Política

Bolsonaro busca coalizão anti-impeachment e diálogo com STF para estancar crise militar





Pressionado pelo centrão, presidente atua para que desgaste não prejudique a sua relação com Supremo

Em uma frente, aumentou o espaço do centrão no Palácio do Planalto, numa tentativa de formar uma coalizão que evite uma eventual abertura de um processo de impeachment.​

Bolsonaro promoveu, por exemplo, um reequilíbrio de forças na cúpula do governo. O grupo de mais influência sobre o mandatário já foi majoritariamente militar, mas agora tem maioria de auxiliares oriundos do Congresso.

O time palaciano já contava com o ministro das Comunicações, Fábio Faria (PSD-RN), e o da Secretaria-Geral, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), e agora ganha o reforço da deputada Flávia Arruda (PL-DF), nomeada ministra da Secretaria de Governo, responsável pela articulação política.

Simultaneamente, o presidente escalou seu novo ministro da Defesa, o general da reserva Walter Braga Netto, para convencer o STF (Supremo Tribunal Federal) de que a demissão do antigo titular da pasta, o também general da reserva Fernando Azevedo e Silva, não significa um rompimento na interlocução com a corte.

​Com a saída de toda a cúpula fardada de uma só vez, às vésperas do aniversário do golpe de 1964, Bolsonaro alimentou o temor de que poderia usar as Forças Armadas para uma nova aventura golpista e criou um mal-estar com o STF, que tinha em Azevedo uma espécie de garantia da estabilidade democrática.

Os fatos da última semana vêm na esteira de iniciativas e declarações do presidente que indicam sinais de autoritarismo, como o uso da Lei de Segurança Nacional, um resquício da ditadura, contra críticos de seu governo.

Há ainda a referência reiterada ao termo "meu Exército" e a tentativa de um deputado aliado de aprovar projeto que ampliaria os poderes do presidente, permitindo-o decretar mobilização nacional. O episódio foi entendido como uma tentativa de a União interferir diretamente nas ações de estados e municípios.

A tese de rompimento institucional chegou enfraquecida ao fim da semana, mas obrigou o presidente a ir a público reiterar que não ultrapassará os limitesimpostos pela Constituição.

"Sempre falei para todos os meus ministros: onde é nosso jogo? Nosso jogo é dentro das quatro linhas da Constituição. Não vamos sair deste retângulo ou deste quadrado", disse Bolsonaro, em sua live de quinta-feira (1º).

Apesar da negativa do presidente, houve estrago na imagem tanto do governo como dos militares, o que obrigou o Planalto a colocar em prática um plano de redução de danos.

Braga Netto foi escalado para tentar criar um novo canal de interlocução com o STF, já que seu antecessor, que antes de assumir o posto foi assessor do ministro Dias Toffoli, era tido na corte como um fiador da atual gestão.

Mais do que garantir uma interlocução razoável com o Supremo, Braga Netto tem a missão de anular a influência de Fernando Azevedo no tribunal.

Ministros do Supremo lembram que, nos momentos de tensão em que Bolsonaro ameaçava usar o Exército para resolver seus problemas políticos, era Azevedo quem procurava integrantes da corte para botar panos quentes e ressaltar que não havia chance de as Forças Armadas atuarem fora dos limites constitucionais.

Bolsonaro e o atual ministro da Defesa temem que o STF interprete que a queda de Azevedo tenha relação com a interlocução que o ex-ministro tem com os magistrados e seja um sinal de que o Executivo não se importa em ter uma boa relação com o Judiciário.

Isso porque a corte tem sido alvo de cobranças públicas de Bolsonaro, que erroneamente compara ao estado de sítio as medidas restritivas adotadas por prefeitos e governadores para tentar conter a disseminação do coronavírus.

A ofensiva de Braga Netto será sobretudo sobre Toffoli e o presidente da corte, Luiz Fux. A ideia do ministro de Bolsonaro é se mostrar como um novo interlocutor que seguirá a mesma linha de Azevedo.

O chefe do Executivo receia que a frustração e a insatisfação de Azevedo em decorrência da maneira como foi demitido contaminem o STF.

Os membros do tribunal já foram informados por um emissário do governo de que serão procurados por Braga Netto após a Páscoa. Preocupado com uma reação do STF, antes mesmo de anunciar a interferência nas Forças Armadas, Bolsonaro se reuniu com o ministro Gilmar Mendes.

A reunião foi promovida no Palácio da Alvorada, no dia 27 de março, e não foi incluída na agenda oficial, como mostrou o Painel. No encontro, no entanto, Bolsonaro não detalhou as mudanças que pretendia fazer nos dias seguintes.

Além da tentativa de reaproximação com o STF, o presidente tenta arrefecer no Congresso a crise gerada por ele mesmo. A comissão de Fiscalização e Controle da Câmara convocou Braga Netto a prestar esclarecimentos.

O autor do requerimento de convocação, deputado Elias Vaz (PSB-GO), diz que, apesar das explicações dadas por Bolsonaro e outros assessores ao longo da semana, ainda há fatos a serem esclarecidos no depoimento que o ministro deve prestar nos próximos dias.

"Sem dúvida nenhuma houve um movimento do presidente que fracassou. Para nós vai ser importante ouvir o ministro sobre essas circunstâncias, como se desdobrou isso. Este aspecto ainda não foi resolvido. Ficou claro que, mais uma vez, Bolsonaro flerta com o golpe", disse Vaz à Folha.

Um dos motivos que levaram à demissão de Azevedo foi a falta de apoio político do general a atos e declarações de Bolsonaro. Na manhã de sábado (3), o presidente levou o novo ministro para tomar sopa em uma região administrativa próxima a Brasília. Braga Netto, assim como o chefe, estava de jaqueta de couro e sem máscara.

A convocação do ministro é apenas mais um ingrediente da situação de fragilidade de Bolsonaro também no Congresso. Em 24 de março, uma declaração do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), fez ressurgir o fantasma de um processo de impeachment ao falar em remédios "amargos" e "fatais".

Assim, o centrão, que uma semana antes operou para derrubar o general da ativa Eduardo Pazuello do Ministério da Saúde, dobrou a aposta e, em parceria com o Senado, cobrou também a cabeça do então ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.

Ao chanceler eram atribuídas as dificuldades diplomáticas com países como China e Estados Unidos, importantes para o Brasil no fornecimento de insumos para vacinas e de imunizantes.

Desta maneira, além de despachar Ernesto, Bolsonaro decidiu melhorar a articulação política do Executivo, entregando a Secretaria de Governo, responsável pela distribuição de cargos e dinheiro de emendas, ao centrão.

Antes, a função cabia a um militar, o general da reserva Luiz Eduardo Ramos. Ele assumiu a Casa Civil, que era comandada por Braga Netto. O presidente escolheu para a missão a deputada Flávia Arruda, indicada pelo presidente da Câmara.

Na equipe militar do primeiro escalão que trabalha no mesmo prédio do presidente, Ramos fica agora apenas com o general Augusto Heleno, chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), como companhia.

Para auxiliares do presidente, a movimentação de peças no Planalto representa, na prática, a volta do presidencialismo de coalizão, —conhecido como toma lá, dá cá—, antes demonizado por Bolsonaro.

Com a nova contratação, o presidente entrega um ministério para o PL, único dos grandes partidos do centrão que ainda não tinha espaço de relevância atualmente —na planilha do governo, Republicanos tem a pasta da Cidadania, PSD tem as Comunicações e o PP chegou à presidência da Câmara com ajuda de Bolsonaro.

Ao convidar uma aliada de Lira, também agradou o chefe da Câmara, irritado com o chefe do Executivo por não ter acatado suas indicações para a Saúde. E, ao escolher Flávia Arruda, Bolsonaro acredita fazer um gesto aos pares da deputada, responsáveis por julgar um eventual processo de impeachment.

Também foi um aceno ao ex-deputado Valdemar Costa Neto, condenado em 2012 por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no esquema do mensalão.

De volta ao jogo eleitoral, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vinha flertando com o partido de Valdemar com a intenção de ter o empresário Josué Gomes, do PL, como seu candidato a vice-presidente em 2022. Gomes é filho de José de Alencar, vice nos governos Lula.

Além de todos esses pontos, Bolsonaro tem interesse em que Flávia, casada com o ex-governador do Distrito Federal José Arruda, seja sua candidata ao governo local no ano que vem.​

A deputada licenciada foi presidente da CMO (Comissão Mista de Orçamento) e agora tem como missão ajudar Bolsonaro a encontrar uma saída na discussão orçamentária que não crie um novo mal-estar com o Congresso nem o leve ao risco de cometer crime de responsabilidade ao sancionar o Orçamento 2021, o que poderia suscitar um processo de impeachment.​

 

Fonte: Folha de São Paulo