Política

Bolsonaro diz que vai defender na ONU marco temporal para demarcação de terras indígenas





Promessa feita em live deve frustrar ala que queria usar Assembleia-Geral para reduzir desgaste em área ambiental

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou que deve defender, em seu discurso na Assembleia-Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), na próxima semana, o marco temporal de 1988 para a demarcação de terras indígenas —medida em análise pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e criticada por ambientalistas e lideranças indígenas.

A promessa deve frustrar a ala moderada do governo, que planejava usar o palco do encontro da ONU, do qual o brasileiro fará o discurso de abertura, no dia 21, para tentar reduzir o desgaste nas áreas de meio ambiente e direitos humanos.

"O que eu devo falar lá [na ONU]? Algo nessa linha: se o marco temporal for derrubado [pelo STF], se tivermos que demarcar novas terras indígenas —hoje em dia temos aproximadamente 13% do território nacional demarcado como terra indígena já consolidada—, caso tenha-se que levar em conta um novo marco temporal, essa área vai dobrar", afirmou o presidente, em sua live semanal.

"A gente espera que o STF mantenha esse marco temporal lá de trás, de 1988. Para o bem do Brasil e para o bem do mundo também. Tem gente lá fora pressionando por um novo marco temporal, para demarcar mais uma área equivalente à de Alemanha e Espanha. Vai ter reflexo lá fora também."

O mandatário disse ainda que derrubar o marco temporal "é um perigo" e repetiu que seria um "risco para a segurança alimentar no Brasil" e no mundo, sem esclarecer as razões desses argumentos.

Na última quarta (15), o ministro Alexandre de Moras, do STF, pediu vistas no julgamento, que tinha o placar de 1 a 1 até este momento. Caso prevaleça na corte a tese de Bolsonaro, de estabelecimento de um marco temporal, o processo de demarcação de terras indígenas no país tende a ser travado.

Segundo esse entendimento, indígenas só têm direito à terra que ocupam se estavam lá antes da promulgação da Constituição, em 5 de setembro de 1988. A tese é defendida por ruralistas e pela bancada do agronegócio no Congresso.

Lá fora

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O pronunciamento de Bolsonaro na ONU está sendo redigido em conjunto pelo Ministério das Relações Exteriores e pelo Palácio do Planalto —que terá a palavra final e pode alterar o teor do texto ou de partes dele. A expectativa da ala mais moderada do governo, principalmente no Itamaraty, era que o presidente abrisse mão de um discurso agressivo e evitasse temas que tendem a aprofundar críticas internacionais ao governo.

A fala é vista por diplomatas e militares como um importante palco internacional para tentar reduzir a pressão sobre o Brasil em temas como preservação da Amazônia e direitos das comunidades indígenas.

O retrato de Bolsonaro como um líder descompromissado com a proteção do bioma e hostil a comunidades tradicionais, aliado ao avanço do desmatamento na Amazônia, é considerado por assessores diplomáticos como um dos principais obstáculos do país na agenda externa.

Ainda que com a inclusão da defesa do marco temporal, a expectativa desse grupo mais pragmático é que no plano ambiental o eixo do pronunciamento seja a reafirmação de compromissos assumidos na Cúpula do Clima em abril.

Na reunião, liderada pelo presidente dos EUA, Joe Biden, Bolsonaro prometeu acabar com o desmatamento ilegal no Brasil até 2030 e antecipou a meta para o país atingir a neutralidade climática para 2050 —o prazo anterior era 2060.

Diante de um ambiente de ceticismo entre parceiros estrangeiros, o atual desafio, segundo auxiliares, é mostrar que as promessas serão cumpridas. Para isso, o presidente foi aconselhado a destacar o reforço orçamentário feito no Ibama e no ICMBio, agências ambientais que fazem o combate a ilícitos ambientais.

A expectativa é que ele também lembre em sua fala as recentes contratações de brigadistas para o combate a incêndios e as sucessivas renovações de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) na Amazônia.

A retórica repaginada que o Itamaraty, ora comandado pelo ministro Carlos França, quer emplacar também busca rebater a imagem do Brasil como vilão do aquecimento global. A ideia é pontuar que a elevação das temperaturas é algo global, que não depende apenas do desmatamento na Amazônia.

Assessores trabalham para que Bolsonaro destaque que o fenômeno é causado por outros fatores, como a dependência que alguns países têm do carvão e de combustíveis fósseis. Eles alertam, no entanto, que o presidente precisa ressaltar que o Brasil pretende fazer a sua parte no combate contra o desmatamento.

De acordo com um interlocutor no governo, o desmatamento no bioma —que de novo tem registrado recordes em 2021— se converteu no grande calcanhar de Aquiles para o Brasil nas negociações internacionais.

Mesmo dados positivos para o país, como uma matriz energética mais limpa do que a de outros países, acabam ofuscados pela sequência de indicadores ruins referentes a redução de cobertura vegetal na Amazônia. A crise hídrica atual, que força o uso crescente de termelétricas, tampouco colabora.

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Outro tema candente envolvendo o brasileiro é a questão da vacinação contra a Covid. Nesta quarta, as delegações que vão à Assembleia-Geral receberam uma correspondência dizendo que a cidade de Nova York, onde fica a sede da ONU, exigiria comprovante de imunização para quem fosse acessar as dependências das Nações Unidas e o plenário.

O secretário-geral da entidade, António Guterres, porém, disse que não poderia fazer essa cobrança. De qualquer forma, como Bolsonaro diz não ter se vacinado, sua presença tenderia a criar um constrangimento adicional.

Na live desta quinta, Bolsonaro indicou que não pretende se vacinar antes do evento. "Depois que todo mundo tomar [a vacina] eu vou decidir o meu futuro aí", afirmou.

A ideia da ala pragmática do governo é tentar, o máximo possível, marcar diferenças de falas anteriores de Bolsonaro na ONU.

Em 2019, em sua estreia na cúpula, o brasileiro reclamou de "ataques sensacionalistas" disparados por "grande parte da mídia internacional" por causa da onda de incêndios na Amazônia naquele ano.

"Valendo-se dessas falácias, um ou outro país, em vez de ajudar, embarcou nas mentiras da mídia e se portou de forma desrespeitosa, com espírito colonialista", disse, na ocasião, em Nova York.

No ano passado, em uma participação virtual na Assembleia-Geral, Bolsonaro voltou ao tema para afirmar que o Brasil era "vítima de uma das mais brutais campanhas de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal".

O presidente disse que "instituições internacionais" participam de uma "campanha escorada em interesses escusos" com o objetivo de "prejudicar o governo e o próprio Brasil".

"O Brasil desponta como o maior produtor de alimentos do mundo e, por isso, há tanto interesse em propagar desinformação sobre o nosso meio ambiente."

Assembleia-Geral da ONU: exigência de vacina ainda não está decidida, mas é improvável que Bolsonaro seja barrado

Bolsonaro na ONU

AFP

Jair Bolsonaro em discurso na abertura da Assembleia-Geral da ONU em 2019

Perdeu força a possibilidade de que líderes de países tenham que comprovar que se vacinaram contra a covid-19 para participar da 76ª Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), que acontece na semana que vem e deve reunir mais de cem líderes de Estados na sede da organização, em Nova York. 

A discussão surgiu na terça-feira (14/09), depois que o presidente da Assembleia-Geral, Abdulla Shahid, enviou aos Estados-membros uma carta na qual endossava um pedido das autoridades nova-iorquinas para que as mesmas regras impostas aos habitantes da cidade fossem seguidas no prédio da ONU. 

Para conter a pandemia, Nova York exige que frequentadores de centro de convenções comprovem vacinação. A Prefeitura da cidade disse que a ONU se enquadraria na definição de centro de convenções. 

No entanto, na noite da última quarta, dia 15, o Secretário Geral da ONU António Guterres deu uma entrevista à agência Reuters na qual negou que tivesse meios para garantir tal exigência e lembrou que a sede da organização é considerada território internacional. 

"Nós, como Secretariado, não podemos dizer a um chefe de Estado que, se ele não estiver vacinado, não poderá entrar na ONU" afirmou Guterres, alertando que tal imposição dependeria do apoio da maioria dos países que compõem a ONU.

O assunto era particularmente relevante para o governo brasileiro, já que oficialmente o presidente Jair Bolsonaro não foi vacinado e uma obrigatoriedade de certificado poderia levá-lo a ser barrado do evento. Tradicionalmente, cabe ao mandatário do Brasil a função de abrir os discursos dos chefes de Estado no encontro de líderes mais importante do ano. 

Nas discussões de hoje, as delegações internacionais se mostraram inclinadas a manter em vigor o que chamam de "sistema de honra", aplicado já na edição do evento do ano passado. Pelo sistema, cabe aos chefes de Estado declararem que não estão infectados com covid-19, mas não é preciso provar isso nem com certificado de vacinação, nem com resultado negativo de teste PCR. 

De acordo com embaixadores ouvidos pela BBC News Brasil, além do Brasil, a Rússia também é contrária à exigência já que sua vacina, a Sputnik, não seria reconhecida como imunizante pela ONU. 

Em carta a Shahid, a Rússia acusou o posicionamento de ser "claramente discriminatório". Para não gerar tensões antes mesmo das discussões do evento, a tendência da maioria das delegações seria dispensar o certificado de vacina. 

"Tínhamos um sistema de honra na última sessão. Estamos trabalhando com o presidente em exercício da Assembleia Geral para dar continuidade a esse sistema de honra de uma forma que seja aceitável para todos. Há questões neste edifício que precisam ser tratadas pelos Estados-membros e aquelas que estão sob a alçada do Secretário-Geral. A autoridade do Secretário-Geral é limitada. Portanto, trabalharemos com os Estados-Membros para encontrar um caminho a seguir", reforçou nesta quinta, dia 16, o porta-voz da Secretaria-Geral, Stéphane Dujarric. 

Questionada pela BBC News Brasil sobre a provável dispensa do certificado de vacina, a porta-voz do presidente Shahid apenas reenviou à reportagem a carta em que ele endossa a vacinação obrigatória. Sua posição, no entanto, parece vencida.

"O entendimento é que segue vigorando o acordo anterior entre Estados-membros no sentido de que não há como exigir comprovantes de vacinação dada a diversidade na situação sanitária e de disponibilidade de vacinas entre os diferentes países", afirmou reservadamente à BBC News Brasil um embaixador. 

 

Circulação restrita no hotel

 

Indicação de posto de vacinação contra covid-19 nos EUA

AFP

Indicação de posto de vacinação contra covid-19 nos EUA

Outra dificuldade para o presidente brasileiro poderia ser sua hospedagem. O hotel onde tanto Bolsonaro quanto parte da comitiva brasileira ficarão hospedados, por exemplo, informa em sua página na internet que segue a determinação da cidade de Nova York de exigir certificado vacinal para qualquer hóspede acima de 12 anos.

Nesta quinta, no entanto, um representante do hotel afirmou à BBC News Brasil que Bolsonaro não enfrentará dificuldades no estabelecimento desde que sua circulação fique restrita ao quarto e ao lobby. O presidente não poderá, no entanto, frequentar o restaurante ou a academia do hotel, onde o protocolo de exigência de certificado vacinal se aplica. 

Bolsonaro também não poderá se alimentar dentro de nenhum restaurante, mas não há limitação para o presidente brasileiro em ambientes abertos. 

Há três dias, em conversa com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada, Bolsonaro voltou a repetir que não havia tomado imunizantes contra a covid-19, que já matou quase 590 mil brasileiros. Ele citou um suposto resultado do exame IGG, que mede a quantidade de anticorpos para uma dada doença no corpo, como justificativa para não ter se vacinado.

"Eu não tomei vacina, estou com 991 (nível do IGG). Eu acho que eu peguei de novo (o vírus) e nem fiquei sabendo", afirmou Bolsonaro.

A BBC News Brasil consultou a Presidência da República sobre se o presidente segue sem ter sido vacinado contra covid-19, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.

Durante o verão do hemisfério Norte, Nova York voltou a experimentar um aumento do número de casos de covid-19 na cidade, resultado da grande circulação da variante delta. Atualmente com 62% da população completamente vacinada e média móvel de cerca de 1600 novos casos por dia, a cidade luta para controlar a epidemia.

Em meados de agosto, o governo dos Estados Unidos, que vem tentando fortalecer os órgãos de relações multilaterais e demonstrar protagonismo nesses espaços, expressou preocupação com os impactos sanitários da realização do evento em Nova York, que decidiu oferecer imunização gratuita a todos os participantes da Assembleia Geral da ONU.

Fonte: Folha - BBC News Brasil