Educação

Abstenção, incerteza e medo: alunos enfrentam 2º dia do Enem 2020 neste domingo





Após uma primeira etapa com recorde de abstenções – 2,84 milhões de inscritos deixaram de fazer as provas –, o segundo dia do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) 2020 ocorre neste domingo (24) em um cenário de medo e ainda mais incerteza entre estudantes.

O receio de ser infectado pelo novo coronavírus e a insegurança de não conseguir entrar nos locais de prova – em função dos limites de lotação estabelecidos de última hora pelo Inep devido à pandemia – são desafios que vão além do já temido conteúdo das provas.

Candidatos de estados como São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul relataram que foram impedidos de realizar a prova do primeiro domingo (17), pois as salas de aplicação designadas a eles já haviam ultrapassado a lotação máxima. 

Aplicadores do Enem só foram avisados em cima da hora da prova sobre a necessidade de garantir ocupação máxima de 50% das salas apesar de o número de inscritos em cada classe ser superior a essa lotação. 

Em Santa Cruz do Sul, no interior do RS, cerca de 30 estudantes acabaram impedidos de fazer o exame e registraram o caso em um boletim de ocorrência. Os alunos só foram avisados quando já estavam na escola e depois de tentar entrar na classe.

Em coletiva de imprensa ainda no domingo (17), o presidente do Inep, Alexandre Lopes, disse que não houve registro de problemas sanitários em nenhum local de aplicação e que estudantes foram impedidos de fazer a prova em 11 locais. Para esses, o instituto vai analisar as atas das salas e garantir a reaplicação nos dias 23 e 24 de fevereiro.

Além da incerteza sobre conseguir entrar nos locais de provas, com o agravamento da pandemia em todo o país, muitos alunos expressam também o medo do contágio ao fazer as avaliações em ambiente fechado por várias horas.

Esse desconforto se mostrou pelo nível de abstenção recorde no Exame: 51, 5% dos candidatos inscritos não compareceram à prova. O recorde anterior era de 37,7% em 2009.

Após o exame da primeira etapa, as redes sociais ficaram lotadas com denúncias e reclamações por parte dos estudantes, que relataram descumprimento das medidas de distanciamento nos locais de prova.

A aluna Clara Toscano, que busca uma vaga no curso de jornalismo, afirmou haver muitos participantes sem máscara e registro de aglomerações na entrada e saída da prova.

"Eu me senti muito mal. A sala tinha muita gente, mas sobraram alguns espaços. Podíamos sentar onde quiséssemos, não havia recomendações para deixar carteiras livres para distanciamento."

Clara Toscano, estudante

Letícia Abreu, de 26 anos, fez a prova do Enem na Universidade Municipal de São Caetano do Sul, na Grande São Paulo. Segundo conta, 46 alunos estavam presentes na sala e ela calculou, por meio das chamadas para entregar os cadernos de questões, 22 ausentes. "

Quando entrou na sala às 12h23, diz, havia só sete estudantes. "De repente a sala ficou cheia e mais gente continuou chegando. 

"Comecei a ter uma crise de ansiedade, a transpirar demais. Fiquei muito agitada e com taquicardia. Ficamos colados um no outro como se fosse em qualquer outro ano de Enem"

Letícia Abreu, candidata

"Eu só pensava que, se ali alguém estivesse infectado, a chance de pegar seria muito grande. Só queria chorar."

Além do medo de complicações pela Covid-19, Letícia tem receio de que uma eventual contaminação a retire de outros vestibulares que ainda vão ocorrer neste mês, como a prova da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Neste domingo (24), ela pretende procurar a coordenação local para pedir uma solução.

Já a candidata Isabela Pita Batista, que tenta artes visuais, afirmou que na escola onde realizou o exame não viu aglomerações, mas que a sala onde fez a prova estaria cheia se não fossem os alunos que faltaram à prova.

"A escola tinha várias salas, então não vi aglomerações nos corredores. Minha sala não estava cheia, mas se todos os alunos estivessem presentes, estaria. Não houve o distanciamento adequado".

Tales Andrade Paiva, candidato a uma vaga em medicina, fez uma observação semelhante: "Na sala havia 15 alunos, faltaram 13. Seriam 28 caso todos estivessem presentes. Pelo número grande de abstenções, deu para manter um certo distanciamento".

Os alunos, entretanto, confirmaram que os fiscais da prova estavam utilizando a máscara e havia álcool em gel disponível para a higienização, conforme previsto nas medidas de segurança publicadas pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira).

Nas redes sociais, alunos publicaram registros da lotação:

As provas do segundo dia

Nesta etapa da prova, serão avaliadas as habilidades dos participantes nas áreas das Ciências da Natureza (Biologia, Física e Química) e Matemática. A avaliação acontece através de 90 questões de múltipla escolha.

O Inep não anunciou nenhuma mudança para o segundo dia de provas. O ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou em entrevista coletiva que considera a aplicação do Enem em meio à pandemia como vitoriosa.

"Eu registro a minha gratidão em qualificar o Enem no meio de uma pandemia como algo vitorioso, para não atrasar mais a vida de milhões de estudantes", disse Ribeiro.

Para além da aplicação, o conteúdo também é uma preocupação natural dos estudantes. Apesar de a redação ser conhecida como o maior obstáculo da prova, muitos alunos temem a prova de Matemática. 

O professor Alexandre Borges, coordenador da Matemática no curso pré-vestibular Etapa, afirma que, apesar de a prova do Enem estar cada vez mais se aproximando do padrão de questões das universidades estaduais paulistas, ela ainda tem um formato muito claro: uma prova longa, com enunciados longos — que exigem do aluno uma leitura atenta do texto — e que muitas vezes envolvem a interpretação de gráficos e tabelas. 

"Eu diria com quase 100% de certeza que vão cair questões envolvendo razão e proporção (isso inclui questões de conversão de unidades de medida), porcentagem, funções lineares e quadráticas, análise combinatória, probabilidade e estatística, geometria plana e espacial e as análises de gráfico".

Já na parte de Ciências da Natureza, o professor Daniel Berto, coordenador do curso de Biologia na mesma instituição, explica que não acredita que haverá muitas questões no exame envolvendo o novo coronavírus.

"Acredito que é importante saber definir o que é um vírus e seu ciclo de ação, mas por ser algo bastante novo, se houver uma questão mais específica, provavelmente virá acompanhada de um texto que traga algumas informações para respondê-la".

"Eu apostaria mais em dados: os números da pandemia em diferentes momentos", disse Berto. Ele também destaca a importância de estudar o funcionamento de vacinas.

Estudos durante a pandemia

Os estudantes, em especial do ensino médio e de cursinhos pré-vestibulares, relataram muita dificuldade na manutenção de uma rotina de estudos na pandemia. O diretor-geral do curso pré-vestibular Anglo, Daniel Perry, afirma que o emocional de muitos alunos foi abalado pela situação.

"A ansiedade, que é algo natural em vestibulandos, aumentou bastante. Nossa equipe de psicólogas notou que o nível de ansiedade apresentado pelos alunos esteve quase o ano todo no patamar que seria o pico, em outros anos. Além da expectativa em relação ao vestibular, as notícias da pandemia, crise econômica, crise política elevaram a tensão. Ter que ficar em casa quase o tempo todo também aprofundou o estresse."

Daniel Perry, diretor geral do Anglo Vestibulares

Perry disse também que acredita que o adiamento das provas de vestibular auxiliou em certa medida a preparação dos estudantes.

"Sem dúvida houve perdas no aprendizado, pois nem todo aluno conseguiu se adaptar bem ao EaD, especialmente no que se refere à manutenção de uma rotina disciplinada de estudos.De uma forma geral, a maioria dos vestibulandos sente que não está tão bem preparado, embora isso também faça parte da natural insegurança que existe em jovens submetidos a tamanha pressão. O adiamento da data das provas contribuiu sim para aprimorar o preparo e amenizar as perdas ocorridas ao longo do ano."

(Com informações do Estadão Conteúdo)

(Supervisão de Sinara Peixoto)

 

Fonte: CNN Brasil