Saúde

Remdesivir: como funciona a droga contra a covid-19 aprovada no Brasil e contraindicada pela OMS





Um ano e um dia após o início da pandemia de covid-19, o Brasil aprovou o primeiro medicamento específico contra a doença: o remdesivir (também grafado como rendesivir), desenvolvido pela farmacêutica americana Gilead Sciences. 

O anúncio foi feito na manhã desta sexta-feira (12/03) por representantes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa. 

"O registro do medicamento é fruto da eficácia, da segurança e da qualidade apresentadas. Seu uso será restrito aos hospitais, para que os pacientes sejam adequadamente monitorados", explicou Gustavo Mendes, gerente geral de Medicamentos e Produtos Biológicos da Anvisa.

O fármaco, já aprovado em mais de 50 países (incluindo Estados Unidos, Canadá, Japão e toda a União Europeia), teve seu uso contraindicado pela Organização Mundial da Saúde em novembro de 2020. 

"O remdesivir não vai ajudar no controle ou mudar o curso da pandemia. É uma medicação que pode diminuir um pouco a chance de o paciente grave precisar do respirador, mas nos estudos ela não alterou a mortalidade e tem um custo elevadíssimo", pontua a infectologista Raquel Stucchi, da Universidade Estadual de Campinas. 

Mas como funciona esse tratamento? E em que casos de covid-19 ele será administrado?

Um freio no estrago viral

A droga desenvolvida pela Gilead Sciences pertence à classe dos antivirais, que têm o objetivo de diminuir ou interromper a replicação dos vírus dentro do nosso corpo.

"O papel exato que ela faz frente à covid-19 permanece incerto", observa o infectologista Leonardo Weissmann, do Instituto Emílio Ribas, em São Paulo. 

No início da infecção, o coronavírus invade as células localizadas na boca, no nariz e nos olhos. 

A partir daí, ele aproveita o maquinário celular para criar novas cópias de si mesmo, que perpetuam esse processo ao se apoderarem de novas células.

Esse ataque avança por várias partes do organismo e alcança órgãos como os pulmões e os intestinos. 

Para completar a bagunça, ocorre uma reação inflamatória, que pode lesar outros sistemas e tecidos vitais do corpo.

A consequência dessa agressão toda são os sintomas típicos da covid-19, como febre, dor muscular, tosse e falta de ar.

Logomarca da Gilead Sciences

Getty Images

O remdesivir foi desenvolvido pela farmacêutica americana Gilead Sciences

Na maioria dos casos, o sistema imunológico consegue controlar a situação após alguns dias. 

Mas muitos pacientes evoluem mal. Eles precisam ficar internados e recebem doses de oxigênio e outros cuidados para sobreviver.

Uma parcela deles, infelizmente, não resiste aos danos e acaba morrendo.

O remdesivir atuaria em alguma dessas etapas do processo infeccioso, freando a replicação do vírus no organismo humano.

 

O que a ciência diz?

 

O remdesivir foi testado num estudo patrocinado pelo Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos que envolveu 1.048 voluntários hospitalizados com covid-19.

Entre fevereiro e maio do ano passado, 532 participantes da pesquisa receberam doses do medicamento durante 10 dias. 

Os outros 516 tomaram placebo, que é uma substância sem nenhum efeito terapêutico.

Ao observarem como os dois grupos se saíram, os cientistas notaram que aqueles que foram tratados se recuperaram após 10 dias, em média. 

Já na turma do placebo, esse tempo se prolongou para 15 dias. 

Esses dados foram publicados no dia 5 de novembro no periódico científico The New England Journal of Medicine.

Duas semanas depois, a OMS divulgou uma atualização em suas diretrizescontraindicando o uso do remdesivir por não considerar que ainda havia uma comprovação científica robusta. 

"As evidências sugerem uma falta de benefícios em mortalidade, necessidade de ventilação mecânica, tempo de melhora clínica e outros desfechos importantes", anunciou a entidade.

Para Stucchi, a decisão da OMS tem a ver com os efeitos discretos e o valor elevado do tratamento. "Em termos de custo-benefício, o remdesivir não se mostrou efetivo ainda", avalia a médica.

Trump remove a máscara para posar para fotos

EPA/KEN CEDENO

Quando teve covid-19, o ex-presidente americano Donald Trump usou o remdesivir

O preço de venda no Brasil ainda não está definido. Mas, nos Estados Unidos, o valor do tratamento completo fica na casa dos US$ 3 mil (cerca de R$ 17 mil).

Por meio de nota enviada à imprensa após a aprovação da Anvisa, a diretora médica sênior da Gilead Sciences no Brasil, Rita Manzano Sarti, comentou a questão: 

"Acreditamos que muitas vidas poderão ser salvas frente aos benefícios que o remdesivir pode gerar num momento de pico da pandemia, desafogando o sistema de saúde e dando oportunidade para mais pacientes serem tratados adequadamente."

Durante a coletiva de imprensa, a Anvisa também deu o seu ponto de vista sobre as avaliações distintas feitas pelas agências regulatórias internacionais e a OMS:

"O estudo feito pela OMS avaliou mais a ocorrência de mortalidade e pacientes com perfil um pouco diferente dos avaliados nos outros estudos que consideramos para liberar o remédio. O estudo que consideramos válido focou na redução do tempo de hospitalização dos pacientes, e vimos que houve uma redução na hospitalização", defendeu Renata Soares, gerente de avaliação de segurança e eficácia da Anvisa.

 

Como será seu uso?

 

A aprovação da Anvisa estabelece que o remdesivir só será prescrito em situações bastante específicas. 

Ele será comercializado na forma de pó concentrações e, na hora da utilização, precisa passar por um processo de reconstituição para virar líquido e ser injetado.

É importante destacar que o fármaco não estará disponível nas farmácias e só será usado em ambiente hospitalar.

A terapia está liberada apenas para uso entre cinco e dez dias em indivíduos com mais de 12 anos e com um peso superior a 40 quilos.

Além de covid-19 avançada, o paciente elegível para o tratamento deverá apresentar um quadro de pneumonia e necessitar de oxigênio suplementar não invasivo.

Em outras palavras, ele não pode estar em ventilação mecânica ou oxigenação por membrana extracorporal (conhecida como ECMO).

Para Weissmann, o medicamento ainda está cercado de incertezas. "Os dados que temos sugerem que ele reduz o tempo de recuperação, o que pode ser um benefício clínico. Entretanto, não foi demonstrada claramente uma redução da mortalidade", avalia.

O uso ou não da terapia dependerá da avaliação caso a caso que será feita pela equipe de profissionais da saúde.

 

Outros tratamentos

 

Por ora, nenhuma outra droga mostrou ser capaz de prevenir ou tratar especificamente a covid-19. 

Nos casos mais graves, que exigem hospitalização e intubação, os médicos costumam utilizar oxigênio e alguns remédios anti-inflamatórios. 

Nos quadros leves e moderados, a indicação é ficar em casa, fazer repouso, tomar bastante água e, se necessário, usar medicações que controlem a febre e a dor no corpo.

Caso apareça falta de ar ou os sintomas piorem, vale procurar a orientação de um profissional de saúde ou um pronto-socorro.

Drogas como a hidroxicloroquina, a ivermectina e a azitromicina, que compõem o chamado "tratamento precoce" ou o "kit-covid", não possuem nenhuma eficácia e são contraindicadas pelas mais importantes instituições de saúde nacionais e internacionais, por conta do risco de efeitos colaterais sérios, como arritmia cardíaca.

 

Fonte: BBC News Brasil