Política

Destino obrigatório de verba partidária, fundações pecam em transparência





Destino obrigatório de pelo menos um quinto do valor do fundo partidário —dinheiro público que alimenta os partidos políticos no Brasil—, as fundações pecam pela transparência nos gastos, muitas vezes alvos de suspeitas. A situação ainda pode piorar caso o novo Código Eleitoral passe a valer.

Enquanto os partidos fazem atualizações constantes em um sistema de fácil acesso para os eleitores, as movimentações referentes a gastos das fundações só aparecem na prestação de contas final do partido, cujas informações devem ser enviadas à Justiça Eleitoral até 30 de junho do ano seguinte, segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Antes disso, o público em geral só tem acesso aos repasses feitos pelos partidos a suas instituições, e não aos gastos delas.

Com base nos dados atualizados até novembro, 18 partidos declararam ter enviado quase R$ 105 milhões a fundações, o equivalente a 24% das despesas do que eles disseram ter recebido do fundo partidário até agora (aproximadamente, R$ 440 milhões). Esses valores ainda precisarão ser oficializados na prestação de contas final.

Um quinto

Por lei, os partidos precisam destinar ao menos 20% do fundo partidário para a manutenção de suas fundações, que tem objetivo de estimular "pesquisa, doutrinação e educação política". Levantamento do jornal O Estado de S. Paulo aponta que já houve partidos que tentaram pagar dívidas e até blogueiros com verbas para fundações.

Dos 22 partidos com acesso ao fundo partidário, três não indicaram nem quanto repassaram para suas fundações até o fim deste ano. Patriota e PCdoB não responderam os questionamentos da reportagem. O Novo não usa fundo partidário. O Progressistas disse que segue todos os prazos estipulados pelo TSE. Não há uma obrigação legal para que se apresentem os dados antes, dizem especialistas em direito eleitoral.

Quem olha os gastos?

Além de ser difícil de ser acompanhada pelo púbico em geral, a análise dos gastos das fundações também foi alvo de disputa sobre qual órgão teria competência para fazê-la. Antes, a missão competia apenas ao Ministério Público. Agora, passou também para a Justiça Eleitoral, que ainda estuda como fazer isso.

Em nota, o TSE disse que a questão "é objeto de grupo de trabalho que vai regulamentar o tema para o exame das prestações de contas que serão entregues no ano de 2022". Questionado, o tribunal não esclareceu as dúvidas adicionais da reportagem.

Professora da direito e membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), Lara Ferreira diz que é importante que o acesso aos dados de gastos dos partidos seja simples para que partidos possam fazer fiscalização cruzada, "com um fazendo o controle do outro", além de monitoramento de entidades civis.

"Os dados precisam estar claros e de forma amigável especialmente para essas outras entidades que conseguem fazer uma leitura técnica", diz Lara. "Mas, para isso, a gente precisa qualificar a forma de apresentação dos dados."

Fundações têm uma finalidade importante, que dão fomento à ideologia partidária. Não acho que seja desperdício de dinheiro público. Mas, sendo dinheiro público, precisa ser auditado
Lara Ferreira, membro da Abradep

Novo código pode trazer retrocesso

A professora também comenta que, apesar das confusões envolvendo a identificação dos gastos das fundações, há um "esforço contínuo para que esses recursos sejam trazidos à transparência". E isso vem junto com o aumento do fundo partidário, que se tornou a principal fonte de renda das agremiações após a derrubada das doações de empresas.

"Quando a gente passou a ter recursos públicos muito relevantes sendo transferidos para os institutos e fundações, também a reação dos órgãos de controle foi tentar aumentar a transparência sobre eles", diz Lara. "É interesse de todos saber como a lei tem sido cumprida", concorda Michelle Pimentel, também membro da Abradep.

Com a possibilidade de termos um novo Código Eleitoral, a inspeção das contas partidárias pode ficar fragilizada. A proposta esvazia regras de fiscalização.

"Bem ou mal, com todos os defeitos, houve um avanço da Justiça Eleitoral na fiscalização das contas, que corre o risco de ser jogado por terra com a aprovação do novo Código Eleitoral", diz Lara.

Fonte: UOL