Política

O Brasil que eu vou pegar em 2023 é muito pior que eu peguei em 2003, diz Lula





O ex-presidente Lula e o ex-governador Geraldo Alckmin se reuniram publicamente pela primeira vez desde começaram as articulações para uma possível aliança entre os dois para a disputa ao Planalto em 2022. Em jantar realizado em São Paulo pelo grupo Prerrogativas, de advogados antilavajatistas, Lula e Alckmin, que se enfrentaram nas eleições de 2006, demonstraram entusiasmo com a parceria.

O ex-tucano disse que é hora de “união” e “grandeza política”. “O processo ainda está começando. É hora de grandeza política. É hora de união”, declarou Alckmin. Os dois se abraçaram e conversaram de maneira reservada, na presença de poucos convidados, protegidos por um biombo. Cerca de 500 pessoas participaram do jantar, pagando R$ 500 pelo convite. O valor arrecadado será doado para a campanha “Tem gente com fome”, da Coalizão Negra por Direitos.

Homenageado pelo Prerrogativas, Lula fez um discurso em que exaltou seu entusiasmo para voltar à Presidência depois de 12 anos. “Nenhum ser humano fica velho se tiver uma causa. A gente fica velho quando não tem motivação, não tem causa nobre. Por isso digo que tenho 76 anos, com energia de 30 e tesão de 20. Quero lutar e provar que o povo brasileiro vai reconstruir esse país”, discursou (veja a íntegra mais abaixo).

 

“Qualquer candidato pode ir pra televisão mentir, fazer promessas vãs. Eu não posso. Eu tenho um legado, tenho que fazer mais do que eu fiz. Vou encontrar uma realidade de fome mais forte, inflação mais forte, descrença mais forte, ódio propagado pelo atual governo”, ressaltou.

Em referência a Alckmin, Lula disse que a história passada entre eles não importa. “Não importa se no passado fomos adversários. Se trocamos algumas botinadas. Se no calor da hora dissemos o que não deveríamos ter dito. O tamanho do desafio que temos pela frente faz de cada um de nós um aliado de primeira hora”, disse. “É este o verdadeiro motivo pelo qual estamos reunidos aqui nesta noite: a nossa fé na democracia.”

O ex-presidente também defendeu calma no processo de definição de uma aliança. “Sei que o Brasil que eu vou pegar em 2023 é muito pior que eu peguei em 2003. Segundo, depende do meu partido. É um partido que tem uma história, o partido mais importante da esquerda brasileira”, afirmou. “Tenho que respeitar o Alckmin, quem vai dizer se a gente vai se juntar ou não é o meu partido e o partido dele. Então a gente tem que ter paciência”, declarou.

Lula destacou o legado de sua mãe na perseverança contra a fome e a pobreza. “Dona Lindu foi o primeiro e maior exemplo de perseverança que tive na vida. Quando não havia pão para dar de comer aos filhos, ela dizia: ‘Amanhã vai ter. Amanhã vai ser melhor’. Cresci ouvindo de minha mãe o conselho que me acompanha por toda a vida: ‘Teima, meu filho, teima’.”

O ex-presidente disse que, com o passar dos anos, descobriu que aquele conselho não era apenas para ele. “Aprendi que perseverar é um ato político. É uma arma na mão do oprimido, que o impede de desistir. Aprendi a teimar e a acreditar que amanhã vai ser melhor. Mas que é preciso lutar para construir esse amanhã.”

 

O jantar contou com a presença de juristas e outros políticos de diversos partidos. Entre eles, os governadores da Bahia, Rui Costa (PT), do Piauí, Wellington Dias (PT), e de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), e os presidentes do PT, Gleisi Hoffmann, do PSD, Gilberto Kassab, do PSB, Carlos Siqueira, do MDB, Baleia Rossi, e do Solidariedade, Paulinho da Força. Parlamentares como o deputado Marcelo Freixo (PSB-RJ), os senadores Renan Calheiros (MDB-AL), Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Omar Aziz (PSD-AM) e o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (sem partido-RJ), atualmente licenciado, também compareceram ao evento realizado no restaurante Figueira Rubayat, na capital paulista.

As negociações entre Lula e Alckmin passam pelo futuro partidário do ex-governador paulista, que deixou o PSDB na semana passada. PSB e PSD são cotados como os destinos mais prováveis. A aliança com o PSB passa por uma composição envolvendo Fernando Haddad (PT) e Márcio França (PSB) – um deles teria de abrir mão da candidatura ao governo de São Paulo. Já o PSD trabalha com a pré-candidatura do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e gostaria de ter Alckmin como seu nome ao governo paulista.

Lula lidera todas as pesquisas de intenção de voto divulgadas recentemente. Segundo o Datafolha e o Ipec, ele desponta como favorito para vencer em primeiro turno.

 

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- "Na pandemia, STF age no vácuo do Executivo", diz Marco Aurélio Mello ao Correio

Para jurista, Bolsonaro causou problemas a André Mendonça e classifica como "arroubos retóricos" as ameaças do presidente à Corte. Ele considera que se o governo não cumprir seu papel, o Judiciário sempre tomará decisões que o desagradam

Recém-substituído pelo ex-advogado-Geral da União e ex-ministro da Justiça André Mendonça, na 11ª cadeira do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro aposentado Marco Aurélio Mello acaba de reativar a inscrição na seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro. Ele atuará como parecerista, o que significa que continuará atento aos temas relevantes do país.

Nos últimos dias, um assunto que o desagradou foi a promulgação, pelo Congresso, de mudanças na Constituição que autorizam o governo federal a adiar o pagamento de precatórios — dívidas do setor público reconhecidas pela Justiça. Em entrevista ao Correio, Mello diz que esse "não é o exemplo que o Estado deve dar", já que "o cidadão comum tem 24 horas" para pagar suas dívidas, "sob pena de ter bens penhorados".

A ida de Mendonça para o Supremo foi comemorada por Mello, para o qual é importante que o novo magistrado "perceba a grandeza da missão de julgador". Sobre o perfil "terrivelmente evangélico", citado pelo presidente Jair Bolsonaro como requisito para ser indicado a uma vaga na Corte, o jurista classifica como um "arroubo de retórica que acabou criando percalços" para Mendonça — por causa de resistências políticas, ele esperou quase cinco meses para ser sabatinado no Senado.

Sobre a atuação do Supremo na pandemia da covid-19, Mello afirma que o tribunal tem agido no "vácuo deixado pelo Executivo". A seguir, os principais trechos da entrevista: 

O STF tem agido para garantir a adoção das medidas adequadas de combate à pandemia da covid-19? Por que esse protagonismo da Corte? 

Ele acaba atuando no vácuo. E como não se pode afastar da apreciação do Judiciário a ameaça ou a lesão a direito, ele age, evidentemente, implicando até mesmo, como neste caso do certificado de vacinação, desgaste para o Executivo nacional. O Executivo nacional devia ter adotado as providências, como vários países adotaram.

A atuação do STF para a manutenção do Estado Democrático de Direito é satisfatória? 

O Supremo, às vezes, precisa ser contramajoritário e adotar posições que não são do agrado da sociedade em geral. É seu papel. O STF é guarda da Constituição Federal. Ele vem buscando manter a intangibilidade desse documento básico, que é a Carta da República.

O presidente Bolsonaro voltou a dizer que pode jogar fora das quatro linhas da Constituição, em mais uma ameaça ao Supremo. Desde a redemocratização, o senhor já tinha visto algo parecido entre chefes da República e o STF? 

O presidente tem uma forma desabrida de atuar e parte para o arroubo de retórica, o que não contribui, realmente, para a perfeição do entendimento. Mas atribuo, e continuo atribuindo, a arroubo de retórica. Ou seja, algo irrealizável, porque a democracia veio para ficar, e ela, passo a passo, está sendo robustecida.

Durante o ápice da crise entre Bolsonaro e STF, o senhor chegou a temer uma possível ruptura institucional? 

Não, não temia. Agora mesmo, a mídia veiculou que estaria sendo convocado para prestar serviços (no Tribunal Superior Eleitoral), claro que não de uniforme, um general reformado (Fernando Azevedo e Silva, ex-ministro da Defesa) para evitar um golpe. Ora, se dependermos disso, no Brasil, nós teremos que convocar para servir no Judiciário reservistas e, aí, o Judiciário contrata uma tropa. Não é por aí que se resolve possível descompasso de entendimento entre Poderes.

A Constituição passou por várias alterações desde que foi promulgada. Mudanças importantes, como a reforma da previdência e, agora, a possibilidade de o governo adiar o pagamento de precatórios. Ainda se pode chamar essa Constituição de “cidadã”? 

Em primeiro lugar, quando você pensa a Constituição, você imagina um documento estável, um documento editado para viger por prazo indeterminado. O que nós tivemos na nossa Constituição de 1988? Mais de uma centena de emendas constitucionais. Eu até costumo brincar que uma vez um cidadão entrou em uma livraria e tentou adquirir um exemplar da Constituição, e o atendente disse, simplesmente, que aquela livraria não trabalhava com periódicos.

Essa alteração constitucional que permite ao governo federal adiar o pagamento de precatórios é correta? 

É possível chegar-se ao ponto de reconhecer a dívida e, simplesmente, programar que se pagará quando se quiser? Não. O que prevê a Constituição Federal? O cidadão comum tem 24 horas, citado para pagar, sob pena de ter bens penhorados. O Estado tem 18 meses — e não paga. Nós tivemos, depois da Constituição de 1988, várias moratórias. Então, se vai empurrando a dívida, que vai crescendo cada vez mais. Aí se diz que não há recursos para satisfazer o pedido — e mediante título judicial, pronunciamento do Judiciário, pressupondo-se que tenha tramitado processo durante alguns anos. Realmente isso não implica o exemplo que o Estado deve dar.

O senhor considera que as mudanças trazidas pela PEC dos Precatórios serão judicializadas? 

O Judiciário sempre tem o protocolo aberto àqueles que se sintam prejudicados por um ato do Estado, por um ato do governo. E acaba tudo desaguando no Judiciário, que paga um preço incrível pela atuação — mas, paciência!, é a democracia e o Estado Democrático de Direito. O que não se pode, porque aí haveria transgressão a uma cláusula constitucional, é afastar do crivo do Judiciário lesão a direito ou ameaça de lesão a direito, sendo que essa última cláusula justifica a existência de liminares e de tutelas antecipadas.

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou, no fim de novembro, a admissibilidade da proposta de emenda à Constituição que altera, de 75 para 70 anos, a idade para aposentadoria compulsória de ministros do STF, demais Cortes superiores e Tribunal de Contas da União (TCU). Qual a opinião do senhor? 

Estava pronto para me aposentar em 2016, aos 70. Veio a PEC da Bengala e eu saí depois de completar 75. Agora, essa nova proposta peca, primeiro, porque não dá tratamento isonômico ao servidor do Estado, ou seja, deixa de fora os servidores, e cogitou apenas da observância com a redução da expulsória dos 75 para os 70 quanto ao Judiciário. Em segundo lugar, nós precisamos, no Brasil, é, principalmente, de homens públicos que observem as regras existentes. Essas idas e vindas não são salutares para a estabilidade que se almeja, a segurança jurídica. Não vejo com bons olhos essa proposta e o recuo é num espaço de tempo pequeno. 

Um dia depois de a Comissão da Câmara aprovar a PEC que reduz a idade para aposentadoria compulsória dos ministros do STF, a Câmara criou uma comissão especial para analisar uma outra PEC — amplia de 65 para 70 anos a idade máxima para indicados ao Supremo. Há rumores de que a ideia seria a de facilitar a indicação de aliados do presidente Bolsonaro. O senhor concorda? 

Não acredito que o objetivo seja esse. Acredito que essa majoração decorra do fato de se ter alterado a expulsória dos 70 para os 75. E aí, se for isso, é uma proposta orgânica, uma proposta harmônica com essa majoração que houve quanto à expulsória. Não vejo como direcionar a um certo resultado, um resultado como se praticamente a emenda constitucional tivesse nomes de beneficiários e prejudicados. Não vejo como se partir desse pressuposto, que visa a ensejar ao presidente da República a indicação de outros integrantes. Creio que o presidente está satisfeito com as duas indicações ocorridas. Estive no Supremo para prestigiar a posse do ministro André Mendonça. Foi uma substituição que me deixou contente.

Por falar em André Mendonça, ele é um ministro ‘terrivelmente evangélico’, segundo o presidente Bolsonaro. Esse perfil é condizente com o de um integrante do STF? 

Mais um arroubo de retórica do presidente, que acabou criando percalços para o indicado no Senado. Confio que André Mendonça será um grande juiz e que, com a capa sobre os ombros, terá uma atuação como convém. Uma coisa foi André Mendonça como auxiliar do presidente da República, no Ministério da Justiça; outra como advogado da União, e outra será como julgador. Ser juiz é uma missão sublime, e aquele que o é deve perceber a grandeza dessa missão. É o que eu espero do André Mendonça. Tanto que, quebrando até o que costumo fazer normalmente, fui à posse dele para revelar que aposto na atuação dele como julgador.

Sobre o atual estágio da relação entre os Poderes, após um período de grande turbulência, como o senhor analisa? 

Veio da Constituição Federal que a República está num tripé. Um tripé constituído pelos três Poderes, que, pela Constituição, são harmônicos e independentes. Com cada qual atuando em sua área, não extravasando os limites estabelecidos na Constituição, teremos um avanço social.

Sucessivas pesquisas refletem baixos índices de aprovação popular ao trabalho do STF. A que o senhor atribui isso? 

Se lá estivesse, reexaminaria os meus votos. E foi o que eu falei há pouco: às vezes, o Supremo tem que ser contramajoritário, tem que adotar uma postura que contraria o anseio popular, mas tem o dever maior que é o de preservar a Constituição. O Supremo não pode criar um critério de plantão para atender a um anseio que tenha a população.

Após cinco meses de aposentadoria, como é a vida sem o peso da toga do supremo? 

É, realmente, mais leve. Mas, com o ofício judicante, nunca me preocupei de vir para casa e não poder dormir. Estive em colegiado julgador durante 42 anos, e na linha de frente, pegando no pesado. Hoje, tenho todo o tempo do mundo e não me sobra tempo, porque possuo uma atividade como cidadão muito rica, e cuido das minhas leituras, cuido das minhas coisas, cuido da natureza onde moro. Estou vivendo na plenitude dos meus 75 anos muito satisfeito, com muita leveza.

Após a aposentadoria no STF, o senhor continua se dedicando ao direito?

Reativei minha inscrição na seccional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) no Rio de Janeiro. E fiquei contente, porque vou permanecer com o número que eu tinha. Era 21 mil e qualquer coisa, e hoje já está em 60 mil, 70 mil. Advogar para fazer foro não, mas estaria à disposição, se acionado, para pensar no direito e emitir o meu convencimento sobre algum conflito de interesses. Ou seja, para atuar como parecerista.

 

Fonte: Congrsso em Foco - Correio Braziliense