Política

Juíza federal afasta presidente do Iphan após fala de Bolsonaro sobre Hang





A Justiça Federal no Rio de Janeiro determinou, em decisão liminar, o afastamento da presidente do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), Larissa Peixoto Dutra, neste sábado (18). Na última semana, o presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou que fez trocas na direção do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) ao receber reclamações de Luciano Hang, dono da rede de lojas de departamentos e apoiador ferrenho do político, após a descoberta de "azulejos" em uma obra de uma loja do empresário. O MPF (Ministério Público Federal) então pediu o afastamento da presidente.

"Com efeito, no exercício de suas funções, o atual Exmo. Presidente da República admitiu que, após ter tomado conhecimento de que uma obra realizada por Luciano Hang, empresário e notório apoiador do governo, teria sido paralisada por ordem do Iphan, procedeu à substituição da direção da referida autarquia, de modo a viabilizar a continuidade da obra. As falas supratranscritas sugerem, ao menos em um juízo de cognição sumária, uma relação de causa e efeito entre as exigências que vinham sendo impostas pelo Iphan à continuidade das obras do empresário e a destituição da então dirigente da entidade", escreveu a juíza federal substituta Mariana Cunha, da 28ª Vara Federal do Rio de Janeiro.

Em seguida, a magistrada registrou que as declarações do presidente "sinalizavam, desde a reunião interministerial realizada em 22 de abril de 2020, a intenção de substituir a presidência da autarquia com o propósito não de acautelar o patrimônio cultural brasileiro, mas de promover o favorecimento pessoal de interesses específicos de pessoas e instituições alinhadas à agenda governamental".

A juíza também ressaltou que "a nomeação da nova presidente do Iphan, com efeito, operou-se em 11 de maio de 2020, poucos dias após a reunião. As declarações supervenientes do Exmo. Sr. Presidente da República, as quais sugerem a efetiva motivação do ato, foram veiculadas na data de ontem, 16/12/2021". Com isso, a magistrada justificou a decisão de suspender a nomeação de Larissa Dutra e afastá-la das funções.

Neste sábado, o UOL mostrou que vinte achados arqueológicos foram encontrados no terreno onde foi construído a Havan, em Rio Grande (RS), a 317 km de Porto Alegre. Entre eles estão cerâmicas pré-coloniais de dois tipos diferentes - uma delas de indígenas tupi-guaranis - e pedaços de louças fabricadas no final do século 19. Hoje o material está guardado na Furg (Universidade Federal do Rio Grande).

A decisão do afastamento da presidente do Iphan ocorreu dentro de uma ação popular movida pelo deputado federal Marcelo Calero no ano passado e que já tinha resultado em um afastamento de Larissa Dutra. No entanto, posteriormente, a primeira decisão acabou cassada. Com as declarações de Bolsonaro essa semana, o MPF fez novo pedido. Calero agora está afastado do mandato porque se tornou secretário de Governo e Integridade Pública da Prefeitura do Rio.

 

- AGU recorre de decisão que afastou presidente do Iphan

 

A AGU pediu neste sábado (18.dez.2021) à Justiça Federal do Rio de Janeiro para suspender a decisão que afastou do cargo a presidente do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), Larissa Rodrigues Peixoto.

 

Na 6ª feira (17.dez), a juíza Mariana Tomaz da Cunha, da 28ª Vara Federal do Rio de Janeiro, decidiu aceitar pedido do MPF (Ministério Público Federal) e suspendeu a nomeação de Peixoto como presidente do instituto.

 

A procuradoria havia baseado o pedido na afirmação do presidente Jair Bolsonaro (PL), na última 4ª feira (15.dez), de que demitiu funcionários do Iphan depois que a autarquia interditou uma obra da Havan, rede varejista do empresário bolsonarista Luciano Hang.

 

Ao recorrer da decisão, a AGU diz que a interpretação da juíza sobre um possível desvio de finalidade na nomeação de Larissa Peixoto não corresponde à realidade. Eis a íntegra do recurso (328 KB).

 

Argumenta que a manifestação técnica conclusiva do Iphan sobre achados de bens arqueológicos na obra da Havan em Rio Grande (RS) ocorreu em 23 de dezembro de 2019. Peixoto foi nomeada presidente da autarquia em 11 de maio de 2020.

 

Na decisão liminar (provisória) que a afastou do cargo, a juíza de 1ª instância escreveu que as falas de Bolsonaro sobre o Iphan supostamente evidenciam que o presidente não tem intenção de proteger o patrimônio cultural brasileiro, mas, sim, de “promover o favorecimento pessoal de interesses específicos de pessoas e instituições alinhadas à agenda governamental”.

 

Há pouco tempo, tomei conhecimento que, uma obra, uma pessoa conhecida, o Luciano Hang, estava fazendo mais uma loja e apareceu um pedaço de azulejo durante as escavações. Chegou o Iphan e interditou a obra. Liguei para o ministro da pasta: ‘Que trem é esse?’, porque eu não sou tão inteligente como meus ministros. ‘O que é Iphan?’, com PH. Explicaram para mim, tomei conhecimento, ripei todo mundo do Iphan. Botei outro cara lá. O Iphan não dá mais dor de cabeça para a gente”, declarou o presidente no evento na Fiesp na última 4ª.

 

Além da suspensão da decisão que afastou Peixoto da presidência do Iphan, a AGU também pede que o efeito da suspensão dure até o trânsito em julgado do processo, ou seja, a sua conclusão em todas as instâncias da Justiça.

 

- Ao atacar o Iphan em 2019, Hang disse que servidores 'destroem o Brasil'

Em uma série de vídeos divulgados em redes sociais em meados de 2019, o empresário Luciano Hang, da cadeia de lojas Havan, atacou servidores do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e acusou servidores públicos de "trabalharem pouco" e "destruírem o Brasil". Os vídeos foram divulgados depois que a obra de construção de uma loja Havan no município de Rio Grande (RS) foi suspensa a partir da localização de 20 fragmentos de cerâmica indígena e louças do século 19, conforme o UOL revelou neste sábado (18).

Na última quarta-feira (15), durante um discurso para empresários da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), o presidente Jair Bolsonarodisse que "ripou" [cortou] funcionários do Iphan por terem apontado os problemas na obra de Hang.

Quatro vídeos com as reclamações de Hang foram baixados da internet pelo MPF (Ministério Público Federal) e integram um inquérito civil aberto pelo órgão no Rio Grande do Sul após um cidadão ter procurado o MPF para pedir providências sobre a obra que ocorria num local "de alto potencial arqueológico".

Cinco meses depois da paralisação da obra, em dezembro de 2019 a presidente do Iphan, Kátia Bogéa, foi exonerada do cargo. Na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, Bolsonaro já havia associado a saída de Bogéa à obra de Hang. Em maio de 2020, Kátia Bogéa confirmou que foi substituída após as pressões de Hang.

Logo depois das reclamações de Hang, a construção foi retomada com autorização do Iphan. A loja em Rio Grande foi inaugurada em julho passado.

Num dos vídeos gravados na época da paralisação, durante uma entrevista no aeroporto da cidade Hang culpou servidores públicos por supostamente "destruírem" o país.

"Então eu vim aqui [Rio Grande] para realmente ver o que está acontecendo. Nós temos pressa. Lamentavelmente as pessoas que trabalham no governo não têm pressa nenhuma com o cidadão. Nós, da iniciativa privada, nós visamos sempre atender bem o nosso cliente. Quem é o cliente do governo? Somos nós. Eles ganham dinheiro dos nossos impostos, da iniciativa privada, do cidadão. Agora, não têm pressa nenhuma. Se precisar demorar mais 15 dias, mais 30 dias, mais um mês, estão empregado [sic], ganhando muito, trabalham pouco, se aposentam cedo e destroem o Brasil. É esse... a realidade brasileira tem que falar a verdade, botar o dedo na ferida senão esse país não vai nunca encontrar o caminho do desenvolvimento", disse Hang.

Em outro vídeo, Hang disse que no dia seguinte estaria em Rio Grande para saber sobre a paralisação da obra. Ele atacou os servidores públicos do Iphan, dizendo que eles ficam com "pernas esticadas" para cima, com "dinheiro no bolso" e "praia".

"Amanhã eu vou estar lá na cidade do Rio Grande. Sabe por que está parado lá? Porque eles encontraram os fragmentos de uma tigela que pode ser de repente de um índio. Pára a obra. Quanto tempo? Não sei, tá lá parada. Eu queria inaugurar essa obra em Rio Grande no final desse ano. Já compramo a obra, terreno, amanhã vou estar lá. Aí o pessoal do Iphan lá sentado, esticado as pernas pra cima [estica a perna], 'vamo pra praia, tranquilo', final do mês o dinheiro no bolso, e você desempregado. Você precisa de dinheiro, você precisa de educação, de saúde, de segurança. Esse país tá virado de cabeça pra baixo."

Em um terceiro vídeo, Hang apresentou fotografias dos pedaços de cerâmica encontrados no terreno de sua obra. Ele disse que "até pode ser de um índio", mas ironizou citando uma loja de cerâmicas de Santa Catarina.

"Estou aqui em Rio Grande, no extremo sul do Rio Grande do Sul. Aqui um terreno de 30 mil metros quadrados que a gente comprou pra fazer mais uma megaloja Havan e queremos inaugurar até novembro. Mas há 15 dias passado [sic], o Iphan, o Instituto do Patrimônio Histórico, veio aqui e encontrou fragmentos como esse na obra. Olha só os fragmentos [mostra fotos] que encontrou na obra. Eu não sei se é louça portuguesa, se é louça lá da [empresa] Oxford de Santa Catarina ou de repente alguém que morava aqui. Até de repente pode ser de um índio. Até pode ser. Agora parar uma obra, funcionários aqui parados e nós não soubemos quando vamos começar é um absurdo!"

Segundo Hang, "de novo a burocracia sentado [sic] em cima do cidadão, sentado em cima da geração de emprego. Quem está desempregado tem pressa pra arranjar um emprego e aí agora só Deus sabe quando é que eles vão liberar a obra. Esse Brasil não tem jeito, vamos mudar. Vamos arranjar emprego para os brasileiros. Quem está desempregado tem pressa. Vamos mudar o Brasil e você pode ajudar, acabar com a burocracia".

Presidente de associação diz que servidores fazem 'o oposto da destruição'

Em outro vídeo, Hang disse que "é a burocracia que atrapalha esse nosso país. Não é falta de empreendedor, é falta de vontade do poder público". Ao lado de dois homens, um dos quais se identificou como empresário, Hang disse que "o Rio Grande do Sul é vítima" do que chamou de "aparelhamento".

"O Rio Grande do Sul é vítima hoje. É um Estado com problemas financeiros, porque ele é vítima desse aparelhamento que houve no Estado. E vocês aqui foram um dos mais prejudicados no Brasil. Se alastrou o funcionalismo de uma maneira dentro do Estado brasileiro, principalmente no Rio Grande do Sul, é como pé de borracha, já viram pé de borracha. Ele entranha e consegue entrar até dentro de um cano de plástico. Aqui está assim, tudo você precisa pedir autorização para alguém. Olha só o terreno lindo, nós aqui parados, discutindo... E quanto mais agora?"

A pedido da coluna, o presidente da Anesp (Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental), Pedro Pontual, assistiu aos vídeos de Hang e disse que, "assim como o cidadão cumpre a legislação ao pagar seus impostos, o servidor público também é obrigado a seguir a legislação".

"No Brasil, assim como em inúmeras outras sociedades ao redor do mundo, existe uma política pública que valoriza o patrimônio histórico. É dever do servidor público cumprir essa legislação. A missão do Iphan neste caso é a preservação de patrimônio nacional, justamente o oposto de destruição. Mas seria importante saber se o Iphan tem um orçamento adequado e servidores em quantidade suficiente para atender à demanda."

Hang disse que 'botou a boca no trombone'

Em nota divulgada em agosto de 2019 e depois atualizada em setembro, o Iphan explicou que tecnicamente não chegou a embargar a obra de Luciano Hang, mas sim que ela foi suspensa pela própria empresa responsável pela construção. A empresa havia se comprometido junto ao Iphan a seguir uma instrução normativa de 2015 que previa a imediata paralisação das obras em caso de localização de objetos de interesse arqueológico, e foi o que aconteceu.

Na quinta-feira (16), Luciano Hang divulgou uma nota em suas redes sociais na qual afirmou que os objetos encontrados "não eram artefatos históricos".

"Eu nunca pedi nenhum favor pessoal ao presidente Bolsonaro ou a qualquer outro político. Uma das minhas principais lutas é o fim das burocracias e leis burras que desestimulam quem quer investir e gerar emprego no Brasil. Se para mim é difícil, imagine para pequenos empreendedores."

Na rede social Twitter, Hang afirmou que a questão da sua loja era "notícia velha e requentada" e que ele protestou contra a paralisação da obra em 2019. "Só não foi mais tempo [parada] porque coloquei a 'boca no trombone', como sempre faço com esses absurdos. Temos 168 lojas, não fazem ideia das asneiras que já presenciei. Leis sem pé nem cabeça, tudo precisa de um carimbo, um alvará, uma licença... um verdadeiro calvário".

 

Fonte: UOL - Poder360