Um homem se cansou da convivência com os seus semelhantes e se retirou num ermo bem afastado. Buscava paz, mas não a encontrou. A lembrança das pessoas que havia deixado o atormentava. Seus sonhos estavam povoados de sons, vozes e cantos. Certo dia, quando estava rezando em frente ao sacrário, viu que algum devoto tinha deixado, em meio às ofertas, uma bela pedra turquesa. Atraído pela cor da pedra, apareceu um ratinho que tentou arrastá-la. Não conseguiu. Voltou com mais outro ratinho e os dois pelejaram para remover a pedra. Também não deram conta. Começaram a guinchar e apareceram mais oito ratinhos. Juntos, com muito esforço, conseguiram concluir a façanha. O eremita tinha entendido a mensagem. Voltou no meio das pessoas, para aprender a se alegrar com a companhia dos outros e unir a sua obra à dos demais.
O trecho do evangelho de Marcos que encontramos no 16º Domingo do Tempo Comum nos apresenta a volta dos discípulos que Jesus tinha enviado, como soubemos pelo evangelho de domingo passado. No entanto, é bom lembrar que entre a ida e a volta dos missionários, o evangelista Marcos coloca o martírio de João Batista com uma introdução muito significativa. Nela se diz que “o nome de Jesus se tornara muito conhecido” e o próprio Herodes já tinha ouvido falar dele (Mc 6,14-16). É nessa situação de fama, mas também de perigo, que Jesus conduz os apóstolos a um lugar deserto e afastado para que descansem um pouco. Todos, incluindo o próprio Mestre, precisam decidir se continuam ou não na missão. Isso porque, de um lado, tem o povo que continua chegando e saindo atrás deles e, de novo, “não tinham tempo nem para comer” (Mc 3,20 e 6,31). Do outro lado, porém, aumenta o grupo daqueles que hostilizam Jesus.
Até para Herodes era um incômodo ter um novo João Batista “ressuscitado”. Para tomar uma decisão tão importante, nada melhor que um pouco de descanso, não vazio, mas cheio de silêncio e oração, como Jesus estava acostumado a fazer, quando se retirava sozinho. Não conseguiram o que desejavam. Aqueles que os tinham visto sair de barco, foram em frente e, ao desembarcar, eles encontraram uma numerosa multidão aguardando. Qual foi a reação de Jesus? Fugir, esconder-se? Não. Ele “teve compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor” (Mc 6,34). Nada de medo ou de incertezas. Ele se doou totalmente e começou “a ensinar-lhes muitas coisas”.
Conviver com os outros, sejam eles parentes, amigos, colegas de trabalho ou irmãos e irmãs de comunidade, cansa. De maneira especial, por estarmos numa sociedade apressada, onde toda hora nos cobramos uns aos outros algo para fazer e esperamos uma resposta mais do que imediata. Nem sempre damos conta. Sobretudo quando o que nos é pedido não é um mero serviço, mas é uma atitude, uma compreensão, um gesto e, talvez, um sentimento. Algo mais profundo, enfim, que torne mais humanos os nossos relacionamentos, constituídos, muitas vezes, só de interesses, obrigações, compromissos e formalidades.
Para não reduzir tudo à rotina do dia a dia, precisamos da compaixão e da palavra. Compaixão não é ter pena do outro, mas é a capacidade de se colocar do seu lado, de conseguir imaginar o que ele ou ela espera de nós, o que gostaria ouvir ou receber naquele momento. Por isso, é importante a nossa comunicação pela palavra, na condição óbvia de que não seja falsa ou a repetição de frases de efeito. Quando falamos com os outros com sinceridade, nós nos apresentamos por aquilo que somos e por aquilo que sentimos. Discursos de ocasião arrancam aplausos, mas não curam feridas, não consolam, não aquecem o coração.
Assim devia ser o ensinamento de Jesus: uma palavra viva que tocava e dava esperança. Também quando era dura e exigente mexia com as pessoas, porque comunicava sempre um Deus misericordioso e paterno. Ficar no meio do povo, em comunidade, cansa, mas quando tiramos as máscaras e sabemos unir as forças, para dialogar e colaborar, nenhuma “pedra” é impossível de ser removida.
Por Dom Pedro José Conti
Fonte: Diocese de Macapá