Cotidiano

Enquanto recusava vacina, Ministério da Saúde entregava cloroquina a estados





Em uma transmissão ao vivo pelas redes sociais na noite de quinta-feira (4), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) falou sobre a possibilidade de, no futuro, ficar comprovado que o medicamento cloroquina seja apenas um placebo, ou seja, sem efeito ativo contra a Covid-19.

“Pode ser que lá na frente falem que a chance é zero, que era um placebo. Tudo bem. Paciência. Me desculpa. Tchau. Pelo menos não matei ninguém. Agora, se por ventura, se mostrar eficaz lá na frente, você que criticou, parte da imprensa vai ser responsabilizada, pelo menos moralmente”, disse.

Atualmente, a medicação não tem comprovação científica para tratamento contra o doença.

No mesmo mês em que o governo federal não respondeu a carta encaminhada pelo CEO mundial da Pfizer, Abert Bourla, que pedia rapidez na negociação doses da vacina contra a Covid-19, o Ministério da Saúde negociava a compra de cloroquina.

A carta da Pfizer foi enviada ao presidente Jair Bolsonaro e a alguns ministros no dia 12 de setembro de 2020. Na época, o Brasil acumulava 131.210 mortes e 4,3 milhões de casos confirmados do novo coronavírus. Hoje, são mais de 230 mil mortes e 9,4 milhões de casos.

O Brasil foi o 57º país a começar a vacinar sua população, o que começou a ser feito em janeiro, segundo apuração da Agência CNN.

Em setembro, a CNN solicitou via Lei de Acesso à Informação (LAI) informações quanto à possibilidade de novas aquisições de cloroquina. A Coordenação-Geral de Assistência Farmacêutica e Medicamentos Estratégicos do Ministério da Saúde respondeu, no dia 14 do mesmo mês, que havia um processo de aquisição de cloroquina pela pasta junto à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), com recursos oriundos do Programa de Enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional Decorrente do Coronavírus. 

Para justificar a aquisição do medicamento, foi explicado que o estoque de cloroquina 150 mg do Ministério da Saúde, naquele momento, era de 375.500 comprimidos. Assim, a aquisição em andamento se justificaria pela necessidade de manter o abastecimento da rede pública, em atendimento aos dois programa de saúde contra malária e, segundo o órgão, para tratamento de Covid-19.

“Neste ano de 2020, o programa de malária tem observado aumento do número de casos no Brasil, e conforme divulgado diariamente, o número de casos de Covid-19 no Brasil continua elevado, e dessa forma, há expectativa de que demanda dos estados e municípios por esse medicamento continue elevada no segundo semestre de 2020”, informou o órgão na resposta enviada via LAI. 

Segundo levantamento feito pela CNN, apenas entre nos meses de abril e agosto, a Coordenação-Geral de Assistência Farmacêutica e Medicamentos Estratégicos do Ministério da Saúde solicitou ao Laboratório Químico Farmacêutico do Exército a distribuição de 1,5 milhão de comprimidos aos estados.

A justificativa era o “enfrentamento da pandemia pela Covid-19” e a divisão do número de comprimidos enviados a cada localidade tinha como base o número de casos suspeitos da doença.  

Em setembro, a CNN mostrou que uma empresa de Minas Gerais vendeu ao laboratório do Exército Brasileiro ao menos dois lotes de insumos importados para a fabricação de cloroquina por um valor 167% mais alto do que a mesma empresa tinha cobrado do Exército dois meses antes. O custo total desses contratos mais caros foi de R$ 782,4 mil aos cofres públicos.

Documentos obtidos com exclusividade pela reportagem revelaram que o laboratório do Exército não contestou formalmente esse aumento no preço e só cobrou explicações por escrito à empresa depois de a compra, já finalizada, ter virado alvo de uma investigação no Tribunal de Contas da União (TCU).

Um mês depois, a área técnica do tribunal determinou que o Exército interrompesse a produção de cloroquina até que ficasse esclarecida qual era a demanda real.

Para o TCU, “a falha em questão tem o potencial de gerar dano ao erário, pois a produção pode exceder à necessidade do SUS e gerar acúmulo e vencimento de medicamentos, não alcançando, portanto, a finalidade pública”.

Ministério afirma que não houve importação

Em nota, o Ministério da Saúde informa que não adquire insumos para a produção de fármacos (IFA) e sim o produto acabado (medicamento) e esclarece ainda que não houve importação do medicamento cloroquina 150 mg.

“Os comprimidos de cloroquina foram distribuídos mediante solicitação dos estados e municípios. Informa-se que o medicamento hidroxicloroquina 400 mg faz parte da relação de medicamentos do grupo 2 do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF) e possui aquisição sob responsabilidade das secretarias estaduais de saúde”, diz a nota. 

Ainda de acordo com o ministério, houve doação feita ao governo brasileiro de 3.016.000 unidades de hidroxicloroquina 200 mg, proveniente do governo dos Estados Unidos e da empresa Sandoz/Novartis, acondicionados em frascos com 500 e 100 comprimidos, que foram distribuídos aos entes federados sob manifestação de interesse e condições técnicas para o seu fracionamento, de acordo com as orientações preconizadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O Ministério da Saúde diz que o governo federal não ampliou a produção de cloroquina e nem tampouco a de hidroxicloroquina.

Especificamente sobre a cloroquina, os quantitativos adquiridos correspondem ao atendimento do Programa Nacional de Controle da Malária e com o advento da pandemia, o estoque desse medicamento do Ministério e do laboratório do Exército contribuíram para atender a demanda dos estados e municípios.

Fonte: UOL