Política

Bolsonaro me apresentou 2 nomes inaceitáveis para a direção da PF, diz Moro





No livro "Contra o sistema da corrupção" (288 págs, Editora Sextante), que será lançado na quinta-feira (2), o ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública Sergio Moro (Podemos) narra em detalhes a fritura pública que sofreu do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e sua tentativa de interferir na direção da Polícia Federal.

Leia abaixo um trecho do livro:

"No início de janeiro de 2020, quando retornei das férias no Canadá, voltaram as pressões para que eu substituísse o diretor-geral da Polícia Federal. Mas dessa vez ocorreu um fato um pouco desagradável: o próprio presidente contatou diretamente [Maurício] Valeixo [então diretor-geral da PF]. Disse sem meias palavras que queria substituí-lo e lhe ofereceu, em troca, um cargo de adido no exterior. Embora tenha tido uma postura louvável em agosto de 2019, quando recusou a indicação de Bolsonaro para trocar o comando da PF no Rio, agora o delegado se dizia exausto com a pressão presidencial para que deixasse o cargo. Em um telefonema, ele me disse que era melhor sair.

Fui ao Planalto e, numa reunião com o presidente e outro ministro, eles me apresentaram três nomes para que eu escolhesse um deles como substituto do diretor-geral. Daqueles três, dois eram absolutamente inaceitáveis, por falta de histórico suficiente na Polícia Federal ou por outras questões específicas. Apenas um deles, o delegado da PF Alexandre Ramagem, diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), me parecia aceitável, apesar de sua pouca experiência.

Naquele momento, concordei com a troca - o que mais tarde se revelaria um erro -, mas pedi mais tempo para preparar a Polícia Federal para aquela mudança. Eu também estava cansado do desgaste com esse caso e pensei que, com Ramagem, pelo menos se evitava o pior, que seria a nomeação dos outros dois, absolutamente desqualificados para o cargo.

Mas, logo depois, quando refleti melhor, percebi que caíra em uma armadilha. Primeiro, porque não havia motivo para a saída do diretor-geral Valeixo. Segundo, embora Ramagem até aparentasse ser um bom profissional, seria visto como uma interferência do Planalto na Polícia Federal - o delegado era muito próximo da família Bolsonaro desde a campanha de 2018, quando comandou a segurança do então candidato a presidente. Na prática, eu aceitaria que o diretor-geral fosse punido por ter feito o correto ao resistir àquela substituição do superintendente do Rio de Janeiro em agosto de 2019. Isso sem falar que o presidente, sem uma causa aparente, rompia de vez o compromisso assumido comigo ao me convidar para o ministério: a aludida carta branca para as nomeações.

No fundo, o principal motivo para eu mudar de posição foi que comecei a desconfiar das razões do presidente para a mudança pretendida. Por que o presidente queria tirar Valeixo, um profissional respeitado pela categoria, sem qualquer motivo objetivo, e substituí-lo por alguém de sua relação pessoal? O tempo me daria razão.

Por isso, insisti com Bolsonaro para que Valeixo permanecesse como diretor-geral, advertindo-o dos problemas que viriam após uma substituição sem motivo na PF. Mas, para não ser intransigente, sugeri que, se fosse realizada a troca, melhor que fosse outro delegado, não tão ligado ao Planalto. Apresentei dois nomes: o do delegado Disney Rosseti, diretor-executivo da Polícia Federal, segundo na hierarquia da corporação, e o do delegado Fabiano Bordignon, diretor do Depen. A escolha de Rosseti tinha a vantagem de indicar continuidade no trabalho que vinha sendo feito na PF. Já a de Bordignon, relativamente novo na carreira, atenderia à maior renovação que o presidente dizia ser o motivo para a troca. Além disso, como era alguém que já trabalhava comigo, a indicação evitaria especulações sobre uma possível interferência do Planalto na Polícia Federal. Mas aquelas conversas eram sempre inconclusivas: o presidente não me dizia se aceitava aquela proposta e eu passei a evitar o tema. Seguíamos ambos a estratégia evasiva de "Eu não te pergunto e você não me responde".

(...)

Outra crise no relacionamento com o presidente viria ainda naquele janeiro de 2020. No dia 22, o Ministro Jorge Oliveira organizou um encontro, no Palácio do Planalto, entre Bolsonaro e os secretários de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal. Na reunião, ele prometeu estudar a solicitação de parte dos secretários para que fosse recriado o Ministério da Segurança Pública. Detalhe: não fui sequer avisado daquela reunião, transmitida via redes sociais pelo presidente.

No mesmo dia, várias pessoas me procuraram querendo saber o que eu faria diante daquela fritura pública. Apesar do desgaste, eu estava tranquilo quanto ao rumo que devia tomar. Tinha sido convidado para ficar à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Se a pasta fosse dividida, não continuaria no governo de jeito algum. Cumpria apenas esperar pela decisão final do presidente.

Minha intuição dizia que ele desejava que eu me pronunciasse publicamente para contrariá-lo, dando-lhe uma desculpa para que não tivesse como voltar atrás. Preferi apostar que ele recuaria diante da má repercussão daquela proposta entre os seus seguidores - o governo considera as redes sociais um termômetro da opinião pública, o que nem sempre é verdadeiro, já que as redes sempre favorecem extremismos e o pensamento social majoritário costuma ser mais tolerante.

Foi o que aconteceu. Já no dia 24 de janeiro, Jair Bolsonaro recuou:

"A chance [de separar os ministérios] no momento é zero. Tá bom ou não? Tá bom, né? Não sei amanhã, (em) política, tudo muda. Não há essa intenção de dividir. Não há essa intenção."

Diante daquele episódio e de todo o histórico do presidente, era possível extrair algumas conclusões. Eu não poderia confiar nele, já que, com frequência, Bolsonaro recorria gratuitamente a esses expedientes reprováveis de fritura pública. Também concluí que ele simplesmente não confiava em mim e não desejava a minha presença no governo. Daí, o reiterado desejo de retirar poder de mim ou do Ministério da Justiça ou de me contrariar, como ocorreu nos episódios do Coaf, dos vetos ao projeto de lei anticrime, da separação do ministério, da substituição do diretor-geral da Polícia Federal ou do superintendente da PF no Rio de Janeiro.

Mas, pelo menos naquele momento, a ameaça de divisão do Ministério da Justiça e Segurança Pública estava superada. Não por muito tempo."

 

- Moro: risco de ataque a Bolsonaro atrasou transferência de líderes do PCC

O governo federal adiou a transferência de 22 lideranças do PCC (Primeiro Comando da Capital) para presídios federais por medo de integrantes da facção criminosa tentarem promover um atentado contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no começo de 2019.

O episódio é revelado pelo ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública e pré-candidato do partido Podemos à Presidência da República, Sergio Moro, em seu livro de memórias "Contra o sistema da corrupção" (288 págs, Editora Sextante), que será lançado nesta quinta-feira (2), em Curitiba.

Na condição de ministro, Moro articulou a operação de transferência em parceria com o governo paulista, em atendimento a um antigo pedido do Ministério Público do Estado de São Paulo, que alertava sobre a descoberta de planos para resgatar líderes da facção nas unidades em que eles se encontravam.

O líder máximo do PCC (Primeiro Comando da Capital), Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, e outras 21 pessoas acusadas de integrarem a cúpula da facção foram transferidos para presídios federais no dia 13 de fevereiro de 2019.

Procurado pela coluna para comentar a afirmação de Moro, o Palácio do Planalto não se pronunciou até o momento.

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O presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro Sergio Moro
Imagem: Adriano Machado/Reuters

Operação Imperium

Intitulada Operação Imperium, a ação mobilizou praticamente todo o sistema de segurança estadual e federal e resultou na transferência para unidades federais no Distrito Federal e em Rondônia das principais lideranças do grupo.

Em seu livro, Moro conta que decidiu sobre a transferência ainda durante o governo de transição, no fim de 2018, quando travou as primeiras conversas a respeito do assunto com o então governador eleito de São Paulo, João Doria(PSDB).

No relato, o ex-ministro conta que a ideia era realizar a operação ainda em janeiro de 2019. "As transferências deveriam ser feitas com urgência - quanto mais demorassem, maior seria a possibilidade de que a informação vazasse e colocasse em risco a operação", escreveu.

No entanto, sugiram contratempos. O primeiro foi a viagem com Bolsonaro para o Fórum de Davos, no fim de janeiro. "Não seria conveniente realizar realizar essa operação arriscada estando fora do país", escreveu.

O segundo contratempo foi a internação do presidente no hospital Albert Einstein, em São Paulo, em 27 de janeiro, para retirada de uma bolsa de colostomia que colocara após o atentado sofrido durante a campanha eleitoral.

"Seria conveniente fazer as transferências com o presidente internado em um hospital de São Paulo? Se o PCC quisesse retaliar o governo federal, não seria o hospital um alvo possível?", escreveu Moro.

O temor era que a organização repetisse os atentados de 2006, quando o grupo patrocinou rebeliões em presídios, incêndios de ônibus, ataques a unidades policiais e agentes penitenciários, em retaliação ao tratamento carcerário mais rigoroso imposto às lideranças do grupo.

De acordo com o ex-ministro, a previsão era de que Bolsonaro ficasse internado por uma semana após a cirurgia. Então, por "prudência", segundo ele, a operação foi marcada para 13 de fevereiro, "quando o presidente já teria tido alta e estaria em Brasília".

A medida quase deu errado. Isso porque houve complicações na cirurgia e Bolsonaro teve a internação estendida por 17 dias. O presidente deixou a capital paulista no dia 13, o mesmo dia da operação.

"Não havia mais como postergar a operação, por questões de logística e riscos de vazamento", escreveu.

O temor maior das autoridades de segurança dizia respeito ao que pudesse ocorrer nos dias seguintes à transferência.

No livro, o ex-ministro relata a preocupação de Bolsonaro com o risco de ocorrerem ataques a civis. O medo de ser responsabilizado por isso - até mesmo com eventual processo de impeachment - levou o presidente a pedir a Moro o cancelamento da medida. No entanto, diante das decisões judiciais pela mudança, isso não era mais possível.

Críticas ao governo de São Paulo

Em seu livro, Moro criticou o governo paulista por ter permitido que o PCC crescesse e se tornasse mais perigoso ao longo dos anos.

"Houve, com todo o respeito, uma certa acomodação do governo paulista no modo de lidar com a organização criminosa e suas lideranças. Isso enviou uma mensagem errada ao mundo do crime, permitindo o crescimento e fortalecimento desse grupo e levando criminosos comuns a pensar: 'se o Estado não tem coragem de enfrentar a facção, eu quero fazer parte dela para ter a mesma proteção.'", escreveu o ex-ministro.

Moro diz que sempre parece ter interessado às lideranças do PCC continuar nos presídios de São Paulo, onde, mesmo encarceradas, "mantinham o controle da organização".

"O que era basicamente um grupo criminoso paulista transformou-se em uma organização nacional, com ramificações em vários estados e conexões internacionais relevantes", escreveu o ex-juiz.

Fonte: UOL