Saúde

Falta de recursos e insumos no Brasil dificulta identificação de novas variantes do coronavírus





No Brasil, cerca de 0,03% dos casos passam por sequenciamento genômico; no Reino Unido, índice é 5%

Para especialistas, o fato de ter havido identificação da variante que circula no Amazonas, conhecida como P.1., em vários outros países antes de estados brasileiros evidencia essas dificuldades.

variante foi identificada pela primeira vez em amostras de turistas do estado que visitavam o Japão, e só depois confirmada no Brasil.

Atualmente, a chamada vigilância genômica, modelo que permite a identificação de novas linhagens e variantes do vírus por meio de sequenciamento genético, é feita principalmente por uma rede vinculada ao Ministério da Saúde e por outra ligada à Ciência e Tecnologia, além de projetos em universidades e em alguns laboratórios privados.

O número de amostras sequenciadas no Brasil, porém, ainda é baixo em comparação a outros países.

Aqui, cerca de 0,03% dos casos da Covid tiveram amostras enviadas para sequenciamento, segundo levantamento a partir de dados do Gisaid, plataforma que reúne dados de genomas do coronavírus. Em outros países, como o Reino Unido, esse índice chega a 5%. Na Dinamarca, é de 1,9% e na Irlanda, de 1,4%.

Atualmente, a análise desses dados na rotina na Saúde é concentrada em três laboratórios, que recebem amostras de todos os estados: Fiocruz, Adolfo Lutz, e Instituto Evandro Chagas.

Para essa vigilância, não há necessidade ou possibilidade de sequenciar todas as amostras coletadas em testes –daí a seleção de apenas algumas delas a partir de critérios específicos, separando aquelas mais importantes e que permitem esse trabalho.

Pesquisadores ouvidos pela Folha, porém, apontam que o rastreio poderia ser maior, sobretudo em casos de surtos que exigem uma verificação rápida e número maior de análises. Segundo o grupo, a detecção de novas variantes é normal e esperada, e a maioria delas não deve preocupar.

O trabalho, porém, é importante para detectar mudanças na circulação do vírus e alertas para algumas potencialmente mais transmissíveis –caso da variante do Amazonas, por exemplo.

Entre os entraves para aumentar a análise, estão a falta de equipes e dificuldade em importar insumos, além do alto custo do processo.

"Temos equipamentos, mas falta pessoal e reagentes para intensificar a vigilância genômica”, afirma José Eduardo Levi, pesquisador do Laboratório de Virologia do Instituto de Medicina Tropical, da Faculdade de Medicina da USP.

Para ele, o ideal é que haja uma organização para sequenciamento sistemático de casos com representação estatística.

"A metodologia é cara, os insumos são caros, e essa é uma barreira para que possa ser difundida de forma mais ampla", afirma Mirleide Cordeiro, coordenadora do laboratório de vírus respiratórios do Instituto Evandro Chagas.

Ela avalia, contudo, que o problema não é exclusivo no Brasil. "No Brasil, temos pessoal qualificado, o que nos falta é uma estrutura de parque tecnológico para que façamos isso de forma mais efetiva. É necessário mais investimento em ciência e saúde pública".

Os problemas se refletem nos dados disponíveis. Na prática, o Brasil ainda não sabe precisar a extensão da circulação da nova variante identificada em Manaus, por exemplo. Questionado, o Ministério da Saúde diz que análises são conduzidas para avaliar a circulação.

Pesquisadores apontam que 90% dos casos do Amazonas já estão associados a ela. Dizem ainda que a variante já se espalhou para outros estados além de Amazonas, Pará e São Paulo, onde já foi identificada.

baixa testagem associada à demora maior para o sequenciamento em algumas regiões agravam o problema. No Maranhão, por exemplo, são em média 21 dias desde a coleta do material até o resultado. Em outros, chega a 25 dias ou uma semana –tempo que geralmente leva para a análise, que é demorada.

“Dentre os critérios para sequenciamento estão as amostras positivas com maiores cargas virais, o monitoramento de paciente provenientes de áreas que possuem circulação de novas variantes, como Reino Unido e África do Sul, através da equipe do Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde”, disse em nota a secretaria de Saúde do governo do Maranhão.

No Mato Grosso, só a remessa das amostras demora de 5 a 10 dias, já que é necessário pedir voo para transporte, segundo a secretaria de saúde.

Fátima Marinho, médica epidemiologista e especialista sênior da Vital Strategies, aponta que o baixo índice de sequenciamento do vírus tem impacto no controle da pandemia.

“Quando surge uma cepa mais eficiente, é importante identificar para controlar e reduzir impacto, trabalhar para a variante não se tornar predominante. E ficar atento a outras variantes. Muitas delas são insignificantes, mas outras são melhores, mais infectantes e letais”.

Em geral, especialistas consideram a possibilidade de haver novas variantes comum e que a maioria não deve gerar preocupação. O monitoramento, porém, é necessário.

Além da variante do Amazonas, outras duas têm chamado atenção devido a uma possível maior transmissibilidade: é o caso de uma identificada no Reino Unido (VOC 202012/01), outra na África do Sul (501Y.V2, derivada linhagem B.1.351 do vírus), e a P.1., do Amazonas (que derivou da linhagem B.1.1.28). Essa última é a que gera maior alerta por aqui.

"Tendo em vista o aumento rápido e expressivo do número de casos e óbitos pela doença em Manaus, a partir de dezembro de 2020, há uma hipótese de que isso esteja relacionado com uma maior infectividade dessa variante", diz o Ministério da Saúde em nota técnica divulgada nesta semana, ressaltando que trata-se de hipótese, não fato.

Questionado sobre os gargalos da vigilância genômica, o ministério diz que está iniciando um projeto-piloto para análise, em quatro meses, de até 1.200 amostras de diferentes estados. O objetivo é verificar a circulação da nova variante do Amazonas e identificar outras possíveis.

A estratégia deve ser conduzida em quatro laboratórios —o Adolfo Lutz, em São Paulo, o Instituto Evandro Chagas, no Pará, e os laboratórios centrais de saúde pública da Bahia e de Minas Gerais— que podem chegar a dez nos próximos meses. A pasta não informou a previsão de recursos.

Segundo Cordeiro, do IEC, as primeiras amostras começaram a chegar nesta semana. A previsão é que o trabalho se some ao monitoramento de rotina na rede, feito por meio de envio de um volume específico de amostras de cada estado --no IEC, a média é de 100 a 200 sequenciamentos por mês.

O número é semelhante ao total analisado como rotina na Fiocruz, também referência na rede.

“Quanto menor a circulação, menos chance de ter uma nova variante. Os riscos no caso de novas cepas é encontrar alguma que a vacina pode não oferecer imunidade, o que ainda não foi identificado”, afirma Fernando Motta, pesquisador do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz e da Fiocruz.

Já no Adolfo Lutz, são 40 por semana, segundo Adriano Abbud, diretor de respostas rápidas do instituto. Para ele, a rede de vigilância é estruturada, e a dificuldade em aumentar o sequenciamento está no custo.

Abbud afirma que não se pode atribuir um aumento de casos penas a novas variante, mas recomenda o reforço de medidas de distanciamento. "Sequenciar é necessário para conhecer a doença, mas para pará-la, precisamos de distanciamento social, uso de máscara e vacinação", diz. "É assim que temos que proceder, não importa a variante."

Além dos laboratórios vinculados ao Ministério da Saúde, a vigilância genômica tem apoio de outros centros, como os da Rede Coronaômica, ligada ao MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações), e voltada ao acompanhamento de pesquisas em universidades.

O grupo foi formado durante a pandemia, mas enfrentou atrasos para iniciar as atividades.

Fernando Spilki, o coordenador, diz ver avanços nos últimos meses: “A Inglaterra estava fazendo mais de 7.000 sequenciamentos num dia e estava sequenciando de 3% a 5% das amostras, mas não foi isso que ela fez o tempo todo. Se olharmos um gráfico, também teve um momento em que não estava sequenciando tanto".

Fonte: Folha de São Paulo