Política

Na ONU, Brasil tenta esvaziar acusação contra Rússia por causa da guerra





O governo de Jair Bolsonaro manobra para tentar esvaziar uma resolução que será votada nesta semana na ONU e retirar acusações diretas sobre crimes que possam ter sido cometidos na Ucrânia pela Rússia. O Itamaraty chegou a propor a exclusão do termo "agressão contra a Ucrânia" do projeto de resolução apoiado por europeus e países ocidentais.

Nesta quinta-feira, o Conselho de Direitos Humanos da ONU se reúne em caráter de emergência para lidar com a situação ucraniana. Mas, nesta quarta-feira, começaram as negociações nos bastidores para chegar a um acordo sobre uma resolução que será submetida ao voto.

Numa reunião nesta manhã, em Genebra, a delegação brasileira fez questão de apresentar propostas para excluir do texto referências que, segundo diplomatas estrangeiros, poderiam comprometer a Rússia.

Antes de comentar cada um dos parágrafos do projeto de resolução, a delegação brasileira indicou que não gostaria de ver um texto que fizesse um "pré julgamento" da situação na Ucrânia e insistiu que o Brasil defende a realização de investigações independentes sobre a crise no país. Ao introduzir a postura brasileira, o Itamaraty também sugeriu que seria importante não permitir que o Conselho fosse palco de um debate enviesado, favorecendo apenas um lado do conflito.

Entre os argumentos usados com frequência pelo Brasil para justificar sua posição, a delegação cita a necessidade de preservar o sistema multilateral e a capacidade de diálogo para que uma saída pacífica seja atingida na guerra.

Durante a reunião, enquanto as delegações começaram a debater parágrafo por parágrafo, o Itamaraty detalhou quais seriam as mudanças que gostaria de ver no texto.

Num dos parágrafos, o Brasil pediu que a seguinte frase fosse rescrita:

"Expressando profunda preocupação diante do número alarmante de vítimas civis causadas pela agressão contra a Ucrânia".

O Itamaraty quer a eliminação do termo "agressão contra a Ucrânia" e sua substituição apenas pela palavra "conflito". Entre diplomatas estrangeiros, a proposta foi recebida como um esforço para minimizar a pressão sobre os atos cometidos pela Rússia.

Num outro trecho, o Brasil ainda insiste sobre a necessidade de que se inclua uma referência à necessidade de que os esforços estejam dirigidos "exclusivamente" à busca de meios pacíficos para lidar com o conflito. Neste momento, tanto europeus como americanos ampliam a aprovação de pacotes financeiros para armar a Ucrânia.

Num parágrafo seguinte que "condena violações e abusos de direitos humanos", o governo brasileiro também quer incluir a palavra "supostos" abusos. O gesto também foi interpretado como uma tentativa de evitar um prejulgamento dos russos, sem esperar pelos resultados das investigações.

Trechos que falam em áreas sob o domínio de tropas russas também seriam vetados.

Mesmo num trecho sobre o impacto da guerra no abastecimento mundial de alimentos, o Brasil pediu a eliminação de partes inteiras.

O governo quer, por exemplo, a exclusão de uma referência ao fato de que parte da insegurança alimentar mundial ocorre "à luz dos impedimentos às exportações agrícolas da Ucrânia como resultado do bloqueio de seus portos marítimos e da destruição da infraestrutura crítica relevante, bem como do roubo de grãos dos territórios da Ucrânia sob controle das forças armadas russas nas regiões de Kherson e Zaporizhzhia".

Mais uma vez, a diplomacia estrangeira interpretou a proposta brasileira como um esforço de não colocar a responsabilidade sobre a Rússia, antes de uma conclusão das investigações.

O governo ainda questiona a palavra proliferação num artigo que condena o uso de desinformação.

Várias das propostas brasileiras encontraram resistência entre os aliados da Ucrânia, que chegaram a pedir a palavra na reunião pedindo para manter os trechos que o Brasil queria cortar.

Até amanhã, o processo negociador continua e o projeto de resolução apenas vai à votação no final da tarde de quinta-feira. A esperança do Brasil é de que uma parcela de suas propostas seja considerada.

Equilíbrio

Ao longo das últimas semanas, o Itamaraty passou a adotar uma postura crítica contra diferentes resoluções apresentadas pela Europa nos vários órgãos internacionais. O argumento do Brasil é de que o "cancelamento diplomático" da Rússia ameaça aprofundar a crise e radicalizar as posições. Ao lado de China, Índia e outros países, o Brasil também é contra a expulsão dos russos do G20 e não deu seu voto para a suspensão do Kremlin do Conselho de Direitos Humanos.

Bolsonaro também causou incômodo quando visitou Vladimir Putin, dias antes da guerra começar, e diante de sua recusa em condenar diretamente os atos do presidente russo.

Um dos argumentos usados pelo Brasil é de que as investigações precisam ser realizadas para determinar de quem é responsabilidade pelos crimes cometidos na Ucrânia. O Itamaraty sequer assinou a proposta para a convocação da reunião de emergência na ONU, usando justamente esse argumento.

Para europeus, porém, esperar pelos resultados finais da comissão de inquérito poderia significar suspender a pressão sobre a Rússia por meses. Hoje, a comissão sequer está em pleno funcionamento.

Enquanto isso, os monitores da ONU documentaram violações do direito humanitário internacional e das leis de direitos humanos que vêm ocorrendo no país. Muitas dessas acusações, diz a entidade, dizem respeito a violações que podem equivaler a crimes de guerra.

"O alto número de vítimas civis e a extensão da destruição e danos a objetos civis sugerem fortemente violações dos princípios que regem a condução das hostilidades, ou seja, distinção, incluindo a proibição de ataques indiscriminados, proporcionalidade e precauções", denunciou a ONU nesta semana.

Matilda Bogner, chefe da missão de monitoramento da ONU no país, apresentou nesta terça-feira uma lista de crimes e violações de direitos humanos depois de visitar 14 cidades que foram abandonadas por tropas russas.

Segundo ela, puderam ser registrados pelo menos 204 casos de desaparecimentos forçados, a maioria por forças russas, além de mais de 300 assassinatos na cidade de Bucha e no norte de Kiev.

"Eram locais onde os russos estavam ocupando. São mortes ilegais, como execuções sumárias", disse. Segundo ela, pessoas foram mortas cruzando a rua ou dentro de carros. Atiradores nos prédios ainda disparavam para mandar uma mensagem para que as pessoas ficassem dentro de casa.

"O que temos da uma primeira foto do que está ocorrendo na Ucrânia e preocupações. Vai levar tempo para entender a escala real das violações", disse Bogner.

Ela também destaca que sua equipe estima que "existam milhares de mortos em Maripoul". De uma forma geral, a ONU fala em mais de 3 mil mortos entre civis em toda a Ucrânia. Mas Bogner insiste que esse número é apenas uma parcela já confirmada dos crimes. "O número total será de milhares a mais do que temos", admitiu.

 

- Guerra causou perda de quase 5 milhões de empregos na Ucrânia

 Cerca de 4,8 milhões de empregos foram perdidos na Ucrânia desde o início da invasão russa ao país em fevereiro, quando o conflito fechou empresas, estrangulou as exportações e levou milhões de pessoas a fugir, informou nesta quarta-feira (11) a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

As perdas de empregos, que representam cerca de 30% da força de trabalho da Ucrânia antes da invasão, podem subir para 7 milhões se as hostilidades continuarem, diz a OIT em estudo, acrescentando que 3,4 milhões de vagas poderiam retornar rapidamente no caso de um cessar-fogo.

A guerra também poderia aumentar o desemprego nos países vizinhos, que recebem milhões de refugiados, e atingir as economias da Ásia Central, já que os trabalhadores imigrantes na Rússia perdem seus empregos e voltam para casa.

As forças russas esmagaram as cidades ucranianas, em guerra que já matou milhares, forçando mais de 5 milhões de pessoas - principalmente mulheres, crianças e idosos - a fugir, e poderia fazer com que a economia da Ucrânia se contraísse em pelo menos um terço em 2022.

"As perturbações econômicas, combinadas com o deslocamento interno pesado e os fluxos de refugiados, estão causando perdas em larga escala em termos de emprego e renda", afirma o levantamento.

"A agressão russa na Ucrânia resultou em crise humanitária devastadora, desencadeando o mais rápido movimento populacional forçado desde a Segunda Guerra Mundial", acrescenta.

Países vizinhos, como Polônia e Romênia, absorveram a maior parte dos refugiados, e estima-se que 1,2 milhão deles trabalhavam antes da invasão.

Segundo o estudo, um conflito prolongado colocará pressão sustentada nos mercados de trabalho e sistemas de bem-estar nesses países, provavelmente aumentando o desemprego.

"Como um exercício hipotético, adicionar esses refugiados ao número de desempregados aumentaria a taxa de desemprego na Polônia de 3% para 5,3%".

A guerra também poderia ter efeito colateral nos países da Ásia Central, que dependem fortemente das remessas enviadas pelos imigrantes que trabalham na Rússia.

Uma desaceleração econômica na Rússia, afetada pelas sanções ocidentais e pelos custos da guerra, poderia levar os trabalhadores imigrantes a perderem seus empregos e voltarem para casa, de acordo com o levantamento.

Globalmente, a guerra na Ucrânia está exacerbando o aumento dos preços de alimentos e energia, ameaçando o emprego e o crescimento dos salários reais, particularmente em países de baixa e média renda que ainda estão se recuperando da pandemia de covid-19. 

 

Rússia não quer guerra na Europa, afirma chanceler

O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, disse hoje (11) que Moscou não quer a guerra na Europa, mas que os países ocidentais estavam interessados em ver a Rússia derrotada em sua campanha militar na Ucrânia.

"Se você está preocupado com a perspectiva de guerra na Europa - não queremos nada disso", afirmou Lavrov em entrevista em Mascate, após conversas com o chanceler de Omã.

"Mas chamo sua atenção para o fato de que é o Ocidente que está constantemente dizendo que, nessa situação, é necessário derrotar a Rússia. Tire suas próprias conclusões", acrescentou.

Fronteiras da Otan

A Rússia está observando atentamente qualquer coisa que possa afetar a configuração das fronteiras da aliança militar ocidental Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, em resposta à visita do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, à Suécia e Finlândia nesta quarta-feira.

Suécia e Finlândia devem decidir neste mês sobre a adesão à aliança militar.

Ao ser solicitado a comentar uma disputa com a Ucrânia sobre importante rota de trânsito de gás, Peskov afirmou que a Rússia continua comprometida com seus acordos de fornecimento.

O fluxo de gás russo para a Europa, passando pela Ucrânia, caiu um quarto nesta quarta-feira, depois que Kiev suspendeu o uso de importante rota de trânsito, culpando interferência das forças russas. É a primeira vez que as exportações por meio da Ucrânia são afetadas, desde que a "operação militar" russa começou.

Fonte: UOL - Agência Brasil