Cultura

Papa: as crises conjugais não são uma maldição, mas uma oportunidade





Ao encontrar na Sala Paulo VI os membros da Associação Retrouvaille, o Papa recorda o valor das feridas familiares que, se colocadas a serviço dos outros, ajudam a curar quem as vivencia. Salienta que a crise faz parte da história da salvação e convida a «perder tempo» para acompanhar os cônjuges com paciência, respeito e disponibilidade.

Antonella Palermo - Cidade do Vaticano

Na Sala Paulo VI, Francisco encontra no final da manhã deste sábado, 6, cerca de 600 pessoas ligadas à Associação Retrouvaille, um serviço experencial oferecido a casais ​​ou conviventes que sofrem graves problemas de relacionamento, que estão prestes a se separar ou já separados ou divorciados, e que pretendem reconstruir seu relacionamento amoroso, trabalhando para salvar seu matrimônio em crise, ferido e dilacerado.

Antes do encontro com o Santo Padre, houve espaço para alguns testemunhos e também para a escuta de Fr. Marco Vianelli, há dois anos diretor do Escritório para a Família da Conferência Episcopal Italiana. O sacerdote lembra que a experiência de acompanhamento das famílias feridas é um recurso precioso, porque das feridas surgem na maioria das vezes lacunas. 

Tenham medo do conflito, não das crises

Dirigindo-se aos representantes presentes na Sala Paulo VI, o Papa saúda este "encontro" precisamente durante o Ano da Família Amoris Laetitia. O que devemos temer é cair no conflito - sublinha Francisco - porque é difícil encontrar uma solução no conflito. “Por outro lado, a crise te faz dançar um pouco, às vezes te faz ouvir coisas ruins, mas da crise se pode sair, desde que dela se saia melhor”. E acrescenta que dificilmente se pode sair sozinho da crise. Portanto exorta, saindo do discurso escrito, a não ter medo da crise, mas sim temer o conflito.

Crises conjugais como oportunidade

O Papa se detém imediatamente na palavra crise que o período pandêmico infelizmente nos tornou familiar. A crise é considerada pelo Papa como “uma oportunidade de dar um salto qualitativo nas relações”. E faz referência à Exortação Amoris laetitia na parte dedicada às crises familiares (cf. 232-238). Leva em consideração então, com base nas experiências dos casais, a outra palavra-chave: feridas.

Porque as crises das pessoas produzem feridas, chagas no coração e na carne. “Feridas” é uma palavra-chave para vocês, faz parte do vocabulário diário da Retrouvaille. Faz parte da sua história: de fato, vocês são casais feridos que passaram pela crise e estão curados; e precisamente por isso são capazes de ajudar outros casais feridos. Vocês não abandonaram, você não foram embora. Vocês pegaram nas mãos a crise para buscar uma solução.

As feridas dos casais, um dom a ser compartilhado

Francisco agradece a Retrouvaille porque a experiência vivida pelos cônjuges é colocada a serviço dos outros. E fala de “um dom precioso quer a nível pessoal como eclesial”, e agradece porque é um gesto que faz crescer e amadurecer outros casais.

Hoje há tanta necessidade de pessoas, de cônjuges que saibam testemunhar que a crise não é uma maldição, faz parte do caminho e constitui uma oportunidade.

Aqui, mais uma vez saindo do discurso preparado, o Papa insiste que também os padres, os bispos devem trilhar este caminho, o de considerar a crise como uma oportunidade. “Pelo contrário - diz ele - seríamos padres e bispos fechados em nós mesmos, sem um diálogo real com as outras pessoas”.

Mas, para ter credibilidade, é preciso ter experimentado isso. Não pode ser um discurso teórico, uma "exortação piedosa"; não seria credível. Em vez disso, vocês levam um testemunho de vida. Estavam em crise, estavam feridos; graças a Deus e com a ajuda de seus irmãos e irmãs vocês estão curados; e decidiram partilhar a sua experiência, colocá-la ao serviço dos outros.

O Papa então menciona os dois textos bíblicos, do Bom Samaritano e de Jesus ressuscitado, que mostra suas chagas aos discípulos. São passagens do Evangelho que a Associação considera correlatas e cuja justaposição - observa Francisco - o ajudou a ver melhor que a ligação entre essas duas figuras "passa pelas feridas, chagas".

No personagem do Bom Samaritano, sempre foi reconhecido Jesus, desde os escritos dos Padres da Igreja. A experiência de vocês ajuda a ver que aquele samaritano é o Cristo Ressuscitado, que conserva no próprio corpo glorioso as chagas e precisamente por isso pode - como diz a Carta aos Hebreus - sentir compaixão por aquele homem ferido abandonado ao longo do caminho, pelas feridas de todos nós.

Os cônjuges, protagonistas de uma comunidade que "acompanha"

No centro do discurso do Papa está também a palavra acompanhar, "uma das palavras mais importantes no processo sinodal sobre a família de 2014-2015" e que constitui - afirma o Pontífice - a primeira resposta à realidade de tantos casais em dificuldade ou já divididos.

A ênfase aqui é que este compromisso diz respeito obviamente ao ministério dos pastores, “mas envolve também em primeira pessoa os cônjuges, como protagonistas de uma comunidade que os acompanha”.

O Papa elogia a experiência de Retrouvaille também porque nasceu "de baixo", na escuta do Espírito Santo que "desperta na Igreja novas realidades que respondem a novas necessidades". A conclusão do discurso do Papa é confiada à imagem de Jesus ressuscitado com os discípulos de Emaús, que se coloca a caminho ao lado deles, ao longo da estrada, sem ser reconhecido:

Ouve sua crise os convida a contar, a se expressar. E então os desperta de sua insensatez, surpreende-os revelando-lhes uma perspectiva diferente, que já existia, já estava escrita, mas eles não tinham entendido: eles não tinham compreendido que Cristo tinha que sofrer e morrer na cruz, que a crise faz parte da história da salvação ...

O Papa insiste neste aspecto e o diz duas vezes: a crise faz parte da história da salvação. E acrescenta: A vida humana não é uma vida de laboratório, nem uma vida asséptica, como que banhada em álcool. A vida humana é uma vida de crise com todos os problemas de cada dia ... Depois, volta ao cenário bíblico:

E então aquele homem, aquele caminhante para para comer com eles, fica com eles: ele perde tempo com eles. Acompanhar significa “perder tempo” para ficar perto às situações de crise. E muitas vezes é preciso muito tempo, é preciso paciência, respeito, disponibilidade… Tudo isso é acompanhar. E vocês o sabem bem.

Confira outras notícias:

- Radio Vaticano: 60 anos de emissão em ondas curtas para a África

A 6 de novembro de 1961 eram inauguradas, com uma rádio-mensagem do Papa João XXIII, as emissões em ondas curtas para a África.

“Veneráveis irmãos e diletos filhos do Continente Africano.” Assim se dirigia o Papa João XXIII aos povos africanos, no dia em que eram inauguradas emissões regulares e quotidianas em árabe, inglês, francês, português e swahili para a África. Foi a 6 de novembro de 1961, há precisamente 60 anos. O grande Centro Transmissor da Rádio Vaticano em Santa Maria di Galeria (a cerca de 10 km do Vaticano) inaugurado em 1957, acabava de ser potencializado – graças a uma doação dos fiéis da Arquidiocese alemã de Colónia -  com um novo transmissor Telefunken de 100KW para a África. O Papa exprimia então a sua grande alegria e confiava às ondas-rádio a sua mensagem para cada uma das nações africanas, em relação às quais – dizia em plural majestático: “sempre nutrimos sentimentos de particular benevolência pela vossa terra e pelos povos que a habitam, nos quais são depositadas grandes esperanças.”

Falando em latim, “o Papa Bom”, como era chamado João XXIII, recordou os vínculos que o ligavam “à querida gente da África” e que conservava com alegria no seu coração. Mencionava os encontros, ainda adolescente, com personalidades sinceramente amigas e beneméritas da África, a visita que efetuou em 1950 com grande admiração às regiões marítimas da África setentrional, onde “céu e terra resplandecem em toda a sua beleza”, e a ainda a recíproca satisfação pelos numerosos encontros em Paris e Roma, vértice e centro da Igreja Católica, com muitos africanos. E antevia, com alegria, futuros e amplos encontros dessa natureza.

João XXIII dizia ainda que não o abandonava nunca a recordação dos dias em que ele próprio conferiu a numerosos bispos da África a plenitude do sacerdócio. No momento em que lhes deu, conforme o rito, o beijo de paz, teve a sensação – afirmou – “de abraçar e de beijar todos os povos da África, isto é, vós, repetimos, vós, diletos filhos”.

E foi com o ânimo cheio de recordações que João XXIII se dirigiu aos africanos e, não obstante as distâncias, declarava sentir como se estivesse no meio deles para lhes exprimir de coração os seus melhores votos.

“Floresça nas vossas famílias e nas vossas nações uma verdadeira e estável felicidade; haja nos lares a honra e a santidade e sejam custodiadas pelo vínculo do amor recíproco, consolidadas pela fidelidade, alegradas pela fecundidade; cresçam os jovens no respeito da retidão e da justiça, e as suas energias físicas sejam enriquecidas com os dotes de ânimo. Que todas as classes sociais se empenhem em favorecer e promover, com assiduidade, o bem-estar do próprio país; o dom celeste da paz sorria aos vossos povos a fim de que, restabelecida por todo o lado a tranquila segurança, possais gozar em abundância dos frutos da alegria, da paz, da verdadeira liberdade.

O Papa exortava esses seus “irmãos caríssimos e desejadíssimos” a se manterem firmes – como São Paulo – no Senhor e exprimia o desejo de que a paz de Deus que ultrapassa qualquer entendimento, protegesse os seus corações e as suas mentes em Jesus Cristo. E concluía:

“Este o augúrio que hoje com alegria vos dirijo: acolhei-o como penhor do Nosso particular afeto. E por fim, implorando para vós de todo o coração a ajuda de Deus omnipotente, invocamos sobre cada um de vós todo o bem e toda a felicidade. A graça, a misericórdia, a paz, as celestiais consolações estejam com todos vós.”

Esta, a mensagem com que o Papa inaugurava as emissões em ondas curtas para a África há 60 anos. Na cerimónia de inauguração participou também o Cardeal Giuseppe Frings, Arcebispo de Colónia que benzeu o novo transmissor doado pelos fiéis da sua Diocese. Também ele dirigiu uma saudação aos povos africanos. A cerimónia concluiu-se com uma saudação do então Diretor da Rádio Vaticano, P. António Stefanizzi, sacerdote jesuíta, que anunciou as emissões regulares a que isso ia dar lugar em ondas curtas para a África. 

Tanto as emissões da Rádio Vaticano nesse dia, como o jornal do Vaticano "L'Osservatore Romano" deram grande ênfase ao evento, como se vê na foto. 

- Beatificados três mártires mortos durante a Guerra Civil espanhola

O cardeal Marcello Semeraro presidiu em Manresa a Missa de beatificação de Benet de Santa Coloma De Gramenet e dois companheiros. “Os três - recordou o prefeito da Congregação para as Causas dos Santos - foram condenados à morte sem julgamento, mas somente por serem cristãos”.

Amedeo Lomonaco - Cidade do Vaticano

Em 6 de novembro, a Igreja espanhola celebra 2053 mártires da perseguição religiosa ocorrida no país no século XX. Neste sábado, foram elevados às honras dos altares Benet de Santa Coloma De Gramenet, Josep Oriol de Barcelona e Domènec de Sant Pere de Ruidebitllets, da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos.

Mártires em 1936 durante a Guerra Civil Espanhola, viveram em um período marcado por um clima hostil contra a Igreja. Episódios de perseguição foram registrados no país já desde o início da década de 1930 na região das Astúrias. Mas é com a eclosão da guerra civil que a perseguição contra a Igreja se torna sistemática e feroz.

Em Manresa, na Catalunha, a partir de 18 de julho de 1936, começa uma perseguição sangrenta contra sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos. Quatro dias depois, em 22 de julho de 1936, o convento onde vivia Benet de Santa Coloma de Gramenet, Josep Oriol de Barcelona e Domènec de Sant Pere de Ruidebitllets foi ocupado, devastado e incendiado. Obrigados a se refugiar com parentes e amigos, os três frades capuchinhos, em datas diferentes e em circunstâncias semelhantes, foram sequestrados, torturados e assassinados.

Semeraro: no rosto de cada mártir um traço de Cristo 

Durante a Missa de beatificação na Basílica de Santa Maria de la Seu, em Manresa, o prefeito da Congregação para as Causas dos Santos, cardeal Marcello Semeraro, recordou que "os três foram executados sem julgamento, mas simplesmente por serem cristãos". Quando estourou a Guerra Civil, "foram capturados", submetidos a "espancamentos e humilhações". Ao padre Benet foi "pedido que blasfemasse e negasse a fé em Cristo".

“De forma que, no rosto de cada mártir - acrescentou o cardeal Semeraro - encontramos um modelo original do qual intuir um traço do rosto de Cristo: é sempre Ele, de fato, quem concede a cada um a firmeza da perseverança e dá a vitória no combate". Os três novos beatos, por caminhos diferentes, chegaram a Manresa onde suas vidas se entrelaçaram com o caminho do martírio.

“Bem-aventurados sois vós, porque o Espírito de glória, o Espírito de Deus repousa sobre vós; [...] "Se, porém, padecer como cristão, não se envergonhe; pelo contrário, glorifique a Deus por ter esse nome." (1 Pd 4, 14,16)”

Benet de Santa Coloma de Gramenet

Nascido na aldeia de Santa Coloma de Gramenet em 6 de setembro de 1892 em uma família camponesa humilde e profundamente católica, Benet sentiu o chamado ao sacerdócio em 1903 e ingressou no Seminário Menor de Barcelona. Depois de alguns anos, vestiu o hábito capuchinho em 18 de fevereiro de 1909 no noviciado da Província de Barcelona de Arenys de Mar e emitiu a primeira profissão em 20 de fevereiro de 1910. Foi ordenado sacerdote em 29 de maio de 1915. A vida religiosa se desenvolveu dentro das duas casas de formação de Igualada e de Manresa.

Josep Oriol de Barcelona 

Nascido em Barcelona em 25 de julho de 1891 Josep Oriol ingressa no seminário da cidade catalã. Sentindo forte atração pela vida capuchinha, em 21 de outubro de 1906 iniciou o noviciado, continuando a formação no convento de Igualada e posteriormente no de Olot e Sarriá em Barcelona. Foi ordenado sacerdote em 29 de maio de 1915. Leciona liturgia, hebraico e história eclesiástica no estúdio teológico de Sarriá. Em 1925 foi transferido para o convento de Manresa. Lá se dedica à pregação, ao ministério da confissão e à direção espiritual.

Domènec de Sant Pere de Ruidebitllets

Nascido em 11 de dezembro de 1882 em uma família de camponeses, Domènec ingressou no Seminário de Barcelona em 1897. Concluiu os estudos filosófico-teológicos e foi ordenado sacerdote em 25 de maio de 1907. No ano seguinte, 3 de outubro de 1908, entrou no noviciado capuchinho. Durante o período da formação inicial na vida capuchinha, dedicou-se frutuosamente à pregação e ao ministério da confissão. Em 1913, ele foi como missionário para a Costa Rica e Nicarágua. Regressou então à Catalunha em 1930. Foi enviado primeiro ao convento de Sarriá, depois ao de Arenys de Mar e por último ao de Manresa.

-Papa: as culturas autorreferenciais adoecem. A vida é a arte do encontro

"A vida é a arte do encontro. As culturas adoecem quando se tornam autorreferenciais, quando perdem a curiosidade e a abertura ao outro. Quando excluem ao invés de integrar”, disse o Papa ao inaugurar a Sala de Exposição da Biblioteca Apostólica Vaticana.

Bianca Fraccalvieri - Cidade do Vaticano

No final da tarde desta sexta-feira, o Papa Francisco participou da inauguração da Sala de Exposição da Biblioteca Apostólica Vaticana.

O Pontífice dedicou o seu discurso ao tema do “valor da beleza”, que não é uma ilusão fugaz de uma aparência ou de um ornamento. Pelo contrário, nasce da raiz da bondade, da verdade e da justiça, que são os seus sinônimos. O Papa se inspirou nos Evangelhos para extrair o significado mais autêntico deste conceito. Em João, o adjetivo “kalòs” (belo) é usado exclusivamente em referência a Jesus e à sua missão. Já em Mateus, Cristo fala da beleza dos seus discípulos.

Para Francisco, não devemos deixar de pensar e falar da beleza, pois não só de pão vive o coração do homem: “Necessita também de cultura, daquilo que toca a alma, que reaproxima o ser humano à sua profunda dignidade”. Por isso, os votos do Pontífice são para que o novo espaço da Biblioteca faça resplandecer a luz não só da ciência, mas também da beleza.

A vida é a arte do encontro

A mostra inaugural faz uma reflexão a partir da encíclica “Fratelli tutti”, intitulada “Todos. Humanidade em caminho”, com obras do artista contemporâneo italiano Pietro Ruffo, que foram elogiadas pelo Papa.

“Aprecio esta aposta de realizar um diálogo. A vida é a arte do encontro. As culturas adoecem quando se tornam autorreferenciais, quando perdem a curiosidade e a abertura ao outro. Quando excluem ao invés de integrar.”

Francisco então questiona qual seria a vantagem de ser guardiães das fronteiras ao invés de guardiães dos nossos irmãos. “A pergunta que Deus nos repete é esta: Onde está o seu irmão?”

A lógica estéril dos "blocos fechados"

Portanto, o mundo necessita de novos mapas para redescobrir o sentido da fraternidade, da amizade social e do bem comum. “A lógica dos blocos fechados é estéril e repleta de equívocos. Precisamos de uma nova beleza, que não seja mais o reflexo sempre igual do poder de alguns, mas o mosaico corajoso da diversidade de todos.”

Ao citar uma expressão típica do seu pontificado, “Igreja em saída”, o Papa concluiu seu discurso afirmando que conta com a contribuição da Biblioteca Apostólica para traduzir o depósito do cristianismo e a riqueza do humanismo nas linguagens de hoje e de amanhã. Pois a responsabilidade da Igreja, afirmou, é manter vivas as raízes, a memória, sempre orientada, porém, para as flores e para os frutos.   

Fonte: Vatican News