Cultura

Artigo de Dom Pedro José Conti: O sonho





Reflexão para o 4º Domingo do Advento | 18 de Dezembro 2022 – Ano “A” 

“Sonho com um mundo no qual o homem já não despreze o homem. Onde reine o amor na terra, onde a paz adorne os caminhos. Sonho com um mundo em que todos percorram as sendas doces da liberdade. Onde a cobiça não cubra de sombras nossos dias. Sonho com um mundo em que brancos e negros, seja qual for a sua raça, compartilhem os dons da terra. Onde todo homem seja livre. Onde a miséria vergonhosa abaixará a cabeça. E a alegria, como uma pérola preciosa, preencherá os anseios da humanidade. Aqui está o mundo com que sonho. (James M. Lagston Hughes (1902-1967) foi um poeta e escritor negro).

Chegamos ao último domingo do Tempo de Advento. Neste dia sempre encontramos o “anúncio” do nascimento de Jesus feito a Maria ou a José. O evangelho de Mateus deste ano litúrgico nos apresenta o “sonho” de José. Ele já estava comprometido com Maria, mas ainda não a tinha recebido como sua esposa. Era um homem “justo”, ou seja, fiel cumpridor da Lei de Moisés. Por causa disso, ao tomar conhecimento da gravidez inesperada de Maria, devia abandoná-la. Resolveu fazer isso “em segredo” para não expô-la à vergonha pública e relativos castigos. “Em sonho” recebe a mensagem de não ter medo de desobedecer à Lei e de acolher Maria na sua casa. Ele mesmo, José, dará o nome de Jesus à criança quando nascer.

Como é comum na Bíblia, o nome da pessoa escolhida revelava a missão que Deus lhe confiava. “Jesus” significa “Deus (Javé) salva!”. O evangelho lembra também a profecia de Isaias: “Eis que a virgem conceberá e dará luz um filho” (Is 7,14). Outro nome é lembrado: “Ele será chamado de Emanuel, que significa: Deus está conosco”. Assim a “anunciação” a José – e a nós – se completa: nascerá uma criança que se chamará Jesus e terá como missão: “salvar o seu povo dos seus pecados” (Mt 1,21).

O “sonho” indica uma comunicação especial: é Deus que dá a notícia daquilo que ele mesmo vai fazer. Um compromisso real e, ao mesmo tempo, misterioso porque não é algo simplesmente humano, é uma promessa do Altíssimo. José acredita e, quando acorda, obedece; este “sonho-revelação” merece toda a sua confiança. Estamos em plena linguagem bíblica. Anjos e sonhos eram usados para que fosse conhecido e levado em frente o projeto de Deus, uma espécie de assinatura dele. Nada de brincadeiras ou de fantasiosas imaginações humanas. Está em jogo a fidelidade de Deus à sua própria palavra, é o Pai que envia o seu Filho para salvar a humanidade. “Pecado” é tudo o que nos afasta do amor a Deus e ao próximo. Jesus, com suas palavras e com sua vida doada na cruz, obedecendo ao Pai e nos amando até o fim, nos oferece a possibilidade de nos reconciliar com Deus, com os irmãos e, hoje entendemos, também com a própria criação. O “sonho-projeto” de Deus é de vida, de paz, de alegria.

Nós todos sonhamos, às vezes dormindo, muitas mais vezes acordados, imaginando e fazendo planos. Algumas vezes conseguimos realizar os nossos sonhos, outras não; eles ficam guardados no baú da memória dos nossos desejos e anseios. Uma lição muito importante nos vem do “sonho” de José. O que parecia um casamento comum, na realidade foi o início de uma nova história, onde Deus estará presente junto à humanidade. Jesus e Emanuel são os nomes da criança anunciada: Deus salva porque Está conosco ou Está conosco porque quer nos salvar? Com Jesus, Deus não veio para impor o seu projeto, mas para que ao conhece-lo e segui-lo nós pudéssemos participar do seu sonho de amor para com todos. A salvação que Jesus consiste em sair dos nossos projetos individuais, egoístas e gananciosos, para sonhar, juntos com ele, um mundo de paz e fraternidade, onde o próprio Deus – com as religiões para nos entender – não seja motivo de divisão ou de ódio, mas de reconciliação, misericórdia e comunhão. No Natal voltamos a sonhar juntos o “sonho” de Deus, com José, o homem justo, com Maria a virgem-mãe, com todos os homens e mulheres de boa vontade.

Por Dom Pedro José Conti

 

Fonte: Diocese de Macapá