Cultura

Papa Francisco: perder tempo, diálogo entre as gerações fortifica a família humana





Para o Pontífice, "a aliança entre as duas gerações extremas da vida, crianças e idosos, também ajuda as outras duas, jovens e adultos, a criar laços entre si para tornar a existência de todos mais rica em humanidade".

Mariangela Jaguraba - Vatican News

O Papa Francisco prosseguiu com a catequese sobre a velhice na Audiência Geral desta quarta-feira (02/03), realizada na Sala Paulo VI, no Vaticano, que teve como tema "Longevidade: símbolo e oportunidade".

"Na narração bíblica das genealogias dos progenitores, impressiona-nos a sua enorme longevidade: fala-se de séculos! Esta cadência secular do tempo, narrada em estilo ritual, confere à relação entre longevidade e genealogia um profundo significado simbólico, forte, muito forte", sublinhou o Pontífice.

Ritmos mais lentos não significam tempos de inércia

"É como se a transmissão da vida humana, tão nova no universo criado, exigisse uma iniciação lenta e prolongada. Tudo é novo, no início da história de uma criatura que é espírito e vida, consciência e liberdade, sensibilidade e responsabilidade. Durante este longo período de tempo, a qualidade espiritual do homem é também lentamente cultivada. Os tempos de transmissão são mais curtos, mas os tempos de assimilação requerem sempre paciência", disse o Papa, acrescentando:

O excesso de velocidade, que agora obceca todas as fases da nossa vida, torna cada experiência mais superficial e menos “nutriente”. Os jovens são vítimas inconscientes desta divisão entre o tempo do relógio, que quer ser queimado, e os tempos da vida, que requerem uma adequada “fermentação. Uma vida longa permite experimentar estes longos tempos, e os danos da pressa.

Segundo o Papa, "a velhice certamente impõe ritmos mais lentos: mas não são apenas tempos de inércia. De fato, a medida destes ritmos abre, para todos, espaços de significado da vida desconhecidos pela obsessão da velocidade. A perda de contato com os ritmos lentos da velhice fecha estes espaços para todos". "Foi neste contexto que quis instituir a festa dos avós no último domingo de julho", sublinhou Francisco.

A velocidade nos coloca numa centrífuga

Para o Pontífice, "a aliança entre as duas gerações extremas da vida, crianças e idosos, também ajuda as outras duas, jovens e adultos, a criar laços entre si para tornar a existência de todos mais rica em humanidade".

É necessário o diálogo entre as gerações, se não há diálogo entre jovens, idosos e adultos, se não há diálogo, cada geração permanece isolada e não pode transmitir a mensagem. Um jovem que não está ligado às suas raízes que são os avós, não recebe a força, como a árvore, das raízes, e cresce mal, cresce doente, cresce sem referência. É preciso buscar como uma exigência humana o diálogo entre as gerações. É importante o diálogo entre avós e netos que são os dois extremos.

A seguir, Francisco disse que "a cidade moderna tende a ser hostil com os idosos e não por acaso também com as crianças. Esta sociedade que tem o espírito do descarte, descarta as crianças que não são bem-vindas e descarta os idosos, descarta, não são necessários. A velocidade nos coloca numa centrífuga que nos varre como confetes. Perdemos completamente de vista o todo. Cada um agarra-se ao seu pedacinho, flutuando sobre os fluxos da cidade-mercado, para a qual ritmos lentos são perdas e velocidade é dinheiro. A velocidade excessiva pulveriza a vida, não a torna mais intensa. A sabedoria nos pede para perder tempo".

O ritmo dos idosos nos ajudam

O Papa ressaltou a necessidade de perder tempo com os filhos, com as crianças, pois "este diálogo é fundamental para a sociedade". Portanto, perder tempo com as crianças e também com os idosos, com um avô ou uma avó "que talvez não raciocina bem ou perdeu a capacidade de falar, mas você está ali com ele ou com ela, perdendo tempo, e esse perder tempo, fortifica a família humana". Segundo Francisco, "crianças e idosos nos dão outra capacidade de ver a vida".

A pandemia em que ainda somos forçados a viver impôs – com bastante sofrimento, infelizmente – um bloqueio ao culto obtuso da velocidade. E neste período, os avós funcionaram como uma barreira à “desidratação” afetiva dos mais jovens. A visível aliança de gerações, que harmoniza os tempos e ritmos, restitui-nos a esperança de não vivermos a vida em vão. E restitui a cada um de nós o amor pelas nossas vidas vulneráveis, bloqueando o caminho para a obsessão da velocidade, que simplesmente as consome.

Segundo o Pontífice, "os ritmos da velhice são um recurso indispensável para apreender o significado da vida marcada pelo tempo. Os idosos têm o seu ritmo, mas são ritmos que nos ajudam. Graças a esta mediação, com os idosos, o destino da vida ao encontro com Deus torna-se mais crível: um desígnio que se esconde na criação do ser humano “à sua imagem e semelhança” e que é selado com o Filho de Deus que se fez homem".

A aliança das gerações é indispensável

O Papa sublinhou que "hoje, verifica-se uma maior longevidade da vida humana. Isto nos dá a oportunidade de incrementar a aliança entre todos os tempos da vida; muita longevidade, mas temos de fazer mais aliança, nos ajuda aumentar e aliança também com o sentido da vida na sua totalidade. O sentido da vida não está somente na idade adulta, dos vinte cinco anos aos sessenta, não. O sentido da vida vai do nascimento até à morte e você tem de ser capaz de dialogar com todos, cultivar relações afetivas com todos. Assim a sua maturidade será mais rica, mais forte".

"Que o Espírito nos conceda inteligência e força para esta reforma: a prepotência do tempo do relógio deve ser convertida na beleza dos ritmos da vida. Esta é a reforma que devemos fazer em nossos corações, na família, e na sociedade. A aliança das gerações é indispensável. Numa sociedade em que os idosos não falam com os jovens, os jovens não falam com os idosos, e os adultos não falam com os idosos e nem com os jovens, é uma sociedade estéril, sem futuro, uma sociedade que não olha para o horizonte, mas olha a si mesma, e se torna sozinha. Que Deus nos ajude a encontrar a música adequada para esta harmonização das diferentes idades, crianças, idosos e adultos, todos juntos, uma verdadeira sinfonia de diálogo", concluiu o Papa.

 

- Mensagem do Papa Francisco para a Campanha da Fraternidade 2022

Realizada pela CNBB todos os anos no tempo da Quaresma, período de 40 dias que antecede a Páscoa, a Campanha da Fraternidade de 2022 deste ano tem com o tema: “Fraternidade e Educação”. A Mensagem de Francisco para a Igreja no Brasil e todos os fiéis brasileiros

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lança, nesta Quarta-feira de Cinzas, 2 de março, a Campanha da Fraternidade de 2022, com o tema: “Fraternidade e Educação” com o lema bíblico, extraído de Provérbios 31, 26: “Fala com sabedoria, ensina com amor”.

Para a ocasião o Papa Francisco enviou aos fiéis brasileiros uma mensagem para o início da Quaresma e da Campanha da Fraternidade 2022.

Eis o texto integral:

Queridos irmãos e irmãs do Brasil!

Ao iniciarmos a caminhada quaresmal de conversão rumo à celebração do Mistério Pascal de Cristo, nos dispomos a ouvir o chamado de Deus que deseja conduzir-nos, através das práticas penitenciais do jejum, da esmola e da oração, ao encontro pessoal e renovador com o Ressuscitado, em quem temos a verdadeira vida e do qual devemos ser fiéis testemunhas.

Para auxiliar os fiéis nesse percurso de encontro, a Igreja no Brasil propõe à reflexão de todos, na Campanha da Fraternidade deste ano, o importante tema da relação entre “Fraternidade e Educação”, fundamental para a valorização do ser humano em sua integralidade, evitando a “cultura do descarte” – que coloca os mais vulneráveis à margem da sociedade – e despertando-o para a importância do cuidado da criação.

Efetivamente, ao olhar para a sociedade hodierna, percebe-se de maneira muito clara a urgência em adotar ações transformadoras no âmbito educativo a fim de que tenhamos uma educação promotora da fraternidade universal e do humanismo integral, como recordado no convite para um Pacto Educativo Global: “Nunca, como agora, houve necessidade de unir esforços numa ampla aliança educativa para formar pessoas maduras, capazes de superar fragmentações e contrastes e reconstruir o tecido das relações em ordem a uma humanidade mais fraterna” (Mensagem, 12/09/19).

Ao mesmo tempo que se reconhece e valoriza a responsabilidade dos governos na tarefa de auxiliar as famílias na educação dos filhos, garantindo a todos o acesso à escola, deve-se igualmente reconhecer e valorizar a importante missão da Igreja no âmbito educativo: “As religiões sempre tiveram uma relação estreita com a educação, acompanhando as atividades religiosas com as educativas, escolares e acadêmicas. Como no passado, também hoje queremos, com a sabedoria e a humanidade das nossas tradições religiosas, ser estímulo para uma renovada ação educativa que possa fazer crescer no mundo a fraternidade universal” (Discurso, 5/10/21).

Desejo de todo o coração que a escolha do tema “Fraternidade e Educação” torne-se causa de grande esperança em cada comunidade eclesial e de efetiva renovação nas escolas e universidades católicas, a fim de que, tendo como modelo de seu projeto pedagógico a Cristo, transmitam a sabedoria educando com amor, tornando-se assim modelos desta formação integral para as demais instituições educativas.

Desejo igualmente, queridos irmãos e irmãs, que o itinerário quaresmal, iluminado pela reflexão proposta, seja ocasião de verdadeira conversão e que as sementes lançadas ao longo deste caminho encontrem nos corações dos fiéis a boa terra onde possam frutificar em ações concretas a favor de uma educação integral e de qualidade.

Confiando estes votos aos cuidados de Nossa Senhora Aparecida e como penhor de abundantes graças celestes que auxiliem as iniciativas nascidas a partir da Campanha da Fraternidade, concedo de bom grado a todos os filhos e filhas da querida nação brasileira, de modo especial àqueles que se empenham por uma educação mais fraterna, a Bênção Apostólica, pedindo que continuem a rezar por mim.

Roma, São João de Latrão, 10 de janeiro de 2022.

[Franciscus PP.]

Fonte: Vatican News