Cultura

Artigo de Dom Pedro José Conti: Senhor, sorria, por favor





Senhor, sorria, por favor 

Conta-se que um homem rabugento, de caráter ácido e difícil, precisou tirar uma fotografia e dirigiu-se ao estúdio de um profissional. Uma vez diante da câmara, o fotografo disse-lhe: 

- Senhor, sorria, por favor. O homem, aborrecido, respondeu:

 - A nós, que temos sofrido, não restam sorrisos para repartir. O fotografo insistiu: 

- Eu compreendo, senhor. Mas procure sorrir apenas por um instante. Pense em algum momento bom de sua vida...Assim... E disparou a máquina. A seguir, elogiando-o disse:  

- Conseguiu fazê-lo muito bem, senhor. Seu sorriso foi muito bom. Verá que na foto aparecerá melhor, com expressão mais favorável. Irá gostar. E assim aconteceu. A partir daí, todos os dias, ao levantar-se, aquele homem olhava-se ao espelho e dizia para si: 

- Ande, sorria, que melhorará sua jornada. Os que tinham algum contato com ele diziam que ia se transformando cada dia, pouco a pouco, em outra pessoa, mais sorridente, mais sociável, mais amável, mais cordial, mais solícito...enfim uma pessoa melhor.

 

Chegamos ao Quinto Domingo da Quaresma. O evangelista João nos diz que alguns gregos, portanto a princípio, pagãos, pediram a Filipe, que talvez falasse a língua deles, para ver Jesus. Não sabemos se Jesus ficou feliz por ser famoso e nem como os recebeu. O que sabemos é que Jesus aproveitou para se apresentar e não simplesmente para deixar-se ver e, assim, satisfazer, talvez, alguma curiosidade. Parece que o evangelista queira nos dizer que todos precisamos “ver” Jesus, mas na maneira certa, sem ficar nas aparências ou através de imagens falsas e distorcidas. Jesus mesmo diz que o Pai irá glorificá-lo e a misteriosa voz do céu, confundida com um trovão, confirma isso. No entanto, antes, ele já tinha feito uma comparação. Com ele – e com todos aqueles que o quiserem seguir e servir - acontecerá como com o grão de trigo. Deve morrer, ou seja , deixar de ser só um grão, para produzir fruto e tornar-se uma espiga. Depois disso, Jesus continua dizendo que não pedirá ao Pai para livrá-lo do sofrimento e da morte, porque esta foi a missão que o próprio Pai lhe confiou. Chegou a “hora” da verdade, do “julgamento deste mundo”. “Eu, quando for elevado da terra, atrairei todos a mim” afirma Jesus (Jo 12,32). Palavras enigmáticas e maravilhosas ao mesmo tempo porque com uma só declaração ele anuncia a cruz e a ressurreição, que, para o evangelista João, são uma só “glorificação”. Mas como ele pode dizer que “todos” serão atraídos? Também nós que viemos depois e o resto da humanidade até o fim? Com efeito, pela morte, herança comum de todos os seres vivos, Jesus se tornou solidário com todos os seres humanos, e, igualmente, pela vitória sobre a morte abriu a todos o caminho da vida plena, a vida de Deus. Por causa desta solidariedade com a natureza humana, Jesus se sente “angustiado”. Ele não é um super-homem indiferente à morte, sabe que será dolorosa e humilhante.  A cruz, porém, será também glória ao “nome” do Pai, porque no Filho unigênito “obediente” se manifestará o amor total do próprio Pai.

Cruz e ressurreição, estão mais juntas do que, às vezes, pensamos. Mais ainda quando o morrer significa jogar fora, aos poucos, da nossa vida obras, pensamentos, atitudes que geram sofrimento, lágrimas e talvez até mesmo a morte de alguém. No lugar disso, devemos colocar solidariedade, esperança e alegria. Esses frutos de vida só se multiplicam se “morremos” ao nosso egoísmo, ao orgulho e a todas as nossas maldades. Sem essa “morte” não há vida nova, sem esse morrer não há ressurreição. Entre a superficialidade inconsciente de quem pensa que nunca vai sofrer e a tristeza de quem vive acabrunhado reclamando das tristezas da vida, existe a possibilidade de transformar o sofrimento em esperança, as nossas caras fechadas e sérias demais em rostos sorridentes. Isso não porque, de repente, não temos mais problemas, mas porque acreditamos que a última palavra não será do desespero e da morte, mas da manhã luminosa da ressurreição. Um sorriso todo dia pode ser um santo remédio que nos tornará melhores.    

 

Dom Pedro José Conti

Bispo de Macapá 

 

Fonte: Diocese de Macapá