 83% advinda de fontes renováveis. Por ocasião da COP26, buscaremos consenso sobre as regras do mercado de crédito de carbono global. Esperamos que os países industrializados cumpram efetivamente seus compromissos com o financiamento de clima em volumes relevantes”, disse Bolsonaro.

Apesar de concordar que os países desenvolvidos devam cumprir sua parte no acordo, Thelma destaca que os indicativos do desmatamento nos últimos anos mostram um país que, na prática, não tem conseguido manter bons indicadores para atrair investimentos e inspirar maior confiança no cenário internacional.

“Eu concordo que o Brasil vá pedir dinheiro, essa questão dos países desenvolvidos ajudarem os países em desenvolvimento já estava posta desde a criação da convenção do clima”, afirma. “O que não é natural é achar que, mesmo sem um plano ou resultados, você pode pedir dinheiro”, completa.

 

Desmatamento, o maior problema brasileiro

Tanto Thelma Krug como Mercedes Bustamante apontam os atuais índices de desmatamento no Brasil como os mais preocupantes para o país no cenário das mudanças climáticas em nível local.

Segundo um levantamento divulgado pelo Observatório do Clima na quinta-feira (28), em 2020 foram emitidos 782 milhões de toneladas de COsó em decorrência das intervenções humanas no solo amazônico. Entre a implementação da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), em 2009, e o ano de 2020, o desmate acumulado foi 176% maior do que a meta estipulada originalmente.

Os dados dos anos mais recentes também mostram uma tendência de aumento na devastação da maior floresta tropical do mundo. Entre agosto de 2019 e julho de 2020, segundo dados do Inpe, a Amazônia brasileira perdeu 11.088 km² quadrados de área, o número mais alto dos últimos 12 anos.

“Em relação a 2010, quando foi definida a meta da PNMC, as emissões brasileiras aumentaram 23%. Continuamos com o desmatamento dominando nossas emissões brutas e, o pior, com tendência de alta nas emissões no ano em que deveríamos começar a cumprir as metas do Acordo de Paris”, disse Tasso Azevedo, coordenador do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), a comentar os dados que atribuem ao uso de terra a maior parte das emissões brasileiras.

O “calcanhar de Aquiles” do país também pode ser um entrave em uma das negociações-chave da cúpula do clima: a regulação de um mercado de carbono entre os países que envolva também o setor privado.

O Artigo 6 do Acordo de Paris estabelece que países podem criar mecanismos para “negociar” emissões de carbono e, dessa forma, colaborar para que todos alcancem suas NDCs. Assim, nações que emitem mais poluentes por possuírem uma base energética de termelétricas, por exemplo, poderiam pagar “créditos” a outra nação para que o recurso seja investido na preservação de florestas, grandes captadoras de carbono na atmosfera.

No momento, os países já podem traçar acordos bilaterais sobre créditos de carbono – um exemplo é o firmado entre a Suíça e o Peru. No entanto, para que o setor público e o privado possam atuar conjuntamente e com uma base comum de balanço de carbono emitido e absorvido em todo o mundo, é necessária uma regulamentação. A expectativa é que a COP26 possa estabelecer essas regras.

Para Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e estudiosa de longa data sobre uma regulação dos mercados de carbono no mundo, o Brasil precisa mostrar que pode preservar a Amazônia de forma contundente para que seja visto como um país promissor quando todos os mecanismos estiverem definidos.

“Existe uma corrida em curso para uma economia de baixo carbono, e o Brasil é uma potência ambiental. Poucos países conseguem reduzir as emissões sozinhos, e aqui a gente pode fazer isso sem o uso de novas tecnologias. É uma vantagem competitiva que o país tem”, afirma

Grossi, que tem grande contato com o empresariado brasileiro, afirma também que a imagem do Brasil sofreu um desgaste quando o tema é sustentabilidade. Com isso, há um incômodo do setor privado que, desde o Acordo de Paris e a popularização dos temas, toma como novo arcabouço para os negócios o que é resumido na sigla ESG: meio ambiente, social e governança.

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    Grupos de peregrinação caminharam até a sede da COP26, em Glasgow, na Escócia; eles são acompanhados por membros do grupo Extinction Rebellion

    Crédito: Foto: Ian Forsyth/Getty Images (30.out.2021)

Em setembro, uma carta articulada pelo CEBDS reuniu a assinatura de 100 grandes empresas firmando, com medidas concretas, compromissos de combater a emissão de carbono e as mudanças climáticas no mundo.

“O Brasil tem uma grande vantagem porque nós somos mais limpos na indústria do que o resto do mundo – nossa energia provém sobretudo de hidrelétricas. O nosso grande problema de emissão é o desmatamento ilegal. Se a gente amplia a agricultura de baixo carbono e acaba com o desmatamento, resolvemos muito mais facilmente nosso compromisso”, diz.

A atração do setor privado para participar dos planos brasileiros envolvendo a consolidação de uma “economia verde” tem sido um dos focos do ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, conforme afirmado pelo próprio em entrevista ao programa Voz do Brasil na quarta-feira (27).

“O Brasil vai buscar [na COP26] consenso em temas relevantes, como o financiamento climático. Encontrada a solução, nada melhor que um crescimento verde, para que a gente faça uma transição para uma economia verde – neutra em emissões até 2050, como é a meta brasileira”, afirmou Joaquim Leite. “A iniciativa privada está totalmente de acordo com essa transição”, acrescentou.

Dias antes, Leite reuniu-se com Bolsonaro e ministros como Paulo Guedes(Economia) e Tereza Cristina (Agricultura) para anunciar a criação do Programa Nacional de Crescimento Verde, com foco em “aliar redução das emissões de carbono, conservação de florestas e uso racional de recursos naturais com geração de emprego verde e crescimento econômico, melhorando assim a condição de vida da população brasileira”, segundo divulgado pelo governo.

Para além da economia

Apesar das pautas regulatórias receberem grande atenção, a COP26 também deve contar com uma grande quantidade de ativistas climáticos, especialmente após ficar provado para o mundo que os mais prejudicados pelos extremos e suas possíveis consequências – como pandemias – são os mais vulneráveis.

A ativista brasiliense Paloma Costa já está acostumada ao rito diplomático e burocrático das reuniões, já que, no ano passado, ela foi nomeada como conselheira do secretário-geral da ONU, António Guterres.

Para ela, um assunto prioritário da COP26 deveria ser discutir a inserção de educação ambiental no currículo escolar comum, a partir de um ponto de vista múltiplo, que envolva saberes tradicionais e dos povos indígenas, por exemplo, como parte da solução.

Discussões nesse âmbito foram feitas em eventos da chamada pré-COP, uma reunião preparatória sediada neste ano em Madri, na Espanha, para estabelecer as principais prioridades em cada linha de ação – no caso de Paloma, na estratégia que será tomada pela juventude global ativista durante a COP26.

“Nossa principal agenda envolve conservação e preservação florestal pela diminuição do desmatamento, mas, na pré-COP, focamos muito na educação climática. Participei de um evento com ministros da Educação e a gente trouxe muito forte essa agenda de trazer uma educação voltada para o clima para nossos currículos tradicionais”, afirma.

Com a proximidade da reunião e da atuação da delegação brasileira, Costa diz estar reticente sobre o que deve ser apresentado enquanto meta. Um dos embates entre ativistas brasileiros e o governo federal é a construção das atuais NDCs brasileiras.

Conforme estabelecido pelo Acordo de Paris, os países precisam atualizar suas metas de redução de carbono a cada 5 anos. Em 2015, a primeira NDC foi submetida durante a consolidação do Acordo. Em dezembro de 2020, o Brasil submeteu à ONU sua segunda atualização, que acabou sendo acusada de ter realizado “pedaladas climáticas” para permitir que o país emitisse mais gases do que o previsto.

Na atualização da NDC, o governo reafirmou a mesma meta de reduzir em 43%, até 2030, as emissões de carbono com base no que foi emitido em 2005. No entanto, fez um novo cálculo para o total de carbono liberado na atmosfera no ano base, o que acabou por elevar, proporcionalmente, o total possível de emissões líquidas para 1,6 bilhão de toneladas em 2030.

“Os planos que o Brasil pretende apresentar não refletem nossa possibilidade como país”, lamenta Costa.

Para a ativista maranhense Karina Penha, que também estará presencialmente na COP26,  os países deveriam associar debates sobre a adaptação aos extremos climáticos aos direitos humanos como um todo. “A última coisa que eles discutem é o artigo que trata sobre adaptação, mitigação e toca em direitos humanos. A governança ambiental popular tenta influenciar líderes e embaixadores nesse assunto”, afirma.

Afinal, explica a ativista, apesar da COP26 ser mais uma cúpula dentro de um longo histórico internacional de lutas contra as mudanças climáticas, os afetados precisam saber das grandes decisões que envolvem suas vidas.

“A gente tem sentido esses efeitos extremos no Brasil e no mundo, pessoas morrendo de calor ou frio, nevasca no Sul do Brasil e calor extremo aqui no Maranhão, tudo isso leva as pessoas começarem a se perguntar sobre como as coisas estão conectadas”, diz.

“As questões climáticas trazem pra gente esse grande aspecto da desigualdade. Quem menos emite é quem mais paga a conta. Eu espero que o Brasil busque discutir direitos socioambientais com um olhar para as comunidades mais afetadas”.

- Chances de sucesso da COP26 são de 60%, diz Boris Johnson

Primeiro-ministro britânico, Boris Johnson.

O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson que estima em cerca de 60% as chances de haver um resultado positivo na cúpula sobre mudanças climáticas da ONU, a COP26, que será realizada em Glasgow, na Escócia.

O Reino Unido espera que a cúpula em Glasgow, que começa hoje (31), adote planos para o mundo se aproximar da meta de limitar o crescimento médio da temperatura global em 1,5 grau Celsius acima dos níveis pré-industriais e chegar a um saldo zero em emissões de carbono até 2050.

Questionado se ainda estimava as chances de sucesso em Glasgow em seis numa escala até dez, como fez em setembro, Johnson afirmou à BBC que "eu diria que é mais ou menos a mesma coisa".

"O que precisamos fazer é garantir que, na cúpula da COP na próxima semana, os líderes mundiais se reúnam e façam compromissos que são necessários", disse, em Roma, onde comparece a uma reunião dos líderes dos países que formam o G20.

Fonte: CNN Brasil - Agência Brasil