Política

Ministros do STF veem participação de Lira em movimento contra a Justiça





A postura do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL), na condução do caso Daniel Silveira (PTB-RJ) reforçou entre ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e também no mundo político a percepção de que a aliança do "centrão" com o presidente Jair Bolsonaro (PL) envolve um trabalho mútuo no sentido de enfraquecer os órgãos de controle e desacreditar o Judiciário.

Por trás da narrativa de que não há interesse do centrão em brigar com o STF, difundida pelos próprios líderes do bloco, ministros da corte, segundo apurou a coluna, enxergam a complacência e até a participação de Lira e de outros parlamentares no processo de desgaste e de "descrédito" promovido contra a Justiça. Há ainda uma sensação de "traição" pairando no ar. Em fevereiro deste ano, acusado de corrupção passiva, o presidente da Câmara, por exemplo, obteve vitória importante no STF, quando o ministro Edson Fachin votou pela rejeição de uma denúncia contra o deputado oferecida pela PGR na Operação Lava Jato.

O assunto é tratado reservadamente nas conversas dos magistrados, que foram alertados por um político conhecedor dos bastidores do Congresso e das estratégias do centrão: após ter sido beneficiado pelo freio que o STF deu em eventuais excessos do Ministério Público, o bloco parlamentar, com apoio de Jair Bolsonaro e até de setores da oposição, voltou a trabalhar para restabelecer o "status quo" do período pré-Lava Jato.

Ou seja, o bloco parlamentar que tem Lira hoje como o principal líder estaria, conforme a coluna ouviu de membros do Judiciário, do Congresso e de outras esferas de poder, satisfeito com o enfrentamento ao Supremo promovido pelos bolsonaristas, apoiados do Planalto, afinal, teria interesse no enfraquecimento dos órgãos de controle e no desgaste perante a opinião pública de quem deve zelar pela aplicação da lei. O centrão tem vários de seus líderes enrolados na Justiça, inclusive em escândalos recentes do próprio governo Bolsonaro.

A parte operacional do centrão nessa estratégia é justamente evitar que o Legislativo se posicione claramente ao lado do STF, portanto, contra Bolsonaro, além de aliviar eventuais punições aos radicais e extremistas. Quem conhece bem as entranhas do Congresso avalia que esse é o principal motivo do silêncio de Lira até agora na crise envolvendo Silveira. O deputado bolsonarista, condenado pela corte e depois indultado por Bolsonaro, continua a desafiar e a debochar da lei com a aparente complacência da Câmara, que nem sabe mais quando analisará a pertinência da cassação do mandato do parlamentar.

Apesar do estilo rude, Lira é considerado um político "jeitoso" nos bastidores e tem conseguido por enquanto se equilibrar na disputa entre o Planalto/bolsonaristas e o Supremo. É claro que não interessa ao presidente da Câmara bater de frente publicamente com os ministros, afinal ele também é alvo da Justiça. Por isso, em notas e atitudes públicas Lira busca sempre demonstrar preocupação com crise entre os poderes, porém, em termos práticos, pouco ou quase nada faz para defender a corte. Para tentar justificar o protelamento da análise do caso Silveira, por exemplo, o presidente da Câmara faz chegar aos jornalistas que, agindo assim, ele pretende "esfriar os ânimos".

Porém, ministros da Corte entendem que Lira, por trás desse papel de pacificador, está apenas protegendo Silveira e defendendo os interesses eleitorais de Jair Bolsonaro, o principal beneficiário do ambiente de tensão. Há ainda a percepção de que o interesse em desgastar a corte está relacionado às recentes denúncias sobre irregularidades na aplicação de recursos públicos que envolvem Lira e seus aliados, como o caso do "kit robótica".

As suspeitas crescem porque é sabido que Lira, pessoalmente, não nutre simpatia por Silveira, pelo contrário. Ainda assim, atua em favor de Silveira, hoje fortalecido pelo apoio do centrão, dos bolsonaristas e da bancada evangélica.

Conforme resume um importante político, a aliança entre o centrão e Bolsonaro parece cada vez mais não ser apenas pragmática, baseada em benesses e favorecimentos, mas também programática e ideológica.

Em uma rara manifestação pública sobre o caso Silveira, Lira, que não atendeu a coluna, afirmou, no final do mês passado: "O entendimento da assessoria jurídica da Casa é que o STF tem a competência para julgar, o presidente da República tem a competência de conceder a graça ou indulto, e o Congresso Nacional é quem tem que decidir sobre mandato parlamentar".

Fonte: UOL